Mantenha os pés no chão

Anteu, na mitologia grega, era um gigante filho de Poseidon, deus dos mares, e Gaia, a mãe-terra. Conhecido por uma força descomunal, Anteu obrigava a todos que passassem pelo deserto da Líbia, lutarem com ele até a morte, sendo que tais combates invariavelmente terminavam com a morte de seu oponente. A tática de Anteu consistia em arremessar seus oponentes contra o chão e esmagá-las. Era uma prática macabra fruto de uma devoção a seu pai: Anteu tinha o objetivo de construir um templo para Poseidon usando o crânio de suas vítimas. O herói Héracles, ou Hércules como conhecemos por seu nome romano, em travessia pela Líbia para realização de seus Doze Trabalhos, encontrou com Anteu e foi desafiado. Héracles aceitou o desafio e iniciaram um longo combate. Ambos tinham uma força sobre-humana, porém, Héracles, mais habilidoso, conseguia derrubar o seu adversário diversas vezes ao chão. Incrivelmente, Anteu voltava mais forte a cada derrubada. Diversas vezes o herói o lançava ao chão e Anteu punha-se de pé em um salto. Héracles ficava intrigado: como era possível ele levantar com tamanho vigor se em momentos antes estava à beira de ser derrotado, rastejando ao chão? Anteu era considerado invencível, mas ele tinha um segredo. O gigante extraía sua força do contato com sua mãe, a terra. Extremamente forte quando estava em contato com o chão, Anteu perdia seus poderes se fosse erguido no ar. Ao lembrar que o gigante era filho da Gaia, Héracles agarrou Anteu e o suspendeu ao ar com toda a sua força. O gigante foi enfraquecendo a cada segundo em que seus pés permaneciam afastados de sua mãe e foi esmagado até a morte.

A palavra humildade tem origem do latim humilis, que por sua vez surgiu da palavra grega humus. Humus significa terra e essa palavra servia como um adjetivo para dizer que algo estava mais próximo do solo. Essa proximidade ao solo, que tornava Anteu invencível, pode ser percebida em nossas vidas e relações. Humildade é um dos antônimos de uma pequena palavra que tem um poder enorme, possível de destruir famílias inteiras, grandes empresas e até as mais fortes nações: ego. Não estou falando do ego no sentido psicanalítico, psicológico, tão pouco freudiano. Estou falando do ego que está presente em nosso interior, tal como uma amígdala ou apêndice, que têm uma função ínfima, porém, ao serem inflamados, podem levar nosso corpo ao colapso. O ego não só nos faz acreditar que somos mais importantes, mais completos, mais preparados que os outros, como nos dá a sensação de sermos indestrutíveis. Por conta dele, nos consideramos tão superiores e inigualáveis, que nos impedimos de crescer e desenvolver nosso potencial.

Temos a inconstância do sucesso em nossas vidas. Vivemos de muitas derrotas e muitas vitórias. Nas ocasiões em que o fracasso protagoniza nossas vidas, somos levados a uma situação de abatimento e tristeza. A única saída é a autoconfiança, foco em si mesmo acima do todo. Porém, nos momentos em que o sucesso começa a aparecer, temos a péssima prática de continuar inflando nossa autoconfiança e, quando feita de forma desenfreada, o ego vem de carona. Quando estamos cegos em nossas próprias conquistas, não conseguimos identificar o que poderemos fazer para evoluir ainda mais e alcançar novos sucessos e ficamos nadando em nosso próprio orgulho. E são nesses momentos que nos afogamos. Eike Batista, que em 2008 tinha um patrimônio de 6,6 bilhões de doláres, disse na época que em cinco anos atingiria o posto de homem mais rico do mundo. Ao chegar à 6ª posição no ranking da Forbes, disse em uma entrevista sobre Carlos Slim, que na época liderava o ranking: “Não sei se vou ultrapassá-lo pela direita ou pela esquerda, mas vou passá-lo”. Capa de revistas e considerado diversas vezes o empresário brasileiro mais influente, Eike estava no topo em 2012 e sua autoconfiança egocêntrica era exposta em cada declaração e entrevista. Pois justamente no ano seguinte, sua curva de crescimento começa a inverter drasticamente, chegando ao final do ano com um patrimônio inferior a 80 milhões de dólares. Deixando de lado os crimes cometidos e relações com políticos corruptos, o ego foi fundamental para ruir a sua fortuna e vida. Verdade seja dita: corruptos calados sobrevivem mais do que os que cantam de galo.

Em O Ego é Seu Inimigo, Ryan Holiday divide nossas vidas em três etapas e aborda o ego em cada uma delas. Na primeira parte, denominada Aspiração, Ryan nos mostra como o ego pode atrapalhar nosso início de trajetória, momento em que não podemos nos desviar de nosso objetivo final por conta de pequenas vitórias que massageiam nosso ego. A segunda parte é o Sucesso, a qual é a mais perigosa, pois é repleta de bajuladores e pessoas que nos levantam, tal qual Héracles com Anteu, o que pode nos levar a sermos esmagados no ar, em pleno auge. E por último, o Fracasso, pois o ego nos impede de aprender com nossos erros e principalmente encontrar saídas alternativas, abrindo mão de nossas convicções, para que o prejuízo não seja tão grande. Devemos manter a plenitude estoica e confrontarmos nosso ego. Não precisamos nos glorificar por um sucesso, o próprio sucesso já é a própria glória. O que exacerbamos internamente não nos deve afetar, tal qual os fatores externos. Nossos erros não devem nos desmotivar, como nossos acertos não devem nos motivar. Nossa motivação é o resultado final, o objetivo, e seu combustível é o caminho. A cada passo, seja mais autoconfiante independentemente se esse passo foi um tropeço ou um passo largo, mas não esqueça de manter sempre o contato com o humus, com Gaia, a mãe-terra, a humildade, pois de lá vem nossa força. É de nossas origens que sabemos como somos fortes. A caminhada é longa e exaustiva, não gaste sua energia com autoafirmações e coroas de louros, afinal, Memento Mori. Continue andando e mantenha sempre os pés no chão ou será esmagado no ar por conta de egos hercúleos.

Uma semana MEGA produtiva a todos! Vamos pra cima!