capítulo quatro.
capítulo quatro. |
ESTRATÉGIAS DA MENTE PARA EVITAR O AGORA. |
A perda do agora: a ilusão central. |
Mesmo que eu aceite que o tempo é uma ilusão, que diferença isso fará na minha vida? Tenho que |
continuar a viver em um mundo absolutamente dominado pelo tempo. |
O entendimento intelectual é apenas mais uma crença e não vai fazer muita diferença |
para a nossa vida. Para perceber essa verdade temos que vivenciá-la. Quando cada célula do |
nosso corpo está tão presente que vibra com a vida, e quando conseguimos sentir essa vida |
a cada momento como a alegria do Ser, podemos dizer que estamos livres do tempo. |
Mas ainda tenho de pagar as contas e sei que vou envelhecer e morrer, exatamente como todas as |
pessoas. Como posso dizer que estou livre do tempo? |
As contas de amanhã não são um problema. A degeneração do corpo não é um |
problema. A perda do Agora é o problema, ou melhor, a ilusão central que transforma uma |
situação simples, um acontecimento ou uma emoção em um problema pessoal e em |
sofrimento. Perder o Agora é perder o Ser. |
Livrar-se do tempo é livrar-se da necessidade psicológica tanto do passado quanto do |
futuro. Isso representa a mais profunda transformação de consciência que você possa |
imaginar. Em casos muito raros, essa mudança na consciência acontece de forma drástica e |
radical, de uma vez por todas. Quando isso acontece, normalmente é através de uma |
completa rendição, em meio a um sofrimento intenso. Muitas pessoas, entretanto, têm de |
trabalhar para obtê-la. |
Depois dos primeiros vislumbres do estado atemporal de consciência, passamos a |
viver em um vaivém entre a dimensão do tempo e a presença. Primeiro, você começa a |
perceber que a sua atenção raramente está no Agora. Entretanto, saber que você não está |
presente já é um grande sucesso. O simples saber já é presença – mesmo que, no início, |
dure só alguns segundos no tempo do relógio antes de desaparecer outra vez. Depois, com |
uma freqüência cada vez maior, você escolhe dirigir o foco da consciência para o momento |
presente. Você se torna capaz de ficar presente por períodos mais longos. Portanto, antes |
que sejamos capazes de nos estabelecer com firmeza no estado de presença, oscilamos, |
periodicamente, de um lado para o outro, entre a consciência e a inconsciência, entre o |
estado de presença e o estado de identificação com a mente. Perdemos o Agora várias |
vezes, mas retornamos a ele. Por fim, a presença se torna o estado predominante. |
A maioria das pessoas nunca vivencia a presença. Ela acontece apenas de modo breve |
e acidental, em raras ocasiões, sem ser reconhecida pelo que é. Muitos seres humanos não |
se alternam entre a consciência e a inconsciência, mas somente entre diferentes níveis de |
inconsciência. |
A inconsciência comum e a inconsciência profunda |
O que você quer dizer com diferentes níveis de inconsciência? |
Como você provavelmente sabe, o ser humano se desloca constantemente entre fases |
do sono em que sonha e que não sonha. Da mesma forma, a maioria das pessoas, quando |
acordada, se alterna entre a inconsciência comum e a inconsciência profunda. Chamo de |
inconsciência comum essa identificação com os nossos processos de pensamentos e |
emoções, nossas reações, desejos e aversões. É o estado normal da maioria das pessoas. |
Nesse estado, somos governados pela mente e não temos consciência do Ser. Não se trata |
de um estado de sofrimento agudo ou de infelicidade, mas de um nível baixo e contínuo de |
desconforto, descontentamento, enfado ou nervosismo, como uma espécie de estática ao |
fundo. Talvez você não perceba muito bem essa situação porque ela já faz parte da nossa |
vida “normal”, da mesma forma que você não percebe um barulho contínuo ao fundo, |
como o zumbido do ar-condicionado, até ele parar. Quando isso acontece de repente, |
ocorre uma sensação de alívio. Muitas pessoas usam a bebida, as drogas, o sexo, a comida, |
o trabalho, a televisão, ou até mesmo o ato de fazer compras como anestésicos, em uma |
tentativa inconsciente para acabar com esse desconforto básico. Quando isso acontece, |
uma atividade que poderia ser muito agradável, se feita com moderação, passa a ter um |
componente de compulsão ou dependência, e tudo o que se obtém sob essa influência traz |
uma sensação de alívio por um período extremamente curto. |
A sensação de desconforto da inconsciência comum se transforma no sofrimento da |
inconsciência profunda, ou seja, um estado de sofrimento ou infelicidade mais agudo e |
mais perceptível quando as coisas “vão mal”, quando o ego é ameaçado ou quando existe |
um desafio maior, tal como uma perda real ou imaginária em nossa situação de vida, ou um |
conflito numa relação. A inconsciência profunda é uma versão ampliada da inconsciência |
comum, da qual difere na intensidade, mas não na espécie. |
Na inconsciência comum, uma resistência habitual ou uma negação daquilo que é cria |
um desconforto que a maioria das pessoas aceita como algo normal. Quando essa |
resistência se intensifica através de algum desafio ou ameaça ao ego, faz aflorar uma |
negatividade intensa que se manifesta sob a forma de raiva, medo profundo, agressão, |
depressão, etc. A inconsciência profunda significa, com freqüência, que o sofrimento |
começou e que você passou a se identificar com ele. A violência física não aconteceria sem |
o estado de inconsciência profunda. Ela pode explodir com facilidade quando as pessoas |
geram um campo coletivo de energia negativa. |
O melhor indicador do nível de consciência é a maneira como você lida com os |
desafios da vida. É através desses desafios que uma pessoa já inconsciente tende a se tornar |
mais profundamente inconsciente, e uma pessoa consciente a se tornar mais intensamente |
consciente. Podemos nos valer de um desafio para nos acordar ou para permitir que ele nos |
empurre para um sono ainda mais profundo. O sonho no nível da inconsciência comum se |
transforma, então, em pesadelo. |
Se você não consegue estar presente mesmo em situações normais, como, por |
exemplo, quando está sozinho em uma sala, caminhando no campo ou ouvindo alguém, |
certamente não será capaz de permanecer consciente quando alguma coisa “vai mal”. Será |
dominado por uma reação, que é sempre, em última análise, alguma forma de medo, e |
empurrado para uma inconsciência profunda. Esses desafios são os seus testes. Só o modo |
como você lida com eles lhe mostrará onde você está no que se refere ao seu estado de |
consciência, e não a quantidade de horas que você consegue ficar sentado com os olhos |
fechados. |
Portanto, é fundamental colocar mais consciência em sua vida durante as situações |
comuns, quando tudo está correndo de modo relativamente tranqüilo. É assim que se |
aumenta o poder de presença. Ele gera um campo energético de alta freqüência vibracional |
em você e ao seu redor. Nenhuma inconsciência, nenhuma negatividade, nenhuma |
discórdia ou violência pode penetrar nesse campo e sobreviver, do mesmo modo que a |
escuridão não consegue sobreviver na presença da luz. |
O que eles estão buscando? |
Carl Jung relata, em um de seus livros, uma conversa mantida com um chefe indígena |
norte-americano para quem a maioria das pessoas brancas tinha rostos tensos, olhos |
espantados e um ar cruel. O chefe disse: “Estão sempre buscando alguma coisa. O que eles |
estão procurando? Os brancos sempre querem alguma coisa. Estão sempre agitados e |
descontentes. Não sabemos o que desejam. Achamos que são loucos”. |
Não há dúvidas de que a tendência a uma permanente sensação de desconforto |
começou muito antes do surgimento da civilização industrial ocidental, mas foi na |
civilização ocidental, que hoje cobre quase todo o planeta, inclusive grande parte do Leste, |
que ela se manifestou de uma forma aguda sem precedentes. Ela já estava presente no |
tempo de Jesus e também seiscentos anos antes, no tempo de Buda, e muito antes desse |
tempo. “Por que vocês estão sempre ansiosos?”, Jesus perguntou aos discípulos. “Será que |
os seus pensamentos ansiosos podem acrescentar um simples dia às vossas vidas?” Da |
mesma forma, Buda ensinou que a raiz do sofrimento pode ser encontrada em nossos |
desejos e ansiedades permanentes. |
A resistência ao Agora como uma disfunção básica coletiva está intimamente ligada à |
perda da consciência do Ser e forma a base da nossa civilização industrial desumanizada. |
Freud também reconheceu a existência dessa tendência para o desconforto e escreveu |
sobre o assunto em seu livro O Mal-Estar na Civilização, mas não admitiu a verdadeira raiz |
da inquietação e falhou em perceber que é possível libertar-se dela. Essa disfunção coletiva |
criou uma civilização muito infeliz e extraordinariamente violenta, que se tornou uma |
ameaça não só para si mesma, mas para toda a vida do planeta. |