Capítulo Dois O SEGUNDO SEGREDO O SOFRIMENTO É O PROFESSOR, A SABEDORIA É A LIÇÃO
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Capítulo Dois O SEGUNDO SEGREDO O SOFRIMENTO É O PROFESSOR, A SABEDORIA É A LIÇÃO

Capítulo Dois

anderson
11 min
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Capítulo Dois

O SEGUNDO SEGREDO

O SOFRIMENTO É O PROFESSOR, A

SABEDORIA É A LIÇÃO.

Se fizerdes o que está dentro de vós, ele vos salvará. Se não o fizerdes, ele

vos destruirá.

— Evangelho de Tomé

No início, as imagens na tela da TV faziam pouco sentido para mim. Embora

a paisagem fosse familiar, nas semanas anteriores cenas chocantes como a

dessa transmissão haviam se tornado muito comuns: o caos reinava, com

pessoas de todas as idades correndo para todos os lados, sujas, queimadas,

aterrorizadas. Eu acabara de voltar ao quarto de hotel depois de um dia cheio

de aulas em Sidney, Austrália, quando sintonizei o canal de notícias para

atualizar-me com os acontecimentos do dia. Aproximei-me da tela e comecei

a entender o que estava vendo.

As emissoras locais transmitiam fatos ocorridos na Escola Número 1 em

Beslan, Rússia, num vídeo não editado. Poucos dias antes, no primeiro dia

letivo do ano, terroristas haviam tomado centenas de crianças e adultos como

reféns. Embora o impasse tivesse se prolongado por dias, evidentemente

alguma coisa mudara. Quando a situação se normalizou, os números finais

da tragédia eram assustadores. Dos aproximadamente 1.200 reféns reunidos

na quadra de esportes da escola, cerca de 350 foram mortos. A metade era

de crianças, assassinadas sem nenhuma razão aparente a não ser a

irracionalidade de um grupo de pessoas enfurecidas.

Os detalhes humanos revelados a respeito de algumas famílias expunham o

cenário do dia. Em quase todas as ruas da cidade, pessoas haviam perdido

alguém ou conheciam os parentes de alguém que fora assassinado. Muitos

enterravam mais de um membro da família. Um dos moradores, Vitally

Kaloev, enterrou a família inteira: mulher, filho e filha. O Pastor Teymuraz

Totiev e sua mulher enterraram quatro dos cinco filhos: Boris, de 8 anos;

Albina, 11; Luba, 12 e Larissa, 14. A quinta filha, Madina, fora ferida e se

recuperava em casa. Num trágico capricho do destino, o irmão do pastor

Totiev, também pastor, e sua mulher perderam dois dos três filhos.

Semelhante ao impacto avassalador das vidas perdidas no 11 de setembro

em Nova York, a magnitude dos acontecimentos em Beslan era excessiva

para quem tentava entender. Mesmo pessoas cuja fé fora tradicionalmente

uma pedra de toque para outros em tempos de grandes sofrimentos tiveram

suas crenças testadas pela crueldade da tragédia.

Rowan Williams, arcebispo de Canterbury, admitiu que a visão de crianças

inocentes sendo massacradas levou-o momentaneamente a duvidar da sua fé

em Deus. “Onde estava Deus em Beslan?” [11] perguntou ele. Com essas

palavras, o arcebispo Williams expressou publicamente o sofrimento que

muitos sentiam particularmente. O choque, a descrença e o sofrimento dos

moradores de Beslan foram transmitidos pela mídia e sentidos por milhares

de pessoas ao redor do mundo. Naquele dia, milhões de corações, mentes e

orações estavam com o povo russo, compartilhando a experiência universal

do sofrimento.

Quer os acontecimentos se deem numa escala global, como em Beslan na

Rússia ou no 11 de setembro nos Estados Unidos, quer ocorram em nossa

vida pessoal, o modo como lidamos com a perda e a tragédia é uma questão

que cada um de nós deve responder no decorrer da vida. Embora a

experiência do sofrimento seja universal, o que fazemos com o sofrimento

não é.

Se não solucionamos o sofrimento provocado pelas decepções e pelas perdas

da vida, podemos arruinar a nossa saúde, a nossa vida e os próprios

relacionamentos que mais prezamos. Por outro lado, se conseguimos

encontrar sabedoria em nossa dor, podemos dar um novo sentido às

experiências mais dolorosas. Assim agindo, nós nos tornamos melhores

como pessoas — para nós mesmos, para a nossa família e para a nossa

comunidade. Esse é o modo de construirmos um mundo melhor.

Quanto podemos suportar?

O conhecimento do poder que nos espera além do sofrimento foi

reconhecido e respeitado durante séculos. Ele foi descrito há

aproximadamente 2.000 anos na Biblioteca de Nag Hammadi do século II,

por meio de palavras que fazem sentido atualmente como fizeram no tempo

em que foram escritas. Entre os antigos textos gnósticos existem passagens

que sugerem que a nossa vulnerabilidade ao sofrimento é a passagem para a

cura e a vida. No Evangelho de Tomé, um dos mais inspiradores dos textos

redescobertos, o autor descreve o poder da nossa vulnerabilidade como parte

de um discurso de Jesus: “Abençoado é o homem que sofreu e encontrou a

vida”.

Em outra parte do seu ensinamento, Jesus diz: “Aquilo que possuís vos

salvará se o extrairdes de dentro de vós”. [12] Em última análise, o amor que

existe dentro de cada um de nós é a fonte de toda cura que experimentamos.

Para sentir o nosso amor, porém, precisamos ser vulneráveis ao nosso

sofrimento. O sofrimento é um dos modos que nos possibilitam conhecer a

profundidade do que sentimos. A nossa capacidade de sentir o sofrimento

dentro de nós e de ter empatia com o sofrimento dos outros mostra-nos a

profundidade do nosso amor. Em palavras simples, o sofrimento é o preço

que às vezes pagamos para descobrir que já temos o amor de que precisamos

para nos curar. Às vezes, apenas conhecer a relação entre sabedoria,

sofrimento e amor é suficiente para lançar-nos no outro extremo e na cura.

À medida que as histórias de Beslan se desdobravam no decorrer das horas

e dos dias, uma única pergunta surgia entre a população russa. Depois da

ação terrorista que tomara o edifício do ministério do interior, matando 92

pessoas, das explosões quase simultâneas de duas aeronaves comerciais

poucos minutos depois da decolagem, com a morte das 90 pessoas que

estavam a bordo, e agora a morte de mais de 350 em Beslan, as pessoas desse

país se perguntavam, “Quanto sofrimento podemos suportar?” Segundo

antigas tradições, a resposta a essa pergunta é breve, clara e direta. Os

grandes desafios da vida aparecem quando, e somente quando, temos tudo

de que precisamos para sobreviver e recuperar-nos da experiência.

Mães de todo o mundo transmitiram de geração a geração essa percepção

que superou o teste do tempo numa frase confortadora e clara: “Deus dá o

frio conforme o cobertor”. Na simplicidade dessa afirmação recebemos uma

promessa que resistiu ao tempo e agora pode ser verificada pela ciência. Já

temos tudo de que precisamos para sobreviver às provações da vida. Embora

possamos encontrar consolo e compreensão em livros de autoajuda, em

artigos de revistas e em seminários, os recursos espirituais que precisamos

já existem dentro de nós.

A resposta à pergunta “Quanto sofrimento podemos suportar?” pode

decepcionar pela simplicidade. A razão por que ela expressa uma verdade

requer um pouco mais de explicação. Como acontece frequentemente com

os padrões, a natureza oferece um modelo do modo como as nossas emoções

e experiências operam na nossa vida.

Equilíbrio: Nem tudo é o que parece ser

Na primeira metade do século XX, o naturalista R. N. Elliott sugeriu que a

natureza segue padrões que podem ser detectados, classificados e previstos

com números. Do surgimento e declínio de populações até os ciclos do

tempo, suas teorias sugeriam que a natureza tende ao equilíbrio.

Considerando a humanidade como parte da natureza, Elliott argumentava

que a nossa vida, incluindo a forma como aplicamos dinheiro na bolsa de

valores, também deveria seguir padrões naturais — padrões que podem ser

delineados e classificados visualmente. Elliott aplicou suas teorias com

sucesso a ciclos de negócios e finanças, e suas conclusões se tornaram a base

de um dos instrumentos de previsão mais bem-sucedidos da bolsa de valores

na história, mais tarde conhecido como Teoria da Onda de Elliott.

Não deve ser surpresa, então, que os nossos hábitos de consumo — ou

qualquer outro padrão em nossa vida, nesse aspecto — possam ser

representados matematicamente. É crença amplamente difundida que os

números são a linguagem universal que descreve todas as coisas, desde a

origem das galáxias até os volteios do leite numa xícara de café. Seguindo

esse raciocínio, faz sentido que os mesmos processos que descrevem o

mundo visível da natureza possam também ser vistos como metáforas do

mundo invisível dos sentimentos e das emoções! É esse exatamente o caso

da matemática fractal.

Como uma inovação relativamente recente no modo de descrever o mundo,

a geometria fractal combina matemática com arte para nos mostrar

visualmente o que as equações, no passado, apenas sugeriam. De picos

acidentados das montanhas a vasos sanguíneos, de costas litorâneas a

partículas de linho, os fractais nos permitem modelar muitas coisas que

vemos na natureza. Fazendo isso, somos transportados além do mundo às

vezes seco e estéril dos números no papel para a beleza e o mistério de ver

esses números como uma linguagem que ilustra o nosso mundo.

Uma das formas mais aceitas entre os modelos de fractais é conhecida como

equação de Mandelbrot, ou conjunto de Mandelbrot. Descoberta pelo

matemático Benoit Mandelbrot no final dos anos 1970, no momento em que

essa equação “viva” é posta em movimento na tela do nosso computador, ela

cresce e se transforma por breves instantes numa bela e volátil série de

curvas, remoinhos e padrões rendilhados. Ela ilustra assim a dança

incessante entre equilíbrio e caos na natureza. Quando observamos a

mudança de padrões e cores nas imagens simuladas, o que vemos na verdade

é uma representação extraordinária do modo como os nossos

relacionamentos emocionais se apresentam em nossa vida.

Os padrões que aparecem e desaparecem representam os relacionamentos e

as profissões e toda a alegria e tristeza que entram e saem da nossa vida. As

imagens de computador nos mostram que o equilíbrio só é alcançado quando

todos os padrões estão dispostos de maneira a dar-lhe sustentação. Do

mesmo modo, só podemos passar pelas maiores provações, bem como

aceitar as melhores dádivas, quando todas as peças estão no seu devido lugar.

Como símbolos da incessante dança de opostos — dar e receber, contração

e expansão, dor e recuperação —, essas imagens fortes contam a história de

como a natureza está sempre num movimento de aproximação ou de

afastamento do equilíbrio perfeito. Assim, vemos em imagens o que

vivemos na vida real.

Somente quando aprendemos tudo o que precisamos e temos todas as

ferramentas para sobreviver e curar em nossa “caixa de ferramentas

espiritual” é que podemos atrair os romances, as mudanças na profissão, os

sócios e as amizades que nos possibilitam aplicar o que aprendemos. Só

teremos a experiência depois de conseguir todas as ferramentas! Outra forma

de dizer isso é que, se a vida nos mostra sofrimento, decepção, perda e

traição, já devemos ter o que precisamos para passar pela experiência.

O aspecto fundamental é que o objetivo não é o equilíbrio; o que imaginamos

como “equilíbrio” é na verdade o gatilho que desencadeia a mudança!

Vemos isso nos fractais e também na nossa vida. Somente quando os padrões

na tela do computador encontram o equilíbrio perfeito — quando os padrões

são iguais — é que eles começam a se separar, apenas para evoluir para

padrões mais novos de equilíbrio ainda maior. A nossa vida parece funcionar

exatamente da mesma maneira.

Diferentemente do breve período de vida dos fractais, porém, parece não

haver limite de tempo para acumularmos ferramentas espirituais em nossa

vida. Embora as imagens digitais se desfaçam e se recomponham em questão

de minutos, pode levar meses, anos, décadas ou mesmo uma vida inteira para

que um determinado ciclo se complete dentro de nós. Ao longo do caminho

podemos nos surpreender repetindo padrões, exercendo a mesma profissão,

tendo a mesma espécie de amigos ou vivendo romances da mesma natureza

até que a experiência do “Aha!” desperte dentro de nós a percepção da razão

por que “fazemos” as coisas que “fazemos”.

Você já se perguntou, por exemplo, por que pode começar um novo trabalho

numa nova cidade com novos colegas e, exceto pelos nomes diferentes,

deparar-se exatamente com as mesmas situações que o levaram a abandonar

o último emprego na última cidade? Padrões não são necessariamente

“bons” ou “ruins” — não há julgamento implícito aqui. Se você se flagra

desempenhando um antigo padrão conhecido num novo cenário, essa é

simplesmente uma oportunidade para perceber o que ele pode estar dizendo

sobre a sua vida. O reconhecimento de situações como essa lhe dá a

oportunidade de se tornar uma pessoa melhor.

A ideia fundamental aqui é que você só pode ser “testado” na vida quando

está preparado. Quer tenhamos ou não consciência desse princípio, seja o

que for que a vida ponha no nosso caminho, quando nos deparamos com

uma “crise” à nossa porta, já temos tudo de que precisamos para resolver o

problema, aliviar o sofrimento e sobreviver à experiência. Devemos fazer

isso, pois esse é o modo de proceder da natureza!