COMPAIXÃO: UMA FORÇA DA NATUREZA E UMA EXPERIÊNCIA HUMANA
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COMPAIXÃO: UMA FORÇA DA NATUREZA E UMA EXPERIÊNCIA HUMANA

COMPAIXÃO: UMA FORÇA DA NATUREZA E UMA

anderson
11 min
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COMPAIXÃO: UMA FORÇA DA NATUREZA E UMA

EXPERIÊNCIA HUMANA.

A clareza das respostas do abade me deixou abalado. Suas palavras fizeram eco às ideias que haviam

sido gravadas pelas tradições gnósticas e cristãs há 2.000 anos. Para que nossas orações sejam respondidas

devemos transcender a dúvida que muitas vezes acompanha a natureza positiva de nosso desejo. O poder

de comando que temos nos é lembrado pelas palavras de Jesus, registradas nos escritos de Nag Hammadi,

pelos quais temos uma lição rápida de como superar tais polaridades. De uma maneira que agora já deve

soar conhecida, somos lembrados de que, quando dizemos à montanha: '"Montanha, mova-se', ela se

moverá"

Pela clareza de suas palavras, o abade respondeu ao mistério do que os monges e freiras acabam

fazendo durante suas orações: falam a linguagem quântica do sentimento e da emoção, a linguagem que

prescinde de palavras ou de expressão externa.

Em 2005, tive a oportunidade de visitar novamente os mosteiros do Tibete, durante um total de 37 dias.

Durante a jornada, nosso grupo soube que aquele abade que havia compartilhado conosco o segredo do

sentir, em 1998, havia falecido. Embora nunca tenha ficado muito claro como, simplesmente sentimos que

ele já não estava neste mundo. Ainda que nunca tivéssemos conhecido o homem que tomou seu lugar,

quando ele soube que havíamos voltado fez questão de nos dar as boas-vindas e permitiu que

continuássemos com aquela conversa de 1998.

Durante mais uma manhã tibetana gelada, mas em uma outra capela, encontramo-nos, frente a frente,

com o novo prior do mosteiro. Poucos minutos antes tínhamos sido encaminhados pela passagem sinuosa

e revestida de pedra que nos trouxera a essa minúscula, fria e pouco iluminada saleta; em absoluta

escuridão, tateamos nosso caminho passo a passo, pisando cuidadosamente no piso escorregadio,

perigosamente liso devido às gotas derramadas de manteiga de iaque durante séculos. E foi nessa saleta

antiga no coração do mosteiro, respirando aquele ar frio e rarefeito, que pude dirigir ao novo prior outras

perguntas de minha pesquisa: "O que nos liga um ao outro, ao nosso mundo e ao universo? O que eleva

nossa oração além do corpo e evita que o mundo se desagregue?" O abade me encarou enquanto o tradutor

vertia minha pergunta para o tibetano.

Instintivamente olhei o guia, nosso intermediário para a conversação inteira. A tradução da resposta do

abade me surpreendeu, não estava preparado para ouvi-la: "Compaixão", disse ele. "O geshe [grande

mestre] disse que é a compaixão o que nos mantém unidos."

"Como assim?", perguntei, em um esforço para entender a resposta que ouvira. "Ele está dizendo que a

compaixão é uma força da natureza ou uma experiência emocional?" Repentinamente, houve uma animada

troca de percepções enquanto o tradutor transferia minha pergunta para o abade.

"A compaixão é o que liga todas as coisas", foi sua resposta final. E isso foi tudo! Depois de quase dez

minutos de diálogo intenso envolvendo os mais profundos princípios do Budismo Tibetano, tudo o que

consegui ouvir foram algumas palavras!

Alguns dias mais tarde, estava eu engajado na mesma conversa outra vez, e fazia a mesma pergunta

para outro monge de elevada posição hierárquica em outro mosteiro. Ao contrário da formalidade que

experimentamos na presença do abade, dessa vez estávamos na cela do monge, um minúsculo quarto onde

ele comia, dormia, orava e estudava, quando não estava entoando cânticos no salão.

Nessa altura o tradutor já estava se acostumando com o tipo de pergunta que eu fazia e o que eu estava

tentando compreender. Enquanto nos acotovelávamos em volta das lamparinas de manteiga de iaque,

olhei para o teto daquele quarto pouco iluminado. Notei que ele estava coberto com a fuligem proveniente

de incontáveis anos de queima das lamparinas, as mesmas usadas para dar luz e calor ao lugar onde

estávamos naquela tarde.

Como fizera dias antes com o abade, fiz de novo a mesma pergunta ao monge, ajudado pelo tradutor:

"A compaixão é uma força da criação ou é um sentimento?" Os olhos dele se voltaram para o lugar do teto

que eu estivera mirando um momento antes. Tomando uma respiração profunda, ele pensou por alguns

instantes, reunindo tudo o que havia aprendido desde que entrara no mosteiro aos 8 anos de idade. (Ele

então aparentava ter vinte e poucos anos.) Subitamente, ele baixou o olhar e me encarou enquanto

respondia. A resposta foi curta, poderosa e plena de sentido. "Ela é ambas as coisas" foram as palavras

pronunciadas pelo monge. "A compaixão é ao mesmo tempo uma força do universo e uma experiência

humana."

Naquele dia, depois de ter percorrido metade da circunferência do planeta, praticamente a cinco

quilômetros acima do nível do mar e a horas de distância da cidade mais próxima, na cela daquele monge,

ouvi as palavras de sabedoria menosprezadas pelas tradições ocidentais por serem tão simples. O monge

tinha acabado de compartilhar o segredo que nos liga a tudo no universo, bem como a qualidade que faz

com que nossos sentimentos e emoções sejam tão poderosos: ambas as características estão unificadas na

compaixão.

NEM TODOS OS SENTIMENTOS SÃO ADEQUADOS

Traduções recentes de antigas orações gravadas em aramaico, a linguagem dos essênios (os escribas

dos Manuscritos do Mar Morto), aparentemente falavam exatamente o mesmo que o monge nos transmitia

como sendo a essência do segredo de transformação da realidade. Essas novas interpretações também

oferecem novas pistas de por que tais instruções parecem muitas vezes tão vagas. As novas traduções dos

documentos originais do Novo Testamento mostram que foram tomadas tremendas liberdades ao longo

dos séculos com as palavras e intenções dos autores antigos. Como se costuma dizer, muito "se perdeu na

tradução". (Esse e outros exemplos citados nestas páginas estão no meu último livro, Secrets of the Lost Mode

of Prayer, mas, por serem tão relevantes, decidi incluí-los aqui também.)

Com relação à nossa capacidade de participar dos eventos da vida, de usufruir de condições físicas e

emocionais saudáveis e de conviver bem com os familiares, uma simples comparação do conhecido "É

pedindo que se recebe" com a versão bíblica moderna pode nos dar uma boa ideia do quanto foi perdido

nas traduções antigas! A versão condensada e moderna da Bíblia do Rei James nos diz:

"Conseguirás tudo o que pedires ao Pai em meu nome. Até agora nada pedistes em meu nome: Pedi e recebereis e que

vossa alegria seja plena".13

Quando comparamos isso com o texto original, notamos qual o trecho importante que foi ignorado. A

parte que faltou na tradução foi sublinhada por mim para a devida ênfase, como se vê a seguir:

"Todas as coisas que pedires franca e diretamente .... usando Meu nome serão concedidas. Até agora isso não foi feito ...

Portanto, peca sem motivos ocultos e sinta-se cercado pela resposta — Seja envolvido pelo teu desejo e tua alegria será

plena".1*

Com essas palavras, somos lembrados do princípio quântico que nos informa ser o sentimento a

linguagem direta e o foco da nossa consciência. Trata-se de um estado íntimo de existir, não de algo que

fazemos em determinado momento do dia.

Conquanto seja claro que a emoção é a linguagem reconhecida pela Matriz Divina, deve também ficar

claro que nem todo sentimento será capaz de estabelecer a comunicação. Se assim fosse, o mundo ficaria

muito confuso, visto que a concepção de uma pessoa poderia ser sobreposta por outra de alguém que

tivesse idéias inteiramente diferentes. O monge declarou que a compaixão tanto é uma força criativa

quanto a experiência que possibilita chegarmos a senti-la. Os princípios mais profundos do ensinamento

sugerem que para atingirmos a compaixão precisamos abordar um problema sem ter uma grande

expectativa do resultado. Em outras palavras, precisamos ser capazes de percebê-lo sem julgá-lo e sem

deixar o ego afetar nossa percepção. Aparentemente, essa é exatamente a qualidade da emoção que

constitui a chave para a comunicação significativa e eficaz com a Matriz Divina.

Como o físico Amit Goswami sugere, é preciso mais do que o estado normal da consciência para fazer

de uma possibilidade quântica uma realidade. Na verdade, para fazer isso ele recomenda que estejamos no

que ele descreve como um "estado não-comum de consciência"

.

Para chegar nesse ponto, a tradução aramaica afirma que devemos "pedir sem motivos ocultos". Outra

maneira de deixar mais claro esse ponto tão importante da instrução é afirmar que, em termos modernos,

precisamos tomar nossas decisões a partir de desejos não fundamentados no nosso ego. O grande segredo para

trazermos o foco de nossa imaginação, fé, capacidade de cura e paz interior para a realidade presente é

fazermos isso sem forte apego ao resultado de nossas escolhas. Em outras palavras, somos convidados a

fazer nossas orações sem julgar o que deveria estar ou não ocorrendo.

Princípio 10: Nem todos os sentimentos são adequados. Aqueles capazes de criar deixam de lado o

ego e o julgamento prévio.

Talvez uma das melhores descrições de como vivenciamos essa posição neutra seja apresentada no

trabalho do grande poeta sufi Rumi. Com palavras simples e poderosas, ele afirma que, "Além das ideias

de ações certas e erradas existe um campo. Vamos nos encontrar lã!"16 Com que frequência podemos

realmente afirmar que estamos, em algum momento da nossa vida, no campo de Rumi do não-julgamento

— especialmente quando o destino de algum ente querido está na balança? Ainda assim, isso aparenta ser

justamente a maior de todas as lições do nosso poder, o maior desafio de nossa vida e uma imensa ironia

da nossa capacidade de criar um universo participativo.

Parece que, quanto mais forte for nosso desejo de mudar o mundo, mais ilusório se torna nosso poder de

fazê-lo. Isso acontece porque o que queremos muitas vezes se baseia no ego. A mudança não teria tanto

significado para nós, se assim não fosse. Entretanto, quando amadurecemos nosso estado de consciência e

percebemos que temos capacidade de alterar nossa realidade, também nos damos conta de que fazê-lo já não

nos parece importante.

Assim como nosso desejo de dirigir um automóvel definha depois que nós passamos realmente a

dirigi-lo, quando adquirimos a capacidade de fazer milagres, a urgência de levá-los a acontecer também

parece se dissipar. Isso pode ser porque, juntamente com a consciência de que somos capazes de mudar as

coisas, vem uma aceitação do mundo do modo como ele é.

É essa liberdade de possuir o poder sem dar a ele tanta importância que nos permite ser mais eficazes

em nossas orações. Aqui pode ser que esteja a resposta para a pergunta feita pelos que meditaram,

cantaram, entoaram o om, dançaram e oraram pela recuperação de seus entes queridos.

Ainda que cada ato tenha sido indubitavelmente bem-intencionado, muitas vezes deve ter havido um

forte apego ou desejo de que a cura da pessoa querida acontecesse. Acreditou-se imprescindível uma

recuperação milagrosa. Note que, se a cura ainda precisava ocorrer, era sinal de que ainda não tinha

acontecido — pois se tivesse não estaríamos rezando por ela em nossas orações. É como se, pelo fato de

desejarmos a cura, os esforços para consegui-la reforçassem a realidade na qual a doença estava presente!

Isso leva à segunda parte da antiga instrução, algo que frequentemente nos passa despercebido enquanto

tentamos trazer os milagres para nossa vida.

A parte seguinte da tradução nos convida a sentir-nos "cercados" pela resposta e "envolvidos" pelo que

desejamos, de tal modo que nosso contentamento possa acontecer. Essa passagem coloca em palavras

precisamente o que os experimentos e as antigas e sábias tradições sugerem. Precisamos primeiramente ter

o sentimento da cura, da abundância, da paz e do conhecimento das respostas às nossas orações quanto ao

bem-estar íntimo como se tal já tivesse ocorrido — antes, portanto, que se tornem realidade em nossa vida.

Na passagem citada Jesus diz que isso ainda não teria ocorrido com aqueles a quem dirigia a palavra.

Foi como no caso dos meus amigos com a poderosa medicina da oração e das boas intenções, pois ainda

que eles possam ter acreditado no que pediam ao orar, se fizeram o pedido simplesmente dizendo por favor,

permita que esta cura aconteça, não usaram a linguagem do campo universal, compreensível pela Matriz

Divina. Jesus lembra a seus discípulos que eles têm de "falar" com o universo de uma maneira que seja

significativa. Ao sentirmos que estamos cercados pela cura de nossos entes queridos e envolvidos pela paz

de nosso mundo, estamos fazendo uso de ambos os códigos que abrem a porta para todas as

possibilidades.

Ao sentir isso, passamos da visão de apenas desconfiarmos que estamos só experimentando seja lá o que

for para a perspectiva de sabermos que somos parte de tudo isso. Criamos então uma troca de energia que

pode ser descrita como um caso clássico de "salto quântico". De um modo muito semelhante a do salto do

elétron do átomo, que passa de um nível de energia para o outro sem se mover no espaço, quando

realmente sabemos que estamos falando a língua quântica da escolha, e não simplesmente pensando que

poderíamos fazê-lo, estamos em outro estado de consciência. Esse é o estado que se transforma no espaço

puro, onde são iniciados os sonhos, as orações e os milagres.