O campo de Rumi: além do julgamento
O campo de Rumi: além do julgamento |
Não há dúvida quanto ao poder que os antigos autores dos Manuscritos do |
Mar |
Morto atribuíam ao espaço intermediário. O Evangelho Essênio da Paz |
lembra-nos, “No momento entre a inspiração e a expiração ocultam-se todos |
os mistérios...” Como em outras tradições, as ordens mais elevadas dos |
ensinamentos essênios contêm instruções sobre o modo de usar o espaço |
intermediário como preparação para a oração. |
Especificamente, elas descrevem como podemos preparar a mente, o |
coração e o corpo antes de começar a rezar. Mesmo que seja por apenas um |
momento, somos convidados a criar uma experiência que suspende |
temporariamente os nossos julgamentos, medos e dores. Desse estado |
neutro, podemos oferecer a nossa oração inspirados pela força e pela clareza, |
e não pelo julgamento turvado que brota do sofrimento. Isso permite entrar |
no diálogo sagrado com a Mente de Deus num estado de consciência que |
traz os maiores benefícios da oração para a nossa vida. |
Com palavras eloquentes e simples, o poeta sufi Rumi nos convida a reunirnos a ele nesse lugar neutro depois de tê-lo descoberto dentro de nós |
mesmos. Ele faz seu convite em duas afirmações breves, mas muito fortes: |
“Muito além dos conceitos de certo e errado, existe um campo. Eu o |
encontrarei lá”.[17] |
Como chegamos a esse lugar quando a vida nos mostra um mundo que |
parece assustador e perigoso? As instruções são precisas. |
Bênção: o lubrificante emocional |
Hoje encontramos a explicação para o campo além do certo e do errado de |
Rumi na sabedoria da bênção. Talvez contrariamente à crença popular de |
que ao abençoarmos alguma coisa colocamos nela o nosso selo de |
aprovação, essa forma de bênção não contemporiza nem desestimula ou |
incentiva qualquer ação, circunstância ou evento. Ela não concorda nem |
discorda de qualquer ponto de vista. Simplesmente reconhece o que |
aconteceu. O ato de reconhecer sem julgar é a abertura que possibilita que a |
cura se inicie. |
E a razão é esta: quando algo nos atinge tão seriamente que precisamos |
reagir, reprimir ou repelir, a nossa tendência é não dar atenção ao que |
sentimos. É assim que lidamos com muitas experiências. Isolamos a emoção |
que envolve o que experimentamos e a ocultamos nas profundezas do nosso |
íntimo para que não machuque ainda mais. Mas a dor não “vai embora” |
simplesmente. Ela fica onde a depositamos. Então, no momento em que |
menos esperamos, ela encontra um modo de retornar à superfície, muitas |
vezes de uma forma que nunca escolheríamos. Isso é especialmente comum |
em pessoas que viveram episódios emocionalmente traumáticos que podem |
variar desde cenas em campos de batalha e estupro até abusos praticados |
contra crianças e violência doméstica. |
A fúria desproporcional que pode emergir nesses momentos muitas vezes |
encontra suas raízes no choque de uma experiência vivida na infância que |
não foi possível resolver quando aconteceu. Nesses casos, um comentário |
aparentemente inocente e espontâneo feito por alguém que prezamos ou por |
um colega de trabalho pode se tornar o gatilho que desperta esse sofrimento |
do passado. |
A nossa capacidade de “reprimir” é o mecanismo de defesa que nos permite |
prosseguir na vida, sem precisar lidar com o sofrimento imediato de algo |
que atinge os nossos sentidos e a nossa sensibilidade. Ao mesmo tempo, as |
emoções que foram criadas dentro de nós ainda estão presentes, embora |
enterradas. Tim Laurence vê o reconhecimento do sofrimento como um |
passo desconfortável, mas necessário, para a cura. “É um processo de catarse |
emocional”, diz ele, “que dá à pessoa condições de superar o sentimento de |
ter sido tratada injustamente”. [18] |
Alguns podem achar que o mecanismo de defesa de disfarçar o sofrimento |
funciona tão bem, de fato, que acreditam ter curado a experiência. Podem |
inclusive acreditar que esqueceram o que os fez sofrer inicialmente. O corpo, |
porém, não esquece. Estudos mostram que o DNA e as células do nosso |
corpo estão em comunicação direta com os sentimentos que temos com |
relação à nossa vida. Para cada sentimento, o corpo cria uma química |
semelhante. Com a liberação de hormônios auspiciosos à vida, como o |
DHEA, ou danosos à vida, como o cortisol, nós sentimos literalmente o que |
pode ser chamado de química do “amor” e química do “ódio”. |
Sabemos intuitivamente que isso é verdade porque percebemos que a alegria |
e a estima têm uma influência positiva sobre o nosso corpo, fazendo sentirnos cheios de energia e mais leves, ao passo que o ódio e o medo têm o efeito |
contrário. Algumas tradições holísticas sugerem inclusive que doenças como |
o câncer são expressões de raiva, ressentimento e culpa não resolvidos que |
emergem de partes do corpo onde foram depositados anos antes. Embora |
talvez não possamos provar isso cientificamente no momento, a correlação |
entre o trauma emocional e os órgãos a ele associados existe claramente e |
merece mais estudo. Com essa compreensão em mente, parece que |
negligenciar as coisas que nos causam sofrimento pode ter efeitos |
prolongados que não nos interessam absolutamente. |
Faz sentido encontrar uma maneira de transformar algo que nos causa |
sofrimento numa nova experiência que nos seja proveitosa. Podemos fazer |
isso dando-nos conta desse algo e permitindo que se movimente através do |
corpo. É aqui que a bênção entra no processo de cura. |
Definição de Bênção |
A bênção pode ser descrita como uma qualidade do |
pensamento/sentimento/emoção que nos permite redefinir os nossos |
sentimentos sobre algo que está nos fazendo sofrer no momento ou que nos |
fez sofrer no passado. Expresso de outra forma, a bênção é o “lubrificante” |
que libera as nossas emoções perniciosas, abrindo-nos para uma cura maior, |
em vez de manter nossas emoções presas e não resolvidas dentro do corpo. |
Para lubrificar nossas emoções, precisamos reconhecer (abençoar) todos os |
aspectos dessas coisas dolorosas: quem sofre, a causa do sofrimento e os que |
testemunham os efeitos. |
Nesse ponto de qualquer discussão sobre o que é a bênção, em geral sinto |
que é importante deixar muito claro o que ela não é. Quando abençoamos |
alguém que nos fez sofrer, é evidente que não estamos sugerindo que está |
tudo bem com relação ao acontecido ou que gostaríamos que voltasse a |
acontecer. A bênção não justifica nem desculpa qualquer atrocidade ou ato |
de violência. Não fixa um selo de aprovação num evento pernicioso nem |
sugere que optaríamos por repeti-lo. |
O que a bênção faz é libertar-nos das experiências dolorosas. Ela reconhece |
que aqueles eventos, sejam quais forem, ocorreram. Quando fazemos isso, |
os sentimentos sobre essas experiências se movimentam através do corpo |
em vez de ficar presos nele. |
Assim, a bênção é a chave para chegar ao campo além do certo e do errado |
de Rumi. A bênção é a chave que dá acesso ao espaço intermediário. Ela |
suspende temporariamente o sofrimento por tempo suficiente para que |
possamos substituí-lo por outro sentimento. |
Pelo ato de abençoar, você assume o poder de liberar os sofrimentos mais |
profundos da vida e os sentimentos não resolvidos. A bênção faz isso sem |
que precisemos ir às origens desses sentimentos, sem que precisemos reviver |
o sofrimento repetidas vezes para chegar às suas raízes ou que |
empreendamos uma busca incessante para entender por que as coisas |
aconteceram daquela forma. Conquanto essas alternativas possam dar |
resultado até certo ponto, e para algumas pessoas, o simples ato de abençoar |
lhe dá o poder de mudar a sua vida, sem necessidade de nenhuma outra |
habilidade além da que você já tem dentro de si mesmo. E faz isso no tempo |
de um batimento cardíaco! Quando podemos fazer as nossas escolhas e |
oferecer as nossas orações num espaço de força e clareza, e não da fraqueza |
que resulta da raiva e da dor, algo maravilhoso começa a acontecer. |
Parece muito simples para que possa produzir efeito? Essa ferramenta |
poderosa pode ser tão simples ou tão complicada quanto queiramos que seja. |
A razão por que a bênção funciona tão bem é muito fácil de entender. É |
impossível julgar alguma coisa ao mesmo tempo em que a abençoamos. A |
mente não nos permite fazer as duas coisas de uma só vez. |
Eu o convido a tentar realizar o processo de abençoar seguindo as instruções |
apresentadas nas próximas páginas. Pense numa pessoa, lugar ou |
experiência que lhe causou sofrimento no passado e aplique o procedimento. |
Você se surpreenderá com o poder, a eficácia e a simplicidade desse antigo |
segredo da bênção. |
Antes de abençoar... |
Há um pré-requisito a cumprir antes que você possa abençoar, porém. Como |
preparação para aceitar a bênção em sua vida, você deve primeiro responder |
com toda sinceridade e honestidade uma única pergunta. Você não precisa |
fazer isso formalmente ou diante de outra pessoa, a não ser que se sinta |
melhor procedendo assim. Essa pergunta é exclusivamente para você e o |
ajudará a perceber ainda mais onde está o seu condicionamento relacionado |
com os aspectos “certo” e “errado” da sua vida. |
A pergunta é a seguinte: “Estou preparado para ir além de uma reação |
‘visceral’ ou de uma antiga crença de que ‘alguém deve pagar’ ou de que |
‘preciso me desforrar’ para reparar um erro?” Em outras palavras, você está |
pronto para superar o tipo de pensamento que justifica prejudicar alguém |
porque você foi prejudicado? |
Se a resposta a essa pergunta for sim, então a bênção é para você, e você |
gostará dos resultados que irá obter! Se a resposta for não, então é preciso |
descobrir por que você opta por prender-se a uma crença que o mantém preso |
ao sentimento que o leva justamente ao sofrimento que você está procurando |
curar. |
Na tradição da bênção, obviamente não existem respostas certas ou erradas |
a essas perguntas. Elas têm unicamente o objetivo de ajudá-lo a deixar muito |
claro onde você se encontra em seus processos de pensamento e o que espera |
alcançar por meio das suas crenças. |