Eu nunca tive laços de afeto pelo ou com meu pai. Desde pequena, minha mãe dizia que meu pai não queria mais filhos. Então vieram gêmeas. Eu me sentia um verdadeiro estorvo. Não sentia valor por mim mesma, sentia como se eu fosse a perturbaçã...
Eu nunca tive laços de afeto pelo ou com meu pai. Desde pequena, minha mãe dizia que meu pai não queria mais filhos. Então vieram gêmeas. Eu me sentia um verdadeiro estorvo. Não sentia valor por mim mesma, sentia como se eu fosse a perturbação, o desconforto, a causadora da escassez material ... porque era essa a voz muda que saía do olhar reprovador do meu pai e do olhar crítico da minha mãe. A impressão que nós tínhamos, eu e minha irmã gêmea, é que éramos as visitas indesejáveis, as gurizinhas que não precisam de muito para viverem e seguirem em futuro próximo por conta própria. É ... matava no peito ... e as longas noites de pesadelo, febre emocional, melancolia profunda e uma vontade única de encontrar quem realmente pudesse me acolher como ser humano. E meu emocional forjou-se como se dependesse da aprovação até de estranhos. Como se eu fosse apenas o espelho emocional de qualquer um. Se sou espelho, preciso refletir o que o outro sente e pensa. Daí vem o sentimento de desvalia. De que os outros sempre estariam acima de mim, que minha opinião seria apenas para agradar ... porque foi assim que a presença seria garantida na cabecinha tola de uma menina desvalida. |
Eu amava e amo minha mãe. Sou grata à ela por ter me parida, educada, ter me cuidado, ter me mostrado o que é certo e o que é errado. Mas isso não me garantiu o direito de expressar minhas opiniões e de reclamar quando me sentia preterida ou abusada. Não tinha direito de apontar aquele que estivesse abusando da minha inocência porque eu estava subjugado pela condição de estorvo. Mesmo que ela não expressasse afagos e palavras de carinho, quando algum dos filhos tinha febre, qualquer um dos cindo filhos, ela adormecia sobre os pés e levantava apenas para fazer as coisas que precisava fazer até que fosse sanado aquilo que perturbava física ou emocionalmente. |
Meu pai era humanista com quem ele nutria algum apreço. Por qualquer um que não nutrisse, ele desprezava com veemência. Mais da metade do salário dele era gasto ou desprezado com amigos e afins. Ele sempre tinha um motivo para ser desagradável quando havia alguma data festiva. Raras foram as vezes que o encontrei feliz por estar em família. E as lembranças destas cenas são bem guardadas, pois eu sentia que ele queria ser a visita, não o residente. Minha mãe, com seu salário de professora, é que sustentava os filhos. Certa vez, perguntei à minha mãe: por que tu não te separas do meu pai, mãe? Ele não te merece. Somos muito respeitosos, respeitamos e honramos, amamos vocês... mas acho que ele nem sabe o que é amor. Ele só pensa nele. |
Os monges tibetanos dizem que quando desencarnamos devemos ir para a luz, porque é lá que todos os registros de vida são apagados. Mas muitos preferem ficar no limbo e voltar à vida. O apego às emoções que a vida dá é que nos faz querer sempre voltar. |