Sobre poesia quando as palavras nos faltam.
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Sobre poesia quando as palavras nos faltam.

Monalisa
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Foto Revista Estante — Fnac
Foto Revista Estante — Fnac

Os poetas possuem uma capacidade de síntese assustadora. Como pode algumas linhas conter, um oceano de sentidos e significados?

Fico aqui tentando encontrar a razão que por algum tempo eu afirmei não gostar de poesia.

Não era pela poesia, hoje posso dizer. Mas, certamente por algo limitado em mim, no medo de mergulhar.

Poesias são profundas demais.

Dizem o que o poeta queria dizer e tudo que está guardado dentro de você que vai se colando naquelas palavras; revelando lugares desconhecidos.

Como diz o poeta Ferreira Gullar, no poema, “A vida bate”:

“Não se trata do poema e sim do homem
e sua vida
– a mentida, a ferida, a consentida
vida já ganha e já perdida e ganha
outra vez.
Não se trata do poema e sim da fome
de vida,
o sôfrego pulsar entre constelações
e embrulhos, entre engulhos.[...]”

E quantos engulhos temos tido nos últimos tempos.

É triste ver nos jornais o alto número de morte e saber que os políticos estão preocupados com mais dinheiro. E nos perguntamos; para quê de fato?

É revoltante saber a forma desnecessária que o dinheiro, já distribuído foi usado. O que pode ter ocasionado muitas dessas perdas.

É vergonhoso ver os deputados legislando em causa própria quando deveriam estar trabalhando, efetivamente, para ver o que de fato acontece em cada um dos seus estados.

É sem humanidade e decoro o que diz o moço que ainda não entendeu que é Presidente do país, ele ainda não entendeu, que conversa com o Povo, quando usa o microfone.

Como não encontrar uma pausa na poesia num momento como esse?

E recorro, mais uma vez, aos versos de Gullar:

“São pessoas que passam sem falar
e estão cheias de vozes
e ruínas . És Antônio?
És Francisco? És Mariana?
Onde escondeste o verde
clarão dos dias? Onde
escondeste a vida
que em teu olhar se apaga mal se acende?
E passamos
carregados de flores sufocadas.
Mas, dentro, no coração,
eu sei,
a vida bate. Subterraneamente,
a vida bate.[...]

A vida não para, ela marcha.

E para onde marcha? Parafraseando, Drummond.

Entre um atropelo, uma falta de esperança, uma perda, a ausência de encontros... Num tempo de afastar.

“dentro, no coração,
eu sei,
a vida bate. Subterraneamente,
a vida bate.[...]”

Ela bate, seguindo a ordem do tempo, em sua marcha rápida, acelerada e é bom que seja assim.

Falamos e nos enchemos de esperança.

Desejosos que o tempo acelerado leve consigo as dores e os males do tempo de agora.

A vida, ela insiste.

Persistente.

Nos lampejos de pequenas alegrias: no sorriso dos filhos, dos sobrinhos, nos telefonemas inesperados, no eu sonhei com você, que mostra que é querido e lembrado mesmo quando o inconsciente domina.

Nas surpresa dos amigos que para mostrar que mesmo longe estão perto,  vão enfeitando nossos dias.

A poesia da vida por meio das pessoas.

Que mesmo sem poder abraçar nos tocam com palavras e gestos de carinho, que derramam conforto para nos sustentar na caminhada, por esse tempo de terrenos áridos.

E se, ainda assim, o sol castigar de mais, a gente sempre pode se esconder à sombra da poesia.

Porque... quando as palavras nos faltam...Podemos falar o que sentimos com as palavras dos poetas.

“E é essa clandestina esperança
misturada ao sal do mar
que me sustenta
esta tarde [...]”


Para ler depois:

- A vida Bate, Ferreira Gullar em Poemas escolhidos.

- E agora José? Carlos Drummond de Andrade