Certa vez, quando o programa esportivo "Linha de Passe" da ESPN ainda contava com sua formação original, os comentaristas estavam discutindo quem era o maior craque brasileiro do futebol recente. Então, Juca Kfouri optou por Ronaldinho Gaúcho...
Certa vez, quando o programa esportivo "Linha de Passe" da ESPN ainda contava com sua formação original, os comentaristas estavam discutindo quem era o maior craque brasileiro do futebol recente. Então, Juca Kfouri optou por Ronaldinho Gaúcho, alegando que ele era um dos "últimos românticos". Essa frase alugou um terreno enorme na minha cabeça e eu fiquei confabulando sobre a extinção daqueles que não tratam a bola de forma apenas curricular. Porém, antes de tudo, quem são os românticos? São jogadores que enxergam o futebol como uma arte, que serve para entreter, apaixonar e tirar os espectadores da métrica formal e monótona da vida. Por isso, eles usam o dom natural, e por vezes o aprimoramento com treinos, para tentar um drible diferente, uma jogada de efeito que provoque o adversário e outros artifícios mais que extrapolem as linhas e as estratégias do jogo. Infelizmente, eles estão acabando. O esporte bretão é cada vez mais tático e cada vez menos plástico. | ||
Como um exemplo dessa transformação, é preciso citar a evolução do Cristiano Ronaldo (é o homem mais uma vez nos textos). Quando ele apareceu para o mundo com a camisa do Manchester United, o destaque advinha do seu esforço para melhorar o "um a um". O ponta esquerda dos reds, apesar de parecer "duro" em alguns movimentos, apresentava um repertório variado e qualificado de dribles que somavam a seu chute certeiro e à sua capacidade de explosão. Contudo, devido às necessidades de adaptação para manter o alto desempenho e às dificuldades físicas, o Robozão, progressivamente, alterou seu estilo de jogo. Nos últimos dois anos da passagem pelo Real Madrid, ele passou a se revezar com Benzema no centro da área, ficando mais próximo do gol oponente e participando menos da construção de ataques. Foi uma fase artilheira e vitoriosa. As fintas foram substituídas por bolas na rede. A mudança é válida, mas evidencia a tese desenvolvida. Um dos principais jogadores da história do esporte passou por transformações, acompanhando a tendência do futebol estratégico. | ||
Ademais, no mesmo cenário, as principais promessas mundiais também são exemplos da importância do vigor físico e do senso tático na contemporaneidade. Erling Haaland, que acabou de quebrar o recorde de jogador que marcou 20 gols com a menor quantidade de jogos na Champions League, tem como virtudes a capacidade de atacar espaços deixados pela defesa adversária e finalizações certeiras. Em qualquer situação do ataque, o norueguês solta uma bomba com a perna esquerda e só resta ao goleirão fazer um golpe de vista. Já Kylian Mbappé, que com apenas 19 anos já foi destaque em um título de Copa do Mundo, possui uma explosão assustadora e também um pé calibrado. O atacante do PSG pode atuar pelos dois lados do campo ou centralizado. São dois fenômenos. Não restam dúvidas. Entretanto, a ascensão de figuras como essas são capazes de nos mostrar que, no futebol moderno, as aptidões físicas e táticas se sobrepõem à habilidade com a bola. Estão acontecendo mudanças silenciosas, que com certeza são estudadas por treinadores e analistas no mundo todo. É a era dos pontas velozes e artilheiros, dos goleiros líberos, da posse de bola objetiva, da construção do jogo ao longo de todo o campo e dos homens com consciência estratégica. Assim como acontece em todas as profissões, aqueles que não procuram atualizações tendem a ficar para trás. | ||
Agora é hora do Brasil. Afinal, por que a Seleção Brasileira não nos encanta mais? Cadê aqueles times e jogadores que paravam até guerras civis para vê-los em campo? Para onde foi a magia? Tais respostas estão intimamente ligadas à construção de um novo cenário. Não faz sentido algum culpar apenas o Tite, ou apenas um dirigente A, B ou C. A camisa amarela sempre foi puro romantismo. Em 1970, Zagallo escalou 5 médios no time titular pois todos eram craques e não havia possibilidade de deixar um sequer de fora. Em 1982, Leandro, Júnior, Sócrates e Zico, comandados pelo mestre Telê Santana, "dançavam balé" dentro das quatro linhas. Aliás, a tragédia de ter perdido aquela copa nunca será esquecida. Em 2002, o país inteiro acordava de madrugada para ver Ronaldo entortando zagueiros sem precisar tocar na bola e Rivaldo controlando o ritmo das partidas. Ou seja, seleção sempre foi poesia, sempre foi algo místico para todos os espectadores nascidos no país do futebol. Atualmente, romários, ronaldos, kakás, bebetos estão sendo substituídos firminos, coutinhos, richalisons e cia ltda. São jogadores mais burocráticos e menos vistosos. O futebol da seleção nacional encontra-se atrás de vários outros. O "novo esporte", além das ações duvidosas da CBF e da suspeita de que fatores externos influenciam na dinâmica das convocações, é responsável pelo fato de vários boleiros terem substituído o sonho de atuar com a canarinho pela vontade de jogar em um clube na Europa, por exemplo. Ou seja, o desinteresse não é por acaso. | ||
Ressalto o nosso menino, ou adulto, Neymar. Fugindo de méritos e atitudes extracampo, ele é espetacular. De acordo com o grande repórter Marcelo Bechler, "o melhor brasileiro pós-Ronaldo". Um ótimo exemplar do que seria um romântico da bola, o jogador é constantemente agredido por adversários e punido por árbitros do Campeonato Francês simplesmente por tentar um lance de efeito, por colocar pra fora sua habilidade, sob a alegação de tentativa de humilhar outros atletas. Na opinião de quem vos escreve, dentro do campo futebolístico, Neymar deveria ser mais valorizado pelos próprios brasileiros. Não existe um jogador da nova geração nacional que tenha despontado com a metade da sua capacidade. É possível que estejamos diante do último brasileiro com a capacidade de jogar um futebol arte tão qualificado em muito tempo. | ||
Enfim, como vocês já sabem, o futebol é feito de eras, fases, tendências. Sem que percebamos, algo novo surge no lugar de outro que parecia ser consolidado. Tudo vai deixar saudades, saudosismo, defeitos e qualidades. Cabe aos meros mortais apreciar o que o esporte vai nos trazer e aos profissionais atender ao que está sendo pedido em cada momento. | ||
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