A chave para a dimensão espiritual
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A chave para a dimensão espiritual

A chave para a dimensão espiritual.

anderson
10 min
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A chave para a dimensão espiritual.

Em situações em que a nossa vida está ameaçada pode ocorrer naturalmente essa

mudança na consciência do tempo para o momento presente. A personalidade que tem um

passado e um futuro retrocede e é substituída por uma presença consciente intensa, serena,

mas, ao mesmo tempo, alerta. Sempre que uma reação se faz necessária, ela surge desse

estado de consciência.

Muitas pessoas, embora não percebam, gostam de se envolver em atividades

perigosas, como escaladas de montanhas, corridas de automóvel, vôos de asa-delta, pela

simples razão de que essas atividades as trazem para o Agora, livre do tempo, dos

problemas, dos pensamentos e das obrigações pessoais. Nesses casos, desviar sua atenção

do momento presente, nem que seja por um segundo, pode significar a morte.

Infelizmente, essas pessoas passam a depender de uma atividade em particular para ficarem

nesse estado. Mas você não precisa escalar a face norte do Eiger1

. Você pode entrar nesse

estado agora.

Desde a antiguidade, mestres espirituais de todas as tradições apontam o Agora como

a chave para a dimensão espiritual. Mas parece que isso permaneceu como um segredo.

Com certeza, não é ensinado em igrejas ou em templos. Se você vai a uma igreja, pode

ouvir passagens do Evangelho como “Não vos inquieteis pelo dia de amanhã, porque o dia 

de amanhã cuidará de si mesmo”,ou “Ninguém que lança mão do arado e olha para trás é

apto para o reino de Deus”. A profundidade e a natureza radical desses ensinamentos não

são reconhecidas. Parece que ninguém percebe que os ensinamentos foram formulados

para serem vividos e, dessa forma, provocarem uma profunda transformação interior.

Toda a essência do zen consiste em caminhar sobre o fio da navalha do Agora, em

estar tão absolutamente presente que nenhum problema, nenhum sofrimento, nada que não

seja quem somos em essência, possa permanecer em nós. No Agora, na ausência do tempo,

todos os nossos problemas se dissolvem. O sofrimento precisa do tempo e não consegue

sobreviver no Agora.

O grande mestre zen Rinzai, visando desviar a atenção de seus alunos do tempo,

levantava o dedo com freqüência e perguntava calmamente: “O que está faltando neste

exato momento?” Uma pergunta poderosa, que não requer resposta no plano da mente. É

formulada para conduzir uma atenção profunda para o Agora. Outra questão muito usada

na tradição zen é: “Se não é agora, então quando?”

O Agora é também um ponto central no ensinamento do sufismo, o braço místico do

islamismo. Os sufistas têm um ditado que diz: “O sufista é filho do momento presente”. E

Rumi, o grande poeta e mestre do sufismo, ensina: “Passado e futuro ocultam Deus de

nossa vista, ponha fogo em ambos”.

Mestre Eckhart, mestre espiritual do século treze, resumiu tudo isto com poucas e

belas palavras, ao afirmar: “O que impede a luz de nos alcançar é o tempo. Não há maior

obstáculo para Deus do que o tempo”.

Acessando o poder do Agora.

Momentos atrás, quando você falou sobre o eterno presente e a irrealidade do passado e do futuro,

peguei-me olhando através da janela para uma determinada árvore. Já a tinha olhado muitas vezes antes,

mas agora foi diferente. Não percebi muita diferença na forma externa, exceto que as cores pareciam mais

vivas. Mas havia uma dimensão adicional que antes eu não tinha notado. É difícil de explicar. Não sei

bem, mas achei ter percebido alguma coisa invisível, como se fosse a essência daquela árvore, ou melhor, um

espírito interior. E, de alguma forma, era como se eu fosse parte dela. Percebo, agora, que nunca tinha visto 

de fato a árvore, apenas uma imagem plana e morta. Quando olho para a árvore agora, parte daquela

impressão ainda permanece, mas posso sentir que ela está desaparecendo. A experiência já está parecendo

algo do passado. Será que alguma coisa como essa pode ser considerada mais do que um vislumbre

passageiro?

Por um instante, você se libertou do tempo. Ao se concentrar no presente, pôde

perceber a árvore sem o enquadramento da mente. A consciência do Ser tornou-se parte da

sua percepção. Suprimir a dimensão do tempo faz surgir um tipo diferente de

conhecimento, que não “mata” o espírito que mora dentro de cada criatura e de cada coisa.

Um conhecimento que não destrói o aspecto sagrado nem o mistério da vida, e que contém

um amor e uma reverência profundos por tudo o que é. Um conhecimento sobre o qual a

mente nada sabe.

A mente não pode conhecer a árvore. O que ela conhece são apenas fatos ou

informações sobre a árvore. A minha mente não pode conhecer você, só rótulos, julgamentos,

fatos e opiniões sobre você. Só o Ser conhece diretamente.

Há um lugar para a mente e para o conhecimento da mente. Situa-se na prática do diaa-dia. Entretanto, quando a mente domina todos os aspectos da nossa vida, incluindo as

relações com outras pessoas e com a natureza, transforma-se em um parasita monstruoso

que, se não reprimido, pode acabar matando todo o tipo de vida no planeta e, finalmente a

si mesmo, ao matar quem o hospeda.

Você teve uma breve visão de como a ausência do tempo pode transformar nossa

percepção. Mas não basta uma experiência, não importa quanto ela seja linda ou profunda.

O que é necessário, e o que nos interessa, é uma mudança definitiva na consciência.

Portanto, rompa com o velho padrão de negação e resistência ao momento presente.

Torne uma prática desviar a atenção do passado e do futuro, afaste-se da dimensão do

tempo na vida diária, tanto quanto possível. Se você achar difícil entrar diretamente no

Agora, comece observando como a sua mente tende a fugir do Agora. Vai notar que

geralmente imaginamos o futuro como algo melhor ou pior do que o presente. Imaginar

um futuro melhor nos traz esperança e uma antecipação do prazer. Imaginá-lo pior nos

traz ansiedade. Ambos os casos são ilusões. Ao observarmos a nós mesmos, um maior grau

de presença surge automaticamente em nossas vidas. No momento em que percebemos que

não estamos presentes, estamos presentes. Sempre que formos capazes de observar nossas

mentes, deixamos de estar aprisionados. Um outro fator surgiu, algo que não pertence à

mente: a presença observadora.

Esteja presente como alguém que observa a mente e examine seus pensamentos, suas

emoções, assim como suas reações em diferentes circunstâncias. Concentre seu interesse

não só nas reações, mas também na situação ou na pessoa que leva você a reagir. Perceba

também com que freqüência a sua atenção está no passado ou no futuro. Não julgue nem

analise o que você observa. Preste atenção ao pensamento, sinta a emoção, observe a

reação. Não veja nada como um problema pessoal. Sentirá então algo muito mais poderoso

do que todas aquelas outras coisas que você observa, uma presença serena e observadora

por trás do conteúdo da sua mente: o observador silencioso. 

Uma presença intensa se faz necessária quando certas situações provocam uma reação

de grande carga emocional, como, por exemplo, no momento em que acontece uma

ameaça à nossa auto-imagem, um desafio na vida que nos causa medo, quando as coisas

“vão mal” ou quando um complexo emocional do passado vem à tona. Nessas situações,

tendemos a nos tornar “inconscientes”. A reação ou a emoção nos domina, “passamos a

ser” ela. Passamos a agir como ela. Arranjamos uma justificativa, erramos, agredimos,

defendemos... só que não somos nós e sim uma reação padronizada, a mente em seu modo

habitual de sobrevivência.

Identificar-se com a mente dá a ela mais energia, enquanto observar a mente retira a

sua energia. Identificar-se com a mente gera mais tempo, enquanto observar a mente revela

a dimensão do infinito. A energia retirada da mente se transforma em presença. No

momento em que conseguimos sentir o que significa estar presente, fica muito mais fácil

escolher simplesmente escapar da dimensão do tempo e entrar mais profundamente no

Agora. Isso não prejudica nossa capacidade de usar o tempo – passado ou futuro – quando

precisamos nos referir a ele em termos práticos. Nem prejudica nossa capacidade de usar a

mente. Na verdade, estar presente aumenta nossa capacidade. Quando você usar a mente

de verdade, ela estará mais alerta, mais focalizada.

Abandonando o tempo psicológico.

Aprenda a usar o tempo nos aspectos práticos da sua vida – podemos chamar de

“tempo do relógio” –, mas retorne imediatamente para perceber o momento presente, tão

logo esses assuntos práticos tenham sido resolvidos. Assim, não haverá acúmulo do

“tempo psicológico”, que é a identificação com o passado e a projeção compulsiva e

contínua no futuro.

O tempo do relógio não diz respeito apenas a marcar um compromisso ou programar

uma viagem. Inclui aprender com o passado, para não repetir os mesmos erros

indefinidamente. Estabelecer objetivos e trabalhar para alcançá-los. Predizer o futuro

através de padrões e leis, que podem ser físicas, matemáticas, etc. Aprender com o passado

e adotar as ações apropriadas com base em nossos prognósticos.

Mas, mesmo aqui, no âmbito da vida prática, onde não podemos agir sem uma

referência ao passado ou ao futuro, o momento presente permanece como um fator

essencial, porque qualquer ação do passado é relevante e se aplica ao agora. E planejar ou

trabalhar para atingir um determinado objetivo é feito agora. 

O principal foco de atenção das pessoas i1uminadas é sempre o Agora, embora elas

tenham uma noção relativa do tempo. Em outras palavras, continuam a usar o tempo do

relógio, mas estão livres do tempo psicológico.

Esteja alerta quando praticar isso, para que você, sem querer, não transforme o tempo

do relógio em tempo psicológico. Por exemplo, se você cometeu um erro no passado e só

agora aprendeu com ele, está utilizando o tempo do relógio. Por outro lado, se você

considerar isso mentalmente e daí resultar uma autocrítica, um sentimento de remorso ou

de culpa, então você está transformando o erro em “meu”. Ele passou a ser uma parte do

seu sentido de eu interior e se transformou em tempo psicológico, que está sempre

relacionado a um falso sentido de identidade. A dificuldade em perdoar envolve,

necessariamente, uma pesada carga de tempo psicológico.

Se estabelecemos um objetivo e trabalhamos para alcançá-lo, estamos empregando o

tempo do relógio. Sabemos bem aonde queremos chegar, mas respeitamos e damos

atenção total ao passo que estamos tomando neste momento. Se insistimos demais nesse

objetivo, talvez porque estejamos em busca de felicidade, satisfação ou de um sentido mais

completo do eu interior, deixamos de respeitar o Agora. E ele é reduzido a um mero

degrau para o futuro, sem nenhum valor intrínseco. O tempo do relógio se transforma

então em tempo psicológico. Nossa jornada deixa de ser uma aventura e passa a ser

encarada como uma necessidade obsessiva de chegar, de possuir, de “conseguir”. Aí, não

somos mais capazes de ver nem de sentir as flores pelo caminho, nem de perceber a beleza

e o milagre da vida que se revela em tudo ao redor, como acontece quando estamos

presentes no Agora.

Consigo ver a importância suprema do Agora, mas não posso concordar quando você diz que o tempo

é uma completa ilusão.

Quando afirmo que “o tempo é uma ilusão”, não tenho intenção de fazer nenhuma

afirmação filosófica. Estou apenas chamando a atenção para um fato simples, algo tão

óbvio que você pode achar difícil de entender e até mesmo considerar sem sentido. Mas

perceber isso será como cortar com uma espada todas as camadas de “problemas” criadas

pela mente. Repito que o momento presente é tudo o que temos. Nunca há um tempo em

que a nossa vida não é “este momento”. Não é verdade?