O ESPELHO INSTANTÂNEO
0
0

O ESPELHO INSTANTÂNEO

O ESPELHO INSTANTÂNEO.

anderson
9 min
0
0

O ESPELHO INSTANTÂNEO.

A importância de reconhecer a relação entre o que fazemos e o que acontece no mundo fica bem

enfatizada quando examinamos certos estudos antropológicos sobre tribos ocultas da Ásia. Quando os

exploradores descobriram uma das tribos "perdidas" (naturalmente elas só estavam perdidas para nós, pois

elas sabiam muito bem quem eram e onde estavam localizadas), ficaram surpresos com a descoberta de que

seus membros não faziam a mínima ideia da relação entre intercurso sexual e gravidez. Tantos meses entre

o sexo e o nascimento fazia com que a relação entre os dois eventos não fosse óbvia para eles. A vantagem

dos nossos espelhos é essa — a ajuda imediata que nos dão para compreender as conexões verdadeiras e

dissimuladas entre eventos aparentemente distintos.

Se a representação de nossas crenças estiver aparecendo nos nossos espelhos, elas serão parte da

realidade nesse momento. Todo reflexo nos concede uma oportunidade instantânea preciosa. Um padrão

de comportamento negativo, depois de ter sido reconhecido, pode ser corrigido em um piscar de olhos.

Reconhecê-lo é a primeira chave para descobrir por que ele existe. Com muita frequência costumamos

concluir que os padrões negativos espelhados em nossa vida estão enraizados em um dos três medos

universais que vimos no último capítulo.

Quando nossas crenças aparecem refletidas em tempo real nos nossos relacionamentos com os outros,

vivenciamos o primeiro dos espelhos, que nada mais é do que o espelho instantâneo. Entretanto, algumas

vezes esse reflexo pode estar nos mostrando alguma coisa ainda mais sutil do que estamos fazendo em

nossa vida — às vezes nos revela a maneira pela qual julgamos a vida que vivemos. Quando isso acontece,

vivenciamos o segundo espelho dos relacionamentos.

SEGUNDO ESPELHO: REFLEXOS DE JULGAMENTOS INSTANTÂNEOS

"Reconhece o que é visível para ti, e o que te é oculto te será

desvelado3

."

— Evangelho de Tomé

Na década de 1970, um dos meus instrutores de artes marciais me revelou como descobrir as intenções

secretas de um oponente: "Cada pessoa numa competição é um espelho seu. Sendo seu espelho pessoal, seu

oponente vai lhe mostrar quem você é naquele instante. Pela observação de como ele se aproxima, é

possível ver como ele percebe você." Tenho lembrado a vida toda das palavras do meu instrutor e com

bastante frequência costumo pensar no que elas significam. Mais tarde comecei a aplicar o que ele dizia

sobre competição no dojo ao modo das pessoas se comportarem. Em 1992 eu me vi enredado em uma

experiência em que esse tipo de espelho não se aplicava de forma alguma ... e foi quando descobri a

sutileza do segundo espelho dos relacionamentos.

Três pessoas novas dentro de um período bastante curto passaram a fazer parte da minha vida naquele

mesmo ano. Por meio delas experimentei os três relacionamentos mais intensos e dolorosos que conheci na

vida adulta. Ainda que não tivesse reconhecido isso na época, cada uma delas se revelaria capaz de me

ensinar de uma maneira que jamais teria imaginado ser possível. Juntas elas me ensinaram uma lição única,

suficiente para garantir que minha vida nunca mais fosse a mesma. Ainda que cada um desses

relacionamentos servisse como um espelho para mim precisamente no momento exato, inicialmente não

reconheci o que eles me ensinavam.

O primeiro relacionamento foi com uma mulher, que tinha entrado em minha vida com metas e

interesses tão semelhantes aos meus, que havíamos resolvido viver e trabalhar juntos. O segundo foi com

uma parceria profissional que supria minha grande necessidade de auxílio na criação e organização dos

seminários que eu fazia pelo país. O terceiro relacionamento, que combinava amizade e arranjo comercial,

era com um homem que cuidava da minha propriedade quando eu me ausentava a trabalho e, em troca

morava em uma das minhas casas sem uso e em reformas.

O fato de esses relacionamentos me aparecerem ao mesmo tempo deveria ter me dado uma indicação

de que alguma coisa estava acontecendo — alguma coisa grande. Quase imediatamente, todos os três

relacionamentos começaram a testar minha paciência, meus limites de atuação positiva e minha capacidade

para solucionar problemas. Senti que essas pessoas estavam me tirando o juízo! Tinha discussões e

desacordos com todas as três. Como estava viajando bastante, minha tendência era não considerar

seriamente as tensões e não procurar soluções para os problemas. Eu me peguei tomando a atitude do

"esperar para ver" até voltar de minha próxima viagem. Ao fazer isso, as coisas estavam como eu tinha

deixado, algumas até em estado pior.

Nessa época, eu seguia uma rotina cada vez que chegava ao aeroporto vindo de um seminário. Eu

sempre apanhava minha bagagem na esteira, retirava dinheiro no caixa automático para gasolina e uma

refeição, e pegava o carro para minhas quatro a cinco horas de volante até em casa. Entretanto, durante

uma dessas viagens, aconteceu algo que tornou evidente tudo o que estava acontecendo naqueles

relacionamentos. Depois de apanhar minha bagagem, fui até o caixa automático fazer minha retirada. Foi

quando tive um choque ao ser avisado pela máquina que meu saldo não era suficiente nem para encher o

tanque na volta para casa!

O que mais me apavorava é que eu já tinha preenchido cheques justamente daquela conta para pagar a

uns empreiteiros, contratados para reformar construções centenárias em minha propriedade. Depois do

pagamento da hipoteca, das despesas de escritório e de viagem e dos gastos familiares, o saldo restante era

absolutamente insuficiente para as outras obrigações. Sabia que se tratava de algum engano. Também sabia

que às 17h30min daquele domingo à tarde no Novo México, nada poderia ser feito, tudo estava fechado até

segunda- feira. Convenci o responsável pelo estacionamento de que ele poderia ficar tranqüilo, o

pagamento pela estadia do veículo seria remetido pelo correio tão logo eu chegasse em casa. Iniciei então o

regresso pensando no que poderia ter acontecido.

Quando telefonei para o banco na manhã seguinte, minha surpresa foi maior ainda. Olhando

incrédulo, vi que o saldo praticamente igual a zero não tinha sido uma ilusão: não havia mesmo quase

nada na conta. Na realidade, havia menos do que nada — tinha ocorrido uma retirada indevida da mulher

em quem eu havia confiado meus negócios e que tinha esvaziado completamente a minha conta. Devido às

multas sobre os cheques sem fundos, eu repentinamente estava mergulhado em um saldo negativo de

centenas de dólares.

Eu me senti chocado e descrente. Repentinamente fiquei nervoso e, em seguida, furioso. Comecei a me

lembrar de todas as pessoas a quem tinha dado cheques e como iria fazer, já que não poderia honrar

minhas obrigações. A violação de minha confiança e o desrespeito completo a mim e aos meus compromissos doíam mais do que eu era capaz de expressar.

Para piorar as coisas, um pouco mais tarde nesse dia minha relação comercial chegou ao ponto de

ebulição. Quando abri minha correspondência e verifiquei a contabilidade das minhas despesas durante os

seminários que havia concluído, encontrei discrepâncias: num instante já estava ao telefone, discutindo

item por item na tentativa de esclarecer a prestação de contas.

Nessa mesma semana, descobri que o inquilino que morava na minha propriedade estava com

interesses não só frontalmente opostos aos acordos que tínhamos feito, mas também mal vistos pelo estado

do Novo México. Sem sombra de dúvida, eu não podia mais ignorar o rumo que meus relacionamentos

haviam tomado.

EXISTE MAIS DE UM ESPELHO

Na manhã seguinte, fui dar uma caminhada pela estrada enlameada que vai da minha propriedade até

uma grande montanha que assoma sobre o vale atrás de casa. Enquanto fazia uma prece silenciosa, ia

pisando cuidadosamente no sulco lamacento das rodas do carro e nos gravetos quebrados, e pedia por

sabedoria, para reconhecer o padrão daquilo que me estava sendo mostrado de maneira tão gritante,

malgrado minha impossibilidade de vê-lo com clareza. Qual a linha comum que tecia a rede desses

relacionamentos? Lembrando-me do que o instrutor de artes marciais dissera, perguntei a mim mesmo:

Qual o reflexo comum que essas três pessoas me mostraram pelos seus atos ?

Imediatamente as palavras começaram a varrer minha mente, algumas com tanta rapidez que

desapareciam em seguida, outras lá ficando com bastante clareza. Dentro de segundos, quatro palavras se

sobressaíram dentre todas as outras: honestidade, integridade, verdade e confiança. Fiz a mim mesmo outras

perguntas. Se essas pessoas estão refletindo o que sou no momento, elas então estão me mostrando que sou desonesto?

Será que de alguma maneira violei a integridade, a confiança e a verdade em meu trabalho?

Enquanto minha mente fazia essas perguntas, um sentimento brotou no meu íntimo. Dentro de mim

uma voz — a minha própria — gritava: Não! Claro que sou honesto! Claro que tenho integridade! Naturalmente

falo a verdade e sou de confiança! Essas são as coisas básicas que fundamentam meu trabalho e é o que compartilho

com outras pessoas.

No momento seguinte, outro pensamento me ocorreu, efêmero no começo, depois cada vez mais claro

e forte, até ficar bastante sólido para ser visto e reconhecido. Naquele momento o espelho, subitamente,

ficou claríssimo: as três pessoas que eu tinha tão habilmente introduzido na minha vida não estavam me

mostrando o que eu era naquele momento, mas sim, cada uma delas havia me mostrado um reflexo mais sutil,

um do qual ninguém havia ainda me falado. Elas estavam me mostrando aquilo que eu julgo, não o que eu

era, e fizeram isso por meio da incompatibilidade entre nossas crenças e estilos de vida! Esses indivíduos

mostravam-me as qualidades que tinham disparado a sensação de peso em meus ombros — as mesmas

qualidades que senti que haviam violado.

Nessa época de minha vida, eu tinha realmente em alta conta o modo como as pessoas mantinham

atributos como a honestidade e a integridade. Com toda probabilidade, minha bagagem dessas

responsabilidades tinha sido formada durante a minha infância. Em um instante minhas experiências

recentes adquiriram significado claro. Imediatamente eu me lembrei de todas as vezes em que essas

mesmas qualidades tinham sido violadas na minha vida: eu me recordei dos meus romances em que

minhas parceiras não foram verdadeiras com a relação a pessoas comuns em nossa vida; das promessas da

vida adulta, feitas mas nunca honradas; dos amigos bem-intencionados e dos mentores corporativos que

prometeram coisas que nunca poderiam cumprir... minha lista prosseguia e crescia sem parar.

Meus julgamentos acerca desses tópicos tinham sido construídos ao longo de anos, com tal grau de

detalhes que eu nunca tinha sido capaz de reconhecê-los. Agora ocupavam o núcleo de algo que eu não

poderia ignorar. A consequência mais ampla de ter uma conta bancária zerada era a garantia de que eu

teria de compreender a mensagem desses relacionamentos antes que pudesse avançar na vida. Foi nesse

dia que aprendi o mistério profundo, embora sutil, do segundo espelho dos relacionamentos: o espelho dos

julgamentos que faço diariamente.