capítulo nove
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capítulo nove

capítulo nove.

anderson
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capítulo nove.

A MORTE E O ETERNO.

Quando você anda numa floresta intocada, onde não houve qualquer interferência humana, vê

muito verde exuberante, muita planta brotando, mas também encontra árvores caídas, troncos se

deteriorando, folhas podres e, a cada passo, matéria em decomposição. Para onde quer que olhe,

vai encontrar vida e morte.

Se prestar mais atenção, vai descobrir que o tronco de árvore em decomposição e as folhas

apodrecendo não só dão origem a nova vida como estão cheios de vida. Há micro-organismos em

ação. As moléculas estão se reorganizando. Portanto, não há morte em parte alguma dessa

floresta. Há apenas a transformação da vida. O que você pode aprender com isso?

Aprende que a morte não é o contrário da vida. A vida não tem oposto. O oposto da morte é o

nascimento. A vida é eterna.

Sábios e poetas de todas as épocas reconheceram o caráter de sonho da existência humana - a

vida, aparentemente tão concreta e real, é ao mesmo tempo tão fugaz que é capaz de acabar a

qualquer instante.

Na hora da morte, a história da sua vida pode realmente lhe parecer um sonho que está

terminando. Mas até no sonho há uma essência que é real. E preciso haver uma consciência para

que o sonho aconteça. Do contrário, não haveria sonho.

Mas será que é o corpo que cria a consciência ou é a consciência que cria o sonho do corpo? Por

que será que a maioria das pessoas que estiveram à beira da morte perdem o medo de morrer?

Pense nisso.

Claro que você sabe que um dia vai morrer, mas isso permanece apenas como uma idéia, até que

você seja confrontado pela primeira vez com a morte. Ela pode chegar através de uma doença

grave, de um acidente que atinja você pessoalmente ou da morte de um ente querido. Nesse

momento a morte entra em sua vida e você toma consciência de que é um ser mortal.

A maioria das pessoas procura ignorar esse fato, mas, se enfrenta a realidade de que seu corpo é

passageiro e pode acabar a qualquer instante, você consegue separar sua forma física do seu "eu".

Quando admite e aceita a natureza fugaz e passageira de todas as formas de vida, você é invadido

por uma estranha sensação de paz.

Ao encarar a morte de frente, sua consciência se liberta até certo ponto da identificação com a

forma física. Por isso os monges de algumas tradições budistas costumam meditar no necrotério,

em meio aos corpos dos mortos.

A cultura ocidental ainda nega amplamente a morte. Até as pessoas idosas procuram não falar ou

pensar na morte, e os corpos dos mortos são mantidos a distância. Uma cultura que nega a morte

torna-se inevitavelmente superficial, preocupada apenas com a aparência das coisas. Quando se

nega a morte, a vida perde a profundidade. A possibilidade de saber quem somos para além do

nome e da forma física - a nossa dimensão transcendental - desaparece, pois a morte é a abertura

para essa dimensão.

As pessoas, de um modo geral, se sentem profundamente perturbadas com qualquer coisa que

acaba, porque todo fim é uma pequena morte. E por isso que em muitas culturas as pessoas preferem

se despedir dizendo algo equivalente a "até logo", o que significa "nos vemos depois".

Sempre que uma experiência termina – uma mudança de endereço, as férias, os filhos indo

embora de casa –, você passa por uma pequena morte. A "forma" que essa experiência tinha na

sua consciência desaparece. Muitas vezes isso faz com que você sinta um vazio do qual a maioria

das pessoas tenta fugir.

Se você aprender a aceitar e até acolher os pequenos e grandes fins que acontecem em sua vida,

pode descobrir que o sentimento de vazio que a princípio causou tanto desconforto se transforma

num espaço interno profundamente cheio de paz.

Aprendendo a morrer assim a cada dia, você se abre para a Vida.

A maioria das pessoas sente que sua identidade, sua noção do "eu", é algo extremamente

precioso que elas não querem perder. Por isso têm tanto medo da morte.

Parece assustador e inimaginável que o "eu" possa deixar de existir. Isso acontece porque você

confunde esse precioso "eu" com o seu nome, sua forma física e com a história ligada a eles. O

"eu" que você concebe é apenas uma forma temporária na consciência.

Enquanto você só conhecer essa identidade ligada à forma, ao nome e à sua história, você não

perceberá que esse "eu" precioso é a sua essência, sua noção mais íntima do Eu Sou - que é a

própria consciência. É o seu "eu" eterno - e esta é a única coisa que você não perde nunca.

Se você sofre uma grande perda - seja de um bem material, a morte de uma pessoa querida, a

perda da reputação, do emprego, de uma parte do corpo - alguma coisa dentro de você morre.

Você se sente diminuído na ideia que fazia de si mesmo. Pode também ocorrer uma certa

desorientação. "Sem esse cargo na empresa, quem sou eu?"

Perder algo concreto que você inconscientemente identificou como seu pode ser uma experiência

muito dolorosa. É como se ficasse um buraco na sua existência.

Quando isso ocorrer, não negue nem ignore a dor e a tristeza que sente. Aceite-as. Cuidado,

porque a mente tem a tendência de construir uma história em torno da perda - uma história em

que você desempenha o papel de vítima. Medo, raiva, ressentimento e pena de si mesmo são as

emoções que acompanham o papel de vítima. Preste também atenção ao que está por trás dessas

emoções, assim como da história que sua mente criou: aquela sensação de buraco, aquele espaço

vazio. Você é capaz de suportar e aceitar essa estranha sensação de vazio? Se for capaz de encarar

o vazio de frente, talvez descubra que ele deixa de ser assustador. E pode se surpreender ao

descobrir que há paz emanando de lá.

Sempre que alguém morre, sempre que uma forma de vida se extingue, Deus - aquele que não tem

forma nem se manifesta - brilha no espaço deixado pela forma que acabou. E por isso que a morte

é o que a vida tem de mais sagrado. É por isso também que a paz de Deus pode chegar a você

através da contemplação e da aceitação da morte.

Como são curtas as experiências humanas, como a vida é rápida. Existe alguma coisa que não

nasça e morra, alguma coisa que seja eterna?

Aos 20 anos de idade, você sente seu corpo forte e vigoroso; 60 anos depois, sente o corpo mais

fraco e envelhecido. Sua forma de pensar certamente não é a mesma de quando tinha 20 anos. No

entanto, a percepção de que seu corpo está jovem ou velho ou de que sua forma de pensar mudou

é a mesma. Essa percepção é o que há de eterno em você – é a própria consciência. É a Vida Única

que assume muitas formas. Você pode perder essa Vida? Não, porque você é Ela.

Há pessoas que pouco antes de morrer sentem uma enorme paz e ficam quase luminosas, como

se algo brilhasse no corpo que está se extinguindo.

Às vezes, pessoas muito doentes ou muito idosas ficam, por assim dizer, quase transparentes nas

últimas semanas, meses ou até anos de suas vidas. Quando nos olham, é possível ver uma luz

brilhando através de seus olhos. Não há mais sofrimento psicológico. Elas se entregaram, e assim

o "eu" autocentrado se dissolveu. "Morreram antes de morrer" e encontraram uma profunda paz

interior pela compreensão de que dentro delas existe algo imortal.

Cada acidente ou desastre tem uma dimensão potencialmente redentora que nós geralmente não

somos capazes de perceber.

O enorme choque que causa a iminência de uma morte totalmente inesperada pode forçar sua

consciência a perder completamente a identificação com a forma física. Nos poucos momentos

que antecedem a morte física, e à medida que está morrendo, você tem uma experiência de si

mesmo como uma consciência livre da forma. De repente, não há mais medo, apenas paz e a

impressão de que "está tudo certo" e que a morte é apenas uma forma se dissolvendo. A morte é

então sentida como ilusória - tão ilusória quanto a forma física que você identificava como sendo

você.

A morte não é uma anomalia nem a coisa mais terrível que pode acontecer, como a cultura

moderna nos quer fazer acreditar. A morte é a coisa mais natural do mundo, tão natural quanto

seu outro extremo - o nascimento - e tão inseparável da vida quanto ele. Lembre-se disso quando

estiver ao lado de uma pessoa à beira da morte.

É um grande privilégio e um ato sagrado estar presente à morte de uma pessoa, testemunhando e

acompanhando.

Quando você acompanhar uma pessoa que está morrendo, não negue qualquer aspecto dessa

experiência. Não negue o que está acontecendo nem o que está sentindo. Reconhecer que você

não pode fazer nada talvez lhe dê uma sensação de desamparo, tristeza ou raiva. Aceite o que

sente. Depois, siga em frente: aceite que não há nada que você possa fazer - aceite isso

completamente. Não é você quem controla. Entregue-se profundamente a cada aspecto dessa

experiência, entregue-se aos seus sentimentos, assim como à dor e ao desconforto que a pessoa à

morte possa estar sentindo. Sua entrega e a calma que isso traz vão ajudar muito essa pessoa e

facilitar sua transição. Se forem necessárias palavras, elas virão do silêncio que existe dentro de

você. Mas serão secundárias.

Com o silêncio vem a bênção: paz.