A nova roupa do rei
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A nova roupa do rei

Um bandido, fugindo de outro reino, decidiu se esconder e fingir ser um alfaiate nas novas terras. Muito malandro, o bandido, o "novo alfaiate" conquistou a todos e até conseguiu uma audiência com o Rei. "Nas terras distantes de onde vim, inv...

Danilo Reis
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Naked King, Eremenko-Ugolnikova Elena
Naked King, Eremenko-Ugolnikova Elena

Naked king

Author:Eremenko-Ugolnikova Elena

Um bandido, fugindo de outro reino, decidiu se esconder e fingir ser um alfaiate nas novas terras. Muito malandro, o bandido, o "novo alfaiate" conquistou a todos e até conseguiu uma audiência com o Rei. "Nas terras distantes de onde vim, inventei uma forma de tecer a melhor de todas as roupas!" disse o farsante alfaiate. E continuou "Consigo tecer uma roupa que somente os inteligentes conseguem ver!". O rei, muito vaidoso, gostou da proposta e pediu ao bandido que fizesse uma roupa dessas para que ele usasse durante o grande desfile pela cidade. O bandido recebeu vários baús cheios de riquezas, rolos de linha de ouro, seda e outros materiais raros e exóticos, exigidos por ele para a confecção das roupas. Todos passavam na frente da alfaiataria e ele não parava de fazer sua performance: puxava panos, cortava o ar, olhava com cara de quem poderia fazer melhor, refazia e pendurava nada no mancebo. E assim o fez por semanas, enquanto recebia o dinheiro do rei. Claro que todas as pessoas que passavam pela janela alegavam ver o tecido, para não parecerem estúpidas. Até que um dia, o rei se cansou de esperar, e ele e seus ministros quiseram ver o progresso do suposto "alfaiate". Quando o falso tecelão mostrou a mesa de trabalho vazia, o rei exclamou: "Que lindas vestes! Fizeste um trabalho magnífico!", embora não visse nada além de uma simples mesa, pois dizer que nada via seria admitir na frente de seus súditos que não tinha a capacidade necessária para ser rei. Os nobres ao redor soltaram falsos suspiros de admiração pelo trabalho do bandido, nenhum deles querendo que achassem que era incompetente ou incapaz. O rei então vestiu sua nobre roupa invisível e desfilou pela cidade, exibindo-se. Durante o evento, contudo, uma criança, inocente e sincera, gritou "O rei está nu!". O grito é absorvido por todos, a sinceridade e o olhar da criança tocaram a todos. Os burburinhos começaram e todos começaram a confessar que não enxergavam a nova roupa do rei.

Este conto foi escrito pelo dinamarquês Hans Christian Andersen em 1837. O li pela primeira vez em um grande livro com diversos contos que meu pai me deu quando criança, mas, devido à pouca idade, interpretei de forma lúdico. Dessa simples história, conseguimos tirar algumas boas lições sobre orgulho, vaidade e, principalmente, a importância do feedback, que será o tema deste Day One. No livro “A regra é não ter regras, a Netflix e a cultura da reinvenção”, Erin Meyer e Reed Hastings contam como o Netflix saiu de uma empresa de locação de DVDs pelos correios à uma das grandes potencias mundiais do entretenimento e cinema, implementando uma cultura que eles denominaram de liberdade com responsabilidade. Um dos pilares dessa cultura é a sinceridade. Diga aquilo que você pensa, desde que tenha um intuito construtivo. A Netflix desenvolveu uma cultura de feedback nunca vista antes. Toda a equipe tem liberdade para dar um feedback para quem quer que seja, a qualquer momento. Essa cultura de dar feedback e expressar opiniões abertamente, ao invés da tradicional fofoca presente em grades organizações que costumar ser um grande câncer, reduzia as traições e politicagens e permitia uma evolução constante. Eles criaram a seguinte expressão: “Só fale de uma pessoa aquilo que você diria na cara dela". E sempre que alguém reclamava de alguém diretamente à Reed, fundador da Netflix, ele perguntava: “E o que essa pessoa respondeu quando você lhe disse isso diretamente?”. Geralmente, as pessoas que dizem o que pensam, geralmente são isoladas. Na Netflix, são abraçadas.

O grande problema do feedback e o que torna ele desconfortável no início é o simples fato de odiarmos a sinceridade. Poucas pessoas gostam de receber críticas. Receber notícias ruins sobre seu trabalho gera um sentimento de frustração, vulnerabilidade de insegurança. Isso é natural, não temos controle sobre isso. Enquanto recebemos esse tipo de feedback, nosso cérebro responde com as mesmas reações de fugir ou lutar contra uma ameaça física, liberando hormônios na corrente sanguínea, acelerando o tempo de resposta e intensificando todas as emoções. Essas emoções se tornam ainda mais exacerbadas quando recebemos um feedback negativo diante de um grupo de pessoas. Nosso cérebro está constantemente buscando a segurança e aceitação, atento a sinais de rejeição de grupos, que em tempos primitivos nos levariam ao isolamento e à morte. Quando esses sinais aparecem sob a forma de um feedback negativo, nosso cérebro ativa esses gatilhos primitivos e o impulso natural é fugir ou se defender. Da mesma forma, ao recebermos um feedback positivo, nosso cérebro libera ocitocina, o hormônio do bem-estar. Não é de se admirar que preferimos receber feedbacks positivos, principalmente quando estamos na frente de diversas pessoas. Porém, muitas vezes precisamos de um feedback mesmo que seja em frente à outras pessoas. Imagine que você esteja fazendo uma apresentação para um grupo de pessoas, promovendo alguma solução inovadora. À medida que sua apresentação se segue, você recebe questionamentos que o deixam um pouco inseguro e nervoso. Você então começa a apresentar de forma mais difusa, falando rapidamente e não respondendo aos questionamentos de forma clara e objetiva. Caso alguém não dê este feedback para você no momento, você terminará sua apresentação, não conseguirá ser claro ao expor suas ideias, seus colegas não conseguirão entender o seu real objetivo com este projeto e a empresa perderá um grande potencial inovação. Às vezes, precisamos de um toque para que possamos colocar nossa cabeça no eixo e trazermos resultados.

Para promover uma atmosfera de sinceridade e feedback constante em uma empresa, é necessário que abandonemos anos de condicionamento e crenças firmemente enraizadas como: “Dê feedback apenas quando alguém pedir” e “Elogie em público, critique em particular”. Por mais que eu tenha usado o termo feedback negativo, eu costumo dizer que não existe feedback negativo. Todo o feedback é construtivo. Por mais que recebamos uma crítica de um inimigo ou pessoa que deseja nos colocar pra baixo, faça uma reflexão. Às vezes é algo que realmente podemos melhorar e as pessoas invejosas amam usar nossas fraquezas como forma de nos desmerecer. O objetivo da Netflix com essa cultura é que todos se ajudem a obter sucesso, mesmo que isso signifique tocar nos sentimentos das pessoas, de vez em quando. E o mais importante, a Netflix criou uma metodologia tanto para dar como para receber feedbacks que, seguindo esses itens, podemos dar e receber feedbacks, deixando de lado as emoções. Apresento a vocês as Diretrizes de Feedback dos 4 A’s da Netflix.

DANDO FEEDBACK

Alvo a Alcançar

O feedback deve sempre ter um intuito construtivo. Dar feedback com o objetivo de desabafar frustrações, ferir intencionalmente outra pessoa ou promover sua proposta política não é tolerável. Explique com clareza como uma mudança de comportamento especifica ajudará o indivíduo ou a empresa, não como isso ajudará você.

Ação específica

Seu feedback deve se concentrar no que o destinatário pode mudar. Ao invés de dizer “Sua apresentação está minando sua mensagem” diga “Se você falar de forma mais detalhada e calma, sua apresentação será mais poderosa”.

RECEBENDO FEEDBACK

Agradecer

Ao receber críticas, a tendência natural do ser humano é reagir se defendendo ou se desculpando, por reflexo. Tentamos proteger nossos egos e reputações nos justificando ou nos desculpando. Quando você recebe um feedback, precisa combater essa reação natural e, em vez disso, se perguntar: “Como posso demonstrar gratidão por esse feedback ouvindo-o com atenção, considerando a mensagem com a mente aberta e não fincando na defensiva nem com raiva?”.

Aceitar ou Descartar

Você receberá muitos feedbacks de muitas pessoas durante todo o tempo. Precisa ouvir e considerar a todos, mas não é obrigado a segui-los. Agradeça com sinceridade e faça diversas reflexões sobre os pontos que foram comentados. Reveja situações anteriores e analise sua postura, como se fosse uma terceira pessoa. Por mais que todo feedback seja construtivo, você e a pessoa que dá o feedback devem entender que a decisão de reagir a ele depende exclusivamente de quem o recebe.

Quanto mais você avança em uma empresa, menor é o feedback que você recebe. Isso não apenas é disfuncional como também perigoso. Se um assistente da copa errar o ponto do café e ninguém lhe disser nada, não é grande coisa. Mas se o diretor financeiro errar no balanço e ninguém se atrever a questioná-lo, isso colocará a empresa em uma grande crise. O feedback é extremamente importante, independe de local e hora. Se está em uma reunião decisiva com um cliente importante e seu par está com alguma atitude que possa estar prejudicando a relação, tente discretamente passar um feedback ou peça licença para conversar a sós. Devemos ter a responsabilidade de nos desenvolver e ajudar nossos colegas a se desenvolver e o feedback é a forma direta e mais efetiva para melhoras pontuais. Quanto menos recebermos feedbacks, maior é a probabilidade de nos tornarmos o rei nu e trabalharmos inflados em ego ou cometendo erros bastante óbvios para todos, exceto para nós. Da mesma forma que o conto que narra a história de um tolo no poder, tão convencido de que usava a roupa mais sofisticada já feita, que desfilou nu diante dos súditos. Ninguém ousou criticá-lo, exceto uma criança sem entendimento de hierarquia, poder ou consequências. O feedback deve ser assim, livre de estigmas, hierarquia ou poder. O feedback deve ser sincero e com o único objetivo de ajudar o receptor a se desenvolver. Essa evolução constante tornará a empresa mais produtiva e evitará profissionais egocêntricos, tolos e que andem nu diante de seus erros.

Uma semana MEGA produtiva a todos! Vamos pra cima!