Construindo Impérios
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Aprenda a atirar com seu braço esquerdo
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Aprenda a atirar com seu braço esquerdo

O pelotão se preparava para mais um exercício militar rotineiro. O clima bucólico e quente das regiões nos redores de Budapeste ditava o ritmo dos militares. A Hungria, aliada do partido alemão nazista, estava na eminencia de retomar os terri...

Danilo Reis
5 min
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O pelotão se preparava para mais um exercício militar rotineiro. O clima bucólico e quente das regiões nos redores de Budapeste ditava o ritmo dos militares. A Hungria, aliada do partido alemão nazista, estava na eminencia de retomar os territórios da Eslováquia e parte da Iugoslávia e os indícios de uma participação maior na guerra estavam por vir. Durante a simulação de invasão, a equipe de infantaria fazia sua progressão em campo, quando de repente ouve-se um estouro entre o pelotão. Era para ser mais um treinamento normal, uma simulação. Será que haviam sido atingidos? Quando os soldados de infantaria retomaram a consciência em meio à fumaça e estridor em seus ouvidos, perceberam o que havia ocorrido. Károly Takács, então sargento do pelotão, estava no chão desacordado. Seu braço direito estava dilacerado e seu corpo estava com diversas escoriações. Uma granada defeituosa que estava em sua mão direita havia explodido. Essa seria mais uma história normal que diversos grupamentos militares de infantaria estão propensos a presenciar em todo o mundo. Dentre toneladas de granadas que foram utilizadas durante a segunda guerra, pouquíssimas tiveram o mesmo defeito. Qual a chance de uma granada explodir justamente na mão direita do melhor atirador olímpico destro da Hungria?

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Károly Takács era um exímio atirador. Aos 28 anos, colecionava diversos títulos militares e, em 1938, havia vencido o título mundial de tiro em pistola rápida. Ele era a maior esperança da seleção húngara para as Olimpíadas de Tóquio – as quais iriam ocorrer em 1940, porém foram adiadas em virtude da Segunda Guerra Mundial – até que foi convocado pelo exército e, justamente no ano que se tornou campeão mundial, seu sonho se foi em uma explosão à queima roupa. Károly passou um mês no hospital, se recuperando de sua amputação. Enquanto seu corpo se recuperava do desastre, sua mente mergulhava em uma densa e profunda depressão. Vivia se perguntando “Por que eu?” e tinha certeza que sua só lhe restava uma vida de fracasso e infeliz. Não poderia praticar o esporte, o qual era apaixonado, e teria sua aposentadoria do exército forçada. Foi então que, ao sair do hospital, seu treinador Laszlo Torok o esperava. De que adiantava treinador já que sua mão direita havia sido dilacerada em pedaços? “Aprenda a atirar com a mão esquerda. Você não tem mais a mão direita, essa é a realidade. Prepare-se para o campeonato nacional”, disse o treinador. O campeonato nacional aconteceria em menos de um ano, tempo extremamente curto para que Károly pudesse aprender a atirar com sua mão ruim e ainda torná-la boa o suficiente ao nível nacional. Durante meses, Károly treinou secretamente a estabilidade e precisão diariamente e incessantemente. No dia da prova, seus companheiros de equipe e antigos rivais foram cumprimentá-lo, imaginando que estaria ali para receber algum prêmio de honra. Estavam enganados. Károly estava ali para não só competir, como vencer o campeonato. Károly venceu diversos campeonatos na Hungria, até que em 1948, chegaram as Olimpíadas de Londres.

No primeiro dia de competição, Károly se deparou com Carlos Valente, então campeão e recordista mundial com 570 pontos. “O que faz aqui? Faz parte da equipe técnica ou do júri?”, perguntou Carlos Valente, sem saber das vitórias que Károly conquistara com seu braço esquerdo. “Vim para aprender”, retrucou Károly Takács. Carlos Valente iniciou os disparos. Ao todo, repetiu sua marca, totalizando 570 pontos. Károly se preparou para iniciar seus disparos, eis que sua arma disparou involuntariamente. O susto trouxe ao presente o momento em que a granada explodira. Károly manteve o foco e, de forma magnífica, acertou 580 pontos, 20 a menos que a máxima pontuação. Károly se consagrava campeão olímpico e novo recordista mundial. Na olímpiada seguinte, em Helsinque, Károly chegaria a 579 pontos, tornando-se bicampeão olímpico. A história de Károly nos ensina superação, determinação e mais uma dezena de características motivacionais e lindas no papel. A grande questão é: e se fosse você na pele dele? Muitos de nós tentaríamos atirar com nosso braço ruim, mas quantos de nós realmente conseguiríamos ser melhores do que com o braço bom? A superação só acontece se você projetar sua mente para ela. Não adianta só superar o desastre, o que você fará depois? Qual sua atitude após entender que seu braço direito não voltará?

Encontramos com situações traumáticas algumas vezes e o quanto essas situações influenciam em nossa vida e em nosso futuro varia de pessoa para pessoa. Alguns se abraçam à derrota e a usam de motivo para criar novos hábitos destrutivos que os levam em uma espiral descendente ao fundo do poço. Outros vivem em eterno conflito com seus traumas, ancorado aos seus problemas, o que o impedem de sair do lugar, oscilando em um pouco em baixo e um pouco em cima da superfície. Alguns superam e ficam livres para seguir e essa liberdade os fazem ter uma vida tranquila, com uma eterna sensação de alívio. Porém, Károly foi além de todas essas possibilidades. Utilizou seus medos, suas inseguranças como fonte de energia. Ele não pensou “Não tenho nada a perder” e sim “ainda tenho muito a ganhar”. Essa é a grande diferença entre um suicídio conformado e uma única chance de sucesso: o foco. Károly canalizou todas as suas energias com o mindset de que era possível ser o melhor do mundo e, à medida que evoluía e as conquistas apareciam, sua mente foi se fortalecendo cada vez mais. Muito diferente, caso ele tivesse um pensamento de suicida conformado. As vitórias chegariam e ele poderia achar que foram sorte e que o destino tem dessas. A melhor forma de superar qualquer trauma não é fugir, encará-lo de frente ou aprender a viver com ele. A melhor forma é utilizá-lo como combustível para sermos melhores. Se descobrir internamente. Conhecer aptidões que estavam escondidas no nosso mais profundo interior. Desenvolver habilidades que nunca pensamos que seríamos capazes de ter, tal qual diversos atletas paraolímpicos fizeram e nos mostraram que as limitações estão em nossa mente. O obstáculo não significa o fim do caminho. Como disse Marco Aurélio em seu livro Meditações: “Aquilo que impede a ação incentiva a ação. O obstáculo se torna o caminho”. Dessa forma, quando os traumas em nossas vidas se fizerem presentes, não os enfrente. Utilize-os como munição e aprenda a atirar com seu braço esquerdo.

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Uma semana MEGA produtiva a todos! Vamos pra cima!