Poucos personagens da história da música viveram um período tão conturbado politicamente quanto o bávaro Carl Orff, o que nada mudou quanto a sua importância como compositor e como um dos mais importantes nomes da educação musical no século X...
Poucos personagens da história da música viveram um período tão conturbado politicamente quanto o bávaro Carl Orff, o que nada mudou quanto a sua importância como compositor e como um dos mais importantes nomes da educação musical no século XX. | ||
Nascido no final do período Romântico, em 10 de julho de 1895, em Munique, filho de um oficial do Império Alemão (1871 -1918) com forte declínio às artes musicais, Orff iniciou seus estudos em piano, órgão e violoncelo aos cinco anos de idade, época também em que começa a criar suas primeiras obras musicais. | ||
Aos 16 anos de idade, em 1911, começa a publicar a suas peças, fortemente influenciado pelos compositores românticos Richard Strauss e Claude Debussy. | ||
Em 1912 aprofunda seus conhecimentos musicais na Academia Real de Artes Musicais de Munique, onde ficará até 1914 saindo de lá diretamente para as trincheiras da Primeira Grande Guerra (1914 - 1918). Gravemente ferido, retorna para o ofício musical com ocupações nas cidades de Mannheim e Darmstadt. | ||
Com a queda do Império Alemão, e ascensão da República de Weimar (1919 – 1933), floresce em Orff um pensamento educacional. | ||
Em 1920, partindo do princípio que “toda criança é um ser musical”, começa a elaborar o que chamou “Música Elementar”, um método pedagógico com atividades para prática coletiva que buscava unificar o som, o texto e o movimento corporal, utilizando-se de ritmos simples com o apoio de instrumentos de percussão e do canto. | ||
Em 1924, juntamente com Dorothee Günther, funda em Munique a Escola Günther de ginástica, música e dança, onde vai desenvolver suas teorias educacionais com crianças e adultos entre 12 e 22 anos. | ||
Em 1930, a Alemanha já se assombrava com o Nacional Socialismo, e Orff, pensando em sua sobrevivência e flertando com as ideias de Hitler, publica juntamente com Gunild Keetman, uma obra em cinco volumes intitulada “Das Schulwerk”(Trabalho Escolar). | ||
Em uma abordagem inovadora na pedagogia musical, Orff utilizou a sua música elementar para combinar o canto, a improvisação, o movimento e a prática instrumental, trabalhando conceitos simples para crianças e adultos leigos tais como ostinato, nota pedal e textos simples de serem cantados. | ||
Em seu trabalho ele encoraja professores e aplicadores de seus métodos a modificar e adaptar suas aulas conforme a realidade dos alunos e materiais presentes, sempre estimulando a ideia de improvisação. | ||
Nos anos seguintes foi preciso saber se equilibrar para viver em sua pátria. Não era segredo suas amizades com músicos judeus, assim como a sua ligação com o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, liderado por Hitler e que vai levar a Alemanha ao nazismo em 1933. | ||
“Carmina Burana”, considerada a obra prima de Orff, com seu texto “pornográfico e em latim”, entrou para a lista de “música negra” pela Câmara de Música do Reich, e embora não tenha sido proibida, foi “desaconselhada” à sociedade alemã o que gerou cancelamentos de apresentações em Dresden, Munique e Berlim. Sua estreia só foi realmente executada, sobre críticas e aplausos de uma sociedade que nunca foi realmente unânime em assuntos culturais, em 1937 em Frankfurt, sendo considerada a música moderna de Joseph Goebbels, que já havia feito encomendas a Orff para a abertura das Olimpíadas de 1936. | ||
A caça de Hitler não poupou os artistas, e aqueles que eram judeus, ainda que em parte, conforme as regras do Reich, eram enviados aos campos de concentração, ou, se houvesse tempo, saiam do país antes de serem encontrados. | ||
A paranoia nazista era tão grande que as obras de judeus, inclusive dos que já haviam falecido, eram proibidas de serem executadas na Alemanha. Sendo assim, em 1939 Orff foi contratado pelo prefeito de Frankfurt para reescrever “Sonho de Uma Noite de Verão”, uma vez que seu autor, o alemão Felix Mendelssohn, era judeu. | ||
Embora a empreitada tenha sido um fracasso, a Alemanha perdia seus compositores de renome e precisava repor tão excelente quadro, não podendo se desfazer daqueles que lhes eram favoráveis, e Orff começava a despontar em popularidade. Neste período, e com amigos influentes na Câmara de Música do Reich, sai da lista negra e ganha uma certa proteção do governo, sendo proibido de ser contingenciado para o serviço militar em plena Segunda Guerra Mundial. | ||
Em 1942 entra para a elite de Joseph Goebbels e passa a constar em sua folha de pagamento com o alto salário de 1000 Marcos, tendo recebido uma premiação inicial de 2000 Marcos. Com toda essa proteção e com tamanho afago financeiro recebidos do Reich, prevendo que o jogo ia virar, em 1944 se negou a compor uma música de luta para a propaganda do regime, contudo, contrariando o senso comum nazista, nada sofreu em retaliação, tal era seu prestígio nesta época. | ||
Com o término da Segunda Guerra Mundial, iniciou-se o julgamento de Nuremberg para crimes de guerra, e um processo conhecido como “desnazificação” para evidenciar quais os colaboradores e o tamanho de sua colaboração para difusão das práticas nazistas. | ||
Orff entrou para uma outra lista, agora realizada pelos países da coalizão, sendo classificado como “cinza inaceitável”, recebendo como pena a abolição de suas obras musicais, com a intenção de serem esquecidas, e pondo um fim em sua ligação com qualquer ramo das artes. | ||
Mas como florescia um novo tempo, foi lhe dado o direito a recorrer e se defender das acusações que haviam contra ele. Manipulando a situação, e valendo-se de seus contatos, criou uma história de participação na criação do movimento de resistência “Rosa Branca”, uma mentira que envolvia a negação aos nazistas, em anos anteriores, de qualquer ligação com o real fundador do movimento Kurt Huber que o levou a ser executado enquanto Orff fugia para as montanhas para não ser associado a Huber, um velho conhecido. Como não havia mais quem pudesse confirmar ou contrariar tal história, Orff foi inocentado e liberado para suas práticas musicais. | ||
Na República Federal da Alemanha, Alemanha Ocidental (1949 – 1990), vai viver a plenitude de seus direitos sem se preocupar em interesses políticos ou de sobrevivência, sendo convidado logo a princípio para trabalhar na Rádio da Baviera com músicas para crianças, e com seu alto potencial criativo, adaptou seu programa escolar para difusão radiofônica, envolvendo crianças em práticas melódicas e rítmicas. | ||
Embora bastante controverso e uma figura oportunista, é inegável a sua contribuição para a educação musical, muito mais que suas composições, sendo ao lado de grandes nomes da educação musical, um dos maiores do século XX. | ||
Para os profissionais da música, também soube colaborar. Nas décadas de 1950-1960 passa a ministrar “composição avançada” na Escola de Música de Munique. Em 1961 passa a dirigir o Instituto Orff, na Mozarteum Academia de Música e Arte Dramática, em Salzburgo, Áustria, recém criado e com a finalidade específica de aplicação de seus métodos de ensino. | ||
Mesmo sendo descendente de judeu, conseguiu passar pelo período nazista sem maiores danos, tendo uma longa vida, morrendo em 29 de março de 1982, em Munique, vítima de um câncer, deixando Godela Orff, sua única filha, e um passado de quatro casamentos. Está enterrado no mosteiro de Andechs, onde ocorre um festival anual de música que leva seu nome. | ||
Referências: | ||
http://www.independent.co.uk/arts-entertainment/theatre-dance/features/ | ||
https://www.emmaus.de/ingos_texte/cultura/musica-e-shows/compositores-classicos/ |