O ESPELHO INSTANTÂNEO.
O ESPELHO INSTANTÂNEO. |
A importância de reconhecer a relação entre o que fazemos e o que acontece no mundo fica bem |
enfatizada quando examinamos certos estudos antropológicos sobre tribos ocultas da Ásia. Quando os |
exploradores descobriram uma das tribos "perdidas" (naturalmente elas só estavam perdidas para nós, pois |
elas sabiam muito bem quem eram e onde estavam localizadas), ficaram surpresos com a descoberta de que |
seus membros não faziam a mínima ideia da relação entre intercurso sexual e gravidez. Tantos meses entre |
o sexo e o nascimento fazia com que a relação entre os dois eventos não fosse óbvia para eles. A vantagem |
dos nossos espelhos é essa — a ajuda imediata que nos dão para compreender as conexões verdadeiras e |
dissimuladas entre eventos aparentemente distintos. |
Se a representação de nossas crenças estiver aparecendo nos nossos espelhos, elas serão parte da |
realidade nesse momento. Todo reflexo nos concede uma oportunidade instantânea preciosa. Um padrão |
de comportamento negativo, depois de ter sido reconhecido, pode ser corrigido em um piscar de olhos. |
Reconhecê-lo é a primeira chave para descobrir por que ele existe. Com muita frequência costumamos |
concluir que os padrões negativos espelhados em nossa vida estão enraizados em um dos três medos |
universais que vimos no último capítulo. |
Quando nossas crenças aparecem refletidas em tempo real nos nossos relacionamentos com os outros, |
vivenciamos o primeiro dos espelhos, que nada mais é do que o espelho instantâneo. Entretanto, algumas |
vezes esse reflexo pode estar nos mostrando alguma coisa ainda mais sutil do que estamos fazendo em |
nossa vida — às vezes nos revela a maneira pela qual julgamos a vida que vivemos. Quando isso acontece, |
vivenciamos o segundo espelho dos relacionamentos. |
SEGUNDO ESPELHO: REFLEXOS DE JULGAMENTOS INSTANTÂNEOS |
"Reconhece o que é visível para ti, e o que te é oculto te será |
desvelado3 |
." |
— Evangelho de Tomé |
Na década de 1970, um dos meus instrutores de artes marciais me revelou como descobrir as intenções |
secretas de um oponente: "Cada pessoa numa competição é um espelho seu. Sendo seu espelho pessoal, seu |
oponente vai lhe mostrar quem você é naquele instante. Pela observação de como ele se aproxima, é |
possível ver como ele percebe você." Tenho lembrado a vida toda das palavras do meu instrutor e com |
bastante frequência costumo pensar no que elas significam. Mais tarde comecei a aplicar o que ele dizia |
sobre competição no dojo ao modo das pessoas se comportarem. Em 1992 eu me vi enredado em uma |
experiência em que esse tipo de espelho não se aplicava de forma alguma ... e foi quando descobri a |
sutileza do segundo espelho dos relacionamentos. |
Três pessoas novas dentro de um período bastante curto passaram a fazer parte da minha vida naquele |
mesmo ano. Por meio delas experimentei os três relacionamentos mais intensos e dolorosos que conheci na |
vida adulta. Ainda que não tivesse reconhecido isso na época, cada uma delas se revelaria capaz de me |
ensinar de uma maneira que jamais teria imaginado ser possível. Juntas elas me ensinaram uma lição única, |
suficiente para garantir que minha vida nunca mais fosse a mesma. Ainda que cada um desses |
relacionamentos servisse como um espelho para mim precisamente no momento exato, inicialmente não |
reconheci o que eles me ensinavam. |
O primeiro relacionamento foi com uma mulher, que tinha entrado em minha vida com metas e |
interesses tão semelhantes aos meus, que havíamos resolvido viver e trabalhar juntos. O segundo foi com |
uma parceria profissional que supria minha grande necessidade de auxílio na criação e organização dos |
seminários que eu fazia pelo país. O terceiro relacionamento, que combinava amizade e arranjo comercial, |
era com um homem que cuidava da minha propriedade quando eu me ausentava a trabalho e, em troca |
morava em uma das minhas casas sem uso e em reformas. |
O fato de esses relacionamentos me aparecerem ao mesmo tempo deveria ter me dado uma indicação |
de que alguma coisa estava acontecendo — alguma coisa grande. Quase imediatamente, todos os três |
relacionamentos começaram a testar minha paciência, meus limites de atuação positiva e minha capacidade |
para solucionar problemas. Senti que essas pessoas estavam me tirando o juízo! Tinha discussões e |
desacordos com todas as três. Como estava viajando bastante, minha tendência era não considerar |
seriamente as tensões e não procurar soluções para os problemas. Eu me peguei tomando a atitude do |
"esperar para ver" até voltar de minha próxima viagem. Ao fazer isso, as coisas estavam como eu tinha |
deixado, algumas até em estado pior. |
Nessa época, eu seguia uma rotina cada vez que chegava ao aeroporto vindo de um seminário. Eu |
sempre apanhava minha bagagem na esteira, retirava dinheiro no caixa automático para gasolina e uma |
refeição, e pegava o carro para minhas quatro a cinco horas de volante até em casa. Entretanto, durante |
uma dessas viagens, aconteceu algo que tornou evidente tudo o que estava acontecendo naqueles |
relacionamentos. Depois de apanhar minha bagagem, fui até o caixa automático fazer minha retirada. Foi |
quando tive um choque ao ser avisado pela máquina que meu saldo não era suficiente nem para encher o |
tanque na volta para casa! |
O que mais me apavorava é que eu já tinha preenchido cheques justamente daquela conta para pagar a |
uns empreiteiros, contratados para reformar construções centenárias em minha propriedade. Depois do |
pagamento da hipoteca, das despesas de escritório e de viagem e dos gastos familiares, o saldo restante era |
absolutamente insuficiente para as outras obrigações. Sabia que se tratava de algum engano. Também sabia |
que às 17h30min daquele domingo à tarde no Novo México, nada poderia ser feito, tudo estava fechado até |
segunda- feira. Convenci o responsável pelo estacionamento de que ele poderia ficar tranqüilo, o |
pagamento pela estadia do veículo seria remetido pelo correio tão logo eu chegasse em casa. Iniciei então o |
regresso pensando no que poderia ter acontecido. |
Quando telefonei para o banco na manhã seguinte, minha surpresa foi maior ainda. Olhando |
incrédulo, vi que o saldo praticamente igual a zero não tinha sido uma ilusão: não havia mesmo quase |
nada na conta. Na realidade, havia menos do que nada — tinha ocorrido uma retirada indevida da mulher |
em quem eu havia confiado meus negócios e que tinha esvaziado completamente a minha conta. Devido às |
multas sobre os cheques sem fundos, eu repentinamente estava mergulhado em um saldo negativo de |
centenas de dólares. |
Eu me senti chocado e descrente. Repentinamente fiquei nervoso e, em seguida, furioso. Comecei a me |
lembrar de todas as pessoas a quem tinha dado cheques e como iria fazer, já que não poderia honrar |
minhas obrigações. A violação de minha confiança e o desrespeito completo a mim e aos meus compromissos doíam mais do que eu era capaz de expressar. |
Para piorar as coisas, um pouco mais tarde nesse dia minha relação comercial chegou ao ponto de |
ebulição. Quando abri minha correspondência e verifiquei a contabilidade das minhas despesas durante os |
seminários que havia concluído, encontrei discrepâncias: num instante já estava ao telefone, discutindo |
item por item na tentativa de esclarecer a prestação de contas. |
Nessa mesma semana, descobri que o inquilino que morava na minha propriedade estava com |
interesses não só frontalmente opostos aos acordos que tínhamos feito, mas também mal vistos pelo estado |
do Novo México. Sem sombra de dúvida, eu não podia mais ignorar o rumo que meus relacionamentos |
haviam tomado. |
EXISTE MAIS DE UM ESPELHO |
Na manhã seguinte, fui dar uma caminhada pela estrada enlameada que vai da minha propriedade até |
uma grande montanha que assoma sobre o vale atrás de casa. Enquanto fazia uma prece silenciosa, ia |
pisando cuidadosamente no sulco lamacento das rodas do carro e nos gravetos quebrados, e pedia por |
sabedoria, para reconhecer o padrão daquilo que me estava sendo mostrado de maneira tão gritante, |
malgrado minha impossibilidade de vê-lo com clareza. Qual a linha comum que tecia a rede desses |
relacionamentos? Lembrando-me do que o instrutor de artes marciais dissera, perguntei a mim mesmo: |
Qual o reflexo comum que essas três pessoas me mostraram pelos seus atos ? |
Imediatamente as palavras começaram a varrer minha mente, algumas com tanta rapidez que |
desapareciam em seguida, outras lá ficando com bastante clareza. Dentro de segundos, quatro palavras se |
sobressaíram dentre todas as outras: honestidade, integridade, verdade e confiança. Fiz a mim mesmo outras |
perguntas. Se essas pessoas estão refletindo o que sou no momento, elas então estão me mostrando que sou desonesto? |
Será que de alguma maneira violei a integridade, a confiança e a verdade em meu trabalho? |
Enquanto minha mente fazia essas perguntas, um sentimento brotou no meu íntimo. Dentro de mim |
uma voz — a minha própria — gritava: Não! Claro que sou honesto! Claro que tenho integridade! Naturalmente |
falo a verdade e sou de confiança! Essas são as coisas básicas que fundamentam meu trabalho e é o que compartilho |
com outras pessoas. |
No momento seguinte, outro pensamento me ocorreu, efêmero no começo, depois cada vez mais claro |
e forte, até ficar bastante sólido para ser visto e reconhecido. Naquele momento o espelho, subitamente, |
ficou claríssimo: as três pessoas que eu tinha tão habilmente introduzido na minha vida não estavam me |
mostrando o que eu era naquele momento, mas sim, cada uma delas havia me mostrado um reflexo mais sutil, |
um do qual ninguém havia ainda me falado. Elas estavam me mostrando aquilo que eu julgo, não o que eu |
era, e fizeram isso por meio da incompatibilidade entre nossas crenças e estilos de vida! Esses indivíduos |
mostravam-me as qualidades que tinham disparado a sensação de peso em meus ombros — as mesmas |
qualidades que senti que haviam violado. |
Nessa época de minha vida, eu tinha realmente em alta conta o modo como as pessoas mantinham |
atributos como a honestidade e a integridade. Com toda probabilidade, minha bagagem dessas |
responsabilidades tinha sido formada durante a minha infância. Em um instante minhas experiências |
recentes adquiriram significado claro. Imediatamente eu me lembrei de todas as vezes em que essas |
mesmas qualidades tinham sido violadas na minha vida: eu me recordei dos meus romances em que |
minhas parceiras não foram verdadeiras com a relação a pessoas comuns em nossa vida; das promessas da |
vida adulta, feitas mas nunca honradas; dos amigos bem-intencionados e dos mentores corporativos que |
prometeram coisas que nunca poderiam cumprir... minha lista prosseguia e crescia sem parar. |
Meus julgamentos acerca desses tópicos tinham sido construídos ao longo de anos, com tal grau de |
detalhes que eu nunca tinha sido capaz de reconhecê-los. Agora ocupavam o núcleo de algo que eu não |
poderia ignorar. A consequência mais ampla de ter uma conta bancária zerada era a garantia de que eu |
teria de compreender a mensagem desses relacionamentos antes que pudesse avançar na vida. Foi nesse |
dia que aprendi o mistério profundo, embora sutil, do segundo espelho dos relacionamentos: o espelho dos |
julgamentos que faço diariamente. |