Fiz quatro teste de conhecimentos gerais e, apesar de ser bom motorista, não conseguia tirar minha carteira de habilitação.
Você faz alguma ideia de qual é a distância em que pode estacionar o carro de um hidrante? | ||
Ou quanto tempo tem para avisar o Departamento de trânsito que mudou de endereço? | ||
Ou ainda quantas pessoas podem estar num carro com um adolescente de 16 anos, além do responsável? | ||
Se você sabe a resposta para uma dessas perguntas, parabéns! Mas imagino que a imensa maioria não faz a menor ideia, assim como eu não fazia. | ||
Uma mudança de país te faz ter experiências desafiadoras. E uma delas, por incrível que pareça, pode ser tirar a carteira de habilitação. Todo mundo pensa no aluguel do apartamento, na escola das crianças, nos custos da mudança, mas há uma burocracia que te faz perder horas e muitas vezes o sono. | ||
A minha epopeia para tirar a carteira de motorista começou no final do ano passado, no meio da pandemia. Minha amada Michelle, com razão e sabedoria das esposas, disse que seria importante termos algum documento americano, a escolha foi pela carteira de habilitação. Confesso que não dei muita bola, não era urgente. Minha CNH brasileira é aceita normalmente por aqui e tinha mais um ano de validade. | ||
Mas fomos nós encarar uma longa fila num sábado gelado num Detran da vida, aqui chamado de DMV, para ter a constatação de sempre. Está faltando um documento. Sempre falta um, parece algo universal. | ||
De posse do tal papel, voltamos ao DMV e dessa vez ele iriam checar nosso status no país. A dúvida era confirmar se estávamos legal ou não. Claro que poderiam ter feito isso logo de cara, mas a burocracia também é universal. | ||
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Nessas idas e vindas se passaram alguns meses, até que finalmente foi marcada uma data para fazermos um teste de conhecimentos gerais. Foi quando de fato meu drama começou. Quem possui carteira de habilitação válida em outro país, normalmente não precisa fazer o teste de direção em si. | ||
As regras variam entre os Estados, mas aqui na minha área esse maldito teste tem 50 questões de múltipla escolha. O candidato a motorista deve acertar 40 para ser aprovado. O DMV oferece um manual e o teste pode ser feito em qualquer idioma, inclusive o português, só que é o de Portugal. | ||
Tenho CNH faz mais de 25 anos e me considero um bom motorista. Não me lembro a última vez que tomei multa ou me envolvi em acidente (TOC TOC TOC na madeira). Já cansei de guiar em diferentes partes do mundo, debaixo de sol, chuva e neve. Resumindo; ganharia uma estrelinha do Ayrton Senna. | ||
Na primeira vez que fui fazer o tal teste de conhecimento cheguei todo confiante. Minha esposa, que deu uma lida no manual do DMV, me alertou que o conteúdo era muito específico; você sabe que 12 onças de cerveja equivalem a 5 onças de vinho? Não sabia, sei que não pode beber e dirigir, isso basta. | ||
Mas não bastou. As perguntas eram muito, mas muito específicas. Das 50, pelo menos 10 eram referentes a restrições para jovens com menos de 21 anos. Não era meu caso, mas com 39 acertos, faltou um. Admito que uns 4 foram no chute, mas pouco importa, fui reprovado. Claro que minha esposa, passou, raspando, mas passou. | ||
Depois de ter tomado bomba, tentei remarcar. No meio da pandemia, as datas estavam e ainda estão escassas. Para meu azar, as duas vezes que consegui dei com a cara na porta do DMV. O Departamento estava fechado após funcionários terem se contaminado por Covid. Tentei então marcar em outros endereços. | ||
Quando finalmente consegui um que estava aberto, depois de meses, fui barrado. O meu pedido inicial estava com prazo de validade vencido e não tinha visto. Não adiantou tentar explicar que a culpa não foi minha e que o maldito vírus que não deixou refazer o teste. | ||
Fiquei puto! Chamei o gerente do Departamento que não me deu bola. Pra piorar, cometi a maior burrada da minha vida. Deixei minha pastinha de plástico com passaporte, RG, carteira de vacinação em algum canto daquele maldito departamento que nem São Longuinho encontrou. | ||
Aí teve início um novo calvário, a questão não era mais a carteira de motorista e sim recuperar o principal documento de um estrangeiro fora do país, o passaporte. Dizem que no mercado paralelo, o documento brasileiro vale mais, porque nossa fisionomia pode ser parecida com pessoas de qualquer país. | ||
Entre idas e vindas, vai e volta, consegui de novo juntar todos os pontos que a burocracia exige para provar que sou um rapaz latino-americano, sem dinheiro no bolso, mas que tem direito a carteira de habilitação. Ao mesmo tempo que começou a bater um certo desespero. Minha CNH do Brasil, quase um ano depois do início de tudo, estava perto de terminar o prazo de validade. | ||
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Remarquei o teste de conhecimentos gerais, meu segundo, e dei uma lida no tal manual. Como faltou só um ponto na primeira vez, achei que a estratégia seria bem sucedida. Não foi. Por um de novo, não fui aprovado. Detalhe; peguei duas horas de estrada porque era o único local que tinha data mais perto. | ||
Fiquei louco! Como posso ser tão burro? Duas vezes reprovado e duas vezes por uma questão errada. Não é possível! Com o detalhe que tenho de fazer tudo isso num dia normal de trabalho. Apesar de sempre contar com a boa vontade da galera da Band, tenho horários marcados que não posso falhar. | ||
A ultramaratona continuou com uma descoberta. Se você atualizar o computador apertando F5 o dia inteiro é possível que consiga uma data e um local mais próximos para fazer a maldita prova. Como minha CNH estava para vencer, essa era minha única alternativa. Depois de horas de insistência, como se tivesse atrás de um ingresso para um show disputado, consegui marcar para o dia seguinte. | ||
Estudei, escrevi e me sentia preparado como nunca para minha terceira prova. Achava mesmo que era finalmente chegado o dia. Mas errei e para minha resignação de novo, por uma questão. | ||
Confesso que não sabia a resposta para a última pergunta; qual é a cor dos adesivos que motoristas com menos de 21 anos devem ter no carro? Chutei laranja, era vermelho. | ||
A gentil funcionária do DMV foi solidária. Sem saber metade da história falou; puxa vida,meu filho, não passou por uma. Mal sabia ela que era a terceira vez. | ||
Pior; como explicar em casa para meus filhos, que fazem testes todos os dias na Escola, que a besta do pai não tem capacidade de passar numa prova. Mesmo sabendo, ou achando que é capaz de dirigir sem qualquer problema. | ||
Seguindo ritual, fiquei apertando o F5 até marcar uma nova data para enfrentar meus demônios. Li de novo o manual, pedi para minha esposa fazer pegadinhas; quantos inches posso parar da calçada? Em quanto tempo um caminhoneiro que muda de estado deve fazer a transferência da carteira? Decorei perguntas que NUNCA vou precisar usar na minha vida assim como fiz com a tabela periódica e PASSEI!!!!!! | ||
Na minha quarta tentativa, quando vi 40 acertos, nem acreditei. Minhas mãos tremiam a ponto de não conseguir escrever meu nome depois. Aí só faltava tirar a foto e minha carteira seria enviada pelo correio. Tudo parecia certo, parecia... | ||
O sistema, sempre ele, disse que havia algum problema com a minha identidade. Mas qual? Por que não disseram antes? Não me diga que vou ter de fazer o teste de novo? | ||
Não precisou, mas a burocracia do Detran americano, com atendentes nem sempre simpáticos, me fez perder mais um dia para descobrir um erro deles na digitação do meu sobrenome. Nada demais. | ||
Enquanto escrevo esse texto ainda estou esperando minha carteira de habilitação americana chegar pelo Correio. Se precisar de alguma dica de inches, miles, pounds e onças e de como um garoto de 16 anos consegue tirar a CNH daqui, é só me perguntar. Aliás, ele não pode dirigir entre 23 horas e 5 da manhã, se quiser jogar conversa fora no mesa do bar. |