O futebol dominado por espanhóis acabou. As razões não são tão simples.
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O futebol dominado por espanhóis acabou. As razões não são tão simples.

No início da temporada europeia de 2008/2009, Pep Guardiola, até então uma aposta, chegava ao Barcelona com a missão de comandar uma renovação do elenco campeão da Champions League dois anos antes

André Moraes
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No início da temporada europeia de 2008/2009, Pep Guardiola, até então uma aposta, chegava ao Barcelona com a missão de comandar uma renovação no elenco que havia sido campeão da Champions League dois anos antes. O resultado saiu melhor do que a encomenda. Naquele momento, surgia um time revolucionário e uma hegemonia no futebol mundial que duraria 10 anos. A equipe de Messi, Xavi, Eto'o, Henry e cia ltda encantou a todos com os toques curtos e rápidos, o domínio completo do jogo e a posse de bola objetiva durante os noventa minutos. Era o início do aclamado "tiki-taka" espanhol, cuja eficácia foi comprovada no ano seguinte. A seleção de Vicent Del Bosque, quase uma cópia do time catalão, fez uma campanha impecável na Copa do Mundo de 2010, sagrando-se campeã com um gol de Iniesta contra a Holanda de Robben e Sneijder. 

Em 2016, Zinedine Zidane, após um período como auxiliar de Carlo Ancelotti, chegou ao Real Madrid e rapidamente emplacou três títulos seguidos de Champions League. O ataque com Cristiano Ronaldo e Benzema costumava "liquidar a fatura" no jogo de ida. Quando as coisas apertavam, o xerife Sergio Ramos virava zagueiro-artilheiro e tudo voltava à normalidade. Além dessas equipes marcantes, houve também o Barcelona com o trio MSN (Messi, Suarez e Neymar), que parava multidões para ver suas jogadas que eram plásticas e eficientes simultaneamente. De 2009 a 2019, os espanhóis conquistaram a principal competição de clubes sete vezes. Indiscutivelmente, o mundo futebolístico foi espanhol durante mais de dez anos. No entanto, nas temporadas mais recentes, o desgaste das duas principais equipes do país foi nítido. O time da Catalunha colecionou derrotas elásticas nas fases finais, como em partidas contra o Liverpool, o PSG e o Bayern de Munique, e o time de Madrid não passou das duas últimas oitavas. Em campo, a gana incessável por vitórias e a sincronia misturada à individualidade deram lugar ao desânimo e à falta de definição tática. Atualmente, Barcelona e Real Madrid não são nada além de dois times comuns da La Liga. Afinal, qual é o motivo, ou melhor, quais são os motivos dessa mudança brusca? Tudo se resume a Messi e Cristiano Ronaldo? A resposta é não.

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Para começar, precisamos falar da base. A geração dourada que teve seu auge no início da década de 2010 - Sergio Ramos, Iniesta, Xavi, Pique, David Villa, Busquets, Pedro e etc - não passou por uma renovação. A fonte secou e, aos poucos, Real e Barça tornaram-se dependentes de jogadores de outros países. Como citado anteriormente, a estratégia funcionou durante alguns anos, com a montagem de elencos fantásticos prioritariamente estrangeiros. Contudo, bastaram duas janelas mal sucedidas para afundar os dois gigantes em uma crise sem precedentes. Na Catalunha, a tentativa de substituir Neymar, Iniesta e Luisito Suarez por Dembele, Coutinho e Griezmann foi um tiro que saiu pela culatra. Nenhum dos novos contratados rendeu a metade da expectativa que lhe foi depositada e o clube pagou o preço da dependência externa. Já na capital, a tentativa de substituir o Rei da Champions por Eden Hazard, o desgaste do time de "medalhões" que teve pouquíssimas caras novas e a expectativa desproporcional em promessas, como Rodrygo e Vini Jr., foram fatores que evidenciaram a carência de uma categoria de base mais robusta e contribuíram para o mau momento. 

Em uma análise como esta, não poderíamos deixar de falar dele, o tão amado por Lionel Messi e por todos os culés: Josep Maria Bartomeu. O ex-presidente do Barça merece um parágrafo exclusivo. Nos anos finais de sua gestão, o mandatário deu um show de horrores administrativos. É preciso citar o péssimo controle financeiro, por meio do qual o clube torrou altas quantias em poucos e ineficientes jogadores, provocando um déficit orçamentário para as próximas temporadas; a má prospecção de novas caras de La Masia; o tratamento inadequado a lendas da equipe, como no caso da dispensa por telefone de Suarez; e, por fim, a relação truncada com a maioria das peças do elenco atual. Tais aspectos foram cruciais para sua saída antes do previsto e para a declaração do desejo de saída por parte do maior jogador da história blaugrana. Para muitos, Bartomeu roubou dos jogadores e da torcida o prazer de ser Barcelona. Para coroar tudo isso, no dia em que este texto está sendo produzido, por coincidência do destino, ele foi preso por suspeita de envolvimento em crimes financeiros.

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Assim como o ex-presidente do catalão é merecedor um parágrafo exclusivo, ele também é: Cristiano Ronaldo, uma besta enjaulada com ódio, uma máquina, o mais próximo que nós, meros mortais, já vimos de um robô em um campo de futebol. Apesar de não ser o único fator da decadência merengue, sua saída ajuda a explicar muita coisa. Buscando novos desafios pessoais em sua vitoriosa carreira, o craque português foi para a Juventus em 2018. A torcida do Real Madrid, conhecida no mundo inteiro por ser "de turistas", mimada e muito exigente, nunca manteve uma boa relação com Cristiano. Mesmo colecionando títulos com a camisa branca, ele era vaiado constantemente no início dos jogos e, por conseguinte, nunca se sentiu devidamente valorizado dentro clube. O fracasso do atual time, composto pelo quase mesmo elenco e pelo mesmo treinador (Zidane) tri campeão da Champions, explicita que o Robozão era o principal pilar madridista entre 2013 e 2018. Jogadores como esse surgem uma vez a cada vida. O futebol espanhol está aí para nos ensinar que não devem ser descartados de qualquer forma. Na opinião de quem vos escreve, Hazard e, no mínimo, os próximos três pontas-esquerda do Real Madrid não atingirão as expectativas. Caso isso não aconteça, eu apago o texto e nego até a morte essa afirmação (rs).

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Enfim, tudo no futebol tem prazo de validade. Nenhum time campeão dura pra sempre. Por um motivo ou outro, tudo acaba. Assim como a Inter de Milão e o Milan protagonizavam diversos campeonatos europeus e nacionais na década de 2000 e hoje batalham com orçamentos mais modestos e apostas incertas, os espanhóis têm tudo para enfrentar um período árido longo. Talvez seja hora de assistirmos uma época menos hegemônica, com alternância entre grandes times, como o Bayern de Hansi Flick, o City de Pep Guardiola e o PSG  de Pochettino. Sentiremos saudades pra sempre de Lionel Messi driblando meio time e deixando o goleiro vendido no Santiago Bérnabeu. Ou de Cristiano Ronaldo fazendo dois gols e fazendo sinal de "calma" no Camp Nou. Nos sintamos privilegiados de ver tudo isso. 

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