Villa-Lobos e o Canto Orfeônico
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Villa-Lobos e o Canto Orfeônico

A história da educação musical no Brasil, remonta à chegada dos jesuítas à nossa terra, quando toda e qualquer arte era empregada para prender a atenção dos índios à catequese. E assim permaneceu sem muita mudança durante os séculos XVI, XVII...

Gesiel
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A história da educação musical no Brasil, remonta à chegada dos jesuítas à nossa terra, quando toda e qualquer arte era empregada para prender a atenção dos índios à catequese. E assim permaneceu sem muita mudança durante os séculos XVI, XVII e boa parte do século XVIII quando o Marquês de Pombal, procurando se igualar a ideia iluminista que dominava a Europa, instituiu um sistema de ensino laico, público e gratuito. Incluiu neste sistema a educação de artes no qual a música era matéria obrigatória.


Alguma mudança, que possamos levar em consideração, aconteceu somente no governo de Getúlio Vargas, o Estado Novo. Intitulado "Canto Orfeônico" este programa de educação musical não teve uma duração muito longa encerrando-se na década de 1960, tendo como nome principal o maestro Heitor Villa-Lobos.

Nascido em 5 de março de 1887, no bairro das Laranjeiras, zona sul do Rio de Janeiro, Heitor Villa-Lobos desde cedo despontou na música, e seu pai, diretor da Biblioteca do Senado, ao perceber o talento do menino, adaptou uma viola clássica para que ele aprendesse a tocar violoncelo, logo aos seis anos de idade. Foi o pai também, Raul Villa-Lobos, que o ensinou a tocar violão, e posteriormente aprendeu a tocar clarineta e saxofone, instrumentos que seriam úteis para ganhar a vida como músico em rodas de choro, a contra gosto de sua mãe que queria ver o filho médico.

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Com “Panqueca”, composição de 1900, aos treze anos de idade, começa a sua prolífica carreira de compositor, e embora não se tenha cópia da primeira peça, sabe-se que esta foi uma dentre tantas escritas para violão, instrumento para o qual escreveu vasto repertório e estudos específicos.


Em 1913 casa-se com a Lucília Guimarães, pianista que em 29 de janeiro de 1915 acompanha Villa-Lobos em seu primeiro concerto de obras próprias, no Teatro Dona Eugênia, em Nova Friburgo.


No inicio da década de 20, o mundo saía de um período de turbulência político e social. A primeira grande guerra deixou um vácuo em todos os campos humanistas. Em 1922, centenário da independência do Brasil, artistas, pintores, escritores e músicos, dentre os quais o maior nome foi o de Villa-Lobos, se uniram em São Paulo para iniciar o modernismo no Brasil. Com a finalidade de buscar uma identidade cultural brasileira, ou tupiniquim como muitos a descrevem, estes artistas incluíram em suas obras temas propriamente nacionais, como o índio, o sertanista, as matas, rios e riquezas naturais.  

Na Semana de Arte Moderna, Villa-Lobos fez três concertos, 13, 15 e 17 de fevereiro, mas o marco de sua apresentação foi o figurino do terceiro dia: terno e chinelos. Embora alguns tenham pensado que este gesto era uma expressão de ruptura com a formalidade tradicional, comprovou se tratar de um problema de gota, puro e simplesmente!!!

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Em 1923, a expensas do governo, passa uma temporada de um ano em Paris, promovendo a sua música nas principais casas da cidade.

Em 1927, sob o mecenato do milionário carioca Carlos Guinle, retorna a Europa e, já gozando de grande prestígio no meio musical, rege grandes orquestras pelo velho continente. Por lá também entra em contato com o método educacional empregado pelo húngaro Zoltán Kodály(1882-1967), o qual basea-se em improvisação vocal e livre codificação musical, sempre através do canto.


Iniciado em 1930 e terminado em 1945, o grupo de composições que lhe deu maior destaque, as “Bachianas Brasileiras”, aumentou ainda mais a sua popularidade internacional. Inspirado em Bach e os concertos de Brandenburgo, esta série de nove sinfonias para conjuntos instrumentais diversos, apresentou ao mundo a música instrumental brasileira em melodia, harmonia e ritmo.


Um dos temas mais conhecidos encontra-se em “O Trenzinho do Caipira”, presente nas “Bachianas Brasileiras Nº 2”, onde instrumentos de orquestra fazem a imitação perfeita de uma locomotiva em movimento. Uma história interessante sobre esta música é que ela teria sido uma resposta ao movimento sinfônico “Pacifc 231”(1923), do compositor francês Honneger, o qual simula o som de um moderno trem europeu em movimento. Mas, embora o trem tupiniquim não seja tão moderno quanto o europeu, o brasileiro soube expressar com maior precisão os movimentos da locomotiva caipira.


Na década de 30 também, vai se envolver politicamente, trazendo, aos olhos de alguns críticos, certa mancha a sua biografia. Para explicar este entendimento temos que recorrer a história.


No Período Romântico(1850-1910/1920), mais propriamente no final deste período, surgiu uma corrente conhecida por "movimento nacionalista", em que os compositores procuravam imprimir uma cultura musical própria de suas nações, com a elevação do sentimento patriótico através de hinos propriamente nacionais, canções folclóricas, marchas e musicalização da literatura com personagens nacionais.


Esse sentimento se prolongou e conforme foi se fazendo necessário, governos autoritários ao redor do mundo se utilizavam desta artimanha. No Brasil não foi diferente.


Com publicações que comprometeram a sua imagem, Villa-Lobos tornou-se aliado de Getúlio Vargas, e em 1932 assumiu a direção da Superintendência de Educação Musical e Artística (SEMA), e, mesclando ideais artísticos e políticos, institui um programa de educação musical denominado “Canto Orfeônico”.  

Tendo seu nome retirado do deus grego “Orfeu”, e em referência à primeira sociedade de coral, chamada “Orpheón” (França, 1831), este sistema de canto coletivo buscava associar disciplina, civismo e valorização de sentimentos patrióticos, alem é claro de acrescentar cultura musical e apurar o ouvido brasileiro para belas artes.

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Fundamentou seu método em três conceitos básicos:




- Califasia: busca da pronúncia perfeita do texto a ser cantado; 


- Califonia: busca do canto perfeito em melodia e afinação;


- Calirritmia: busca do ajuste perfeito entre cada palavra cantada e o ritmo da música.




Para o sucesso do programa, Villa-Lobos organizou a prática em escolas conforme a faixa etária dos alunos, implementando também a capacitação dos docentes; realizou uma coletânea de 137 arranjos e composições de temas folclóricos intitulado “Guia Prático”; e organizou grandes apresentações de canto orfeônico.


Em 1936, estando em Berlim, acompanhado por uma aluna de nome Arminda Neves d’Almeida, termina, por correspondência, seu casamento de 23 anos com Lucília Guimarães. Arminda, 22 anos mais nova que ele, será sua companheira até o fim de seus dias.


Em 14 de julho de 1945, funda a Academia Brasileira de Música, sendo o primeiro a presidi-la. Foi membro também da Academia de Belas Artes de Nova Iorque e Doutor Honoris Causa da Universidade de Nova Iorque.


Com mais de 700 composições musicais para diversos instrumentos e combinações, soube levar em seu trabalho a cultura nacional, propagando com excelência o nosso folclore, nossas riquezas, nossas matas e índios, utilizando-se de sons e instrumentos propriamente brasileiros.


Faleceu no Rio de Janeiro em 17 de novembro de 1959, ao lado de Arminda Neves d’Almeida, sem deixar filhos, pois não pode tê-los, devido uma doença venérea adquirida ao nascer.


Sua influência musical é tão grande que o dia de seu nascimento, 05 de março, foi oficializado como o Dia Nacional da Música Clássica.

REFERÊNCIAS:


GROUT, Donald J. & PALISCA, Claude V. “História da Música Ocidental”. Lisboa: Gradiva, 1988.



https://www.todamateria.com.br/semana-de-arte-moderna/.


http://agenciasn.com.br/arquivos/2087


https://www.ebiografia.com/heitor_villa_lobos/


https://vamosfalar-jornalismocultural.blogspot.com/2016/09/bachianas-brasileiras-villa-lobos-e.html


http://www.blogletras.com/2009/11/intervalo_17.html