Retornos Sobre a Sorte
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Retornos Sobre a Sorte

Faltavam algumas centenas de metros. O vento frio gelava as poucas partes do corpo que estavam desprotegidas. Havia alguma fadiga nas pernas e nos ombros, afinal, já haviam escalado cerca de duzentos metros no dia. O pico do monte Thunder no ...

Danilo Reis
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Photo: Ruka-Kuusamo Matkailu
Photo: Ruka-Kuusamo Matkailu

Faltavam algumas centenas de metros. O vento frio gelava as poucas partes do corpo que estavam desprotegidas. Havia alguma fadiga nas pernas e nos ombros, afinal, já haviam escalado cerca de duzentos metros no dia. O pico do monte Thunder no Alaska já estava visível, eis que Malcolm Daly, escalador experiente, oferece ao seu parceiro de escalada, Jim Donini, a oportunidade de ser o primeiro a chegar ao topo do monte. Estavam a novecentos metros de altitude em uma face que nunca antes havia sido escalada. Donini recusou a oferta, pois, segundo ele, Daly merecia esse presente. Daly subiu em direção ao pico utilizando sua picareta como uma garra e cravando firmemente os crampons de suas botas na imensa parede de gelo à sua frente. Levava a corda de segurança atada ao arreio em sua cintura, enquanto Donini o aguardava ancorado, soltando a corda e liberando a mobilidade do parceiro. Enquanto Daly escalava, ele fixava parafusos rosqueados em camadas de gelos que julgava firmes até o pico, e então, ao chegar em seu objetivo, prenderia a corda de segurança para que Donini pudesse fazer sua subida. Faltavam pouquíssimos metros e, ao se apoiar em um trecho de rocha, esta cedeu e o fez cair.

Três metros. Seis metros. Os parafusos que fixavam a corda de segurança se romperam. Quinze metros. Trinta metros. A corda rompeu a engrenagem e corria leve, puxada pelo peso do corpo em queda livre. Daly se chocou violentamente com seu parceiro, cravando seus crampons na perna direita de Donini. E continuou sua queda livre. Desceu mais cerca de vinte metros até que a corda tesou e Daly foi arremessado numa espécie de bungee jump, só que ao invés de um elástico, havia uma corda de alpinismo extremamente rígida. Com o impacto, dez dos doze filamentos de sua corda se romperam. A corda finalmente chegou ao seu limite e Daly ficou pendurado após uma queda de aproximadamente setenta metros, debatendo-se constantemente no grande paredão rochoso. O risco dos outros dois filamentos se romperem e Daly experimentar uma queda direta para a morte era eminente. Ao recuperar sua consciência, percebeu que suas pernas estavam estraçalhadas em diversas fraturas, totalmente inúteis. Sangrava bastante. Donini, ao tentar comunicação com seu parceiro sem sucesso, desceu ao seu encontro. Decidiram que Daly ficaria ancorado à parede, pois não teria a mínima condição de descer os novecentos metros sem ambas as pernas. Donini ficou encarregado de descer em busca de resgate. Ele teria que fazer isso o mais rápido possível, com uma das pernas rasgada por conta do acidente, pois Daly estava sangrando e eram comuns tempestades nessa região. Fez uma descida em ritmo intenso e o único pensamento que tinha em mente era salvar a vida do parceiro. Alguns minutos após chegar ao acampamento de base, Donini avistou um avião da Talkeetna Air Taxi com seu amigo Paul Roderick sobrevoando o vale. Donini fez sinal para que este descesse. Paul o levou até a estação de patrulha, economizando várias horas de caminhada. Ao organizar o plano de resgate, diversas tempestades foram detectadas pelos radares. Eles tinham pouco tempo. Um helicóptero foi enviado para o local e um piloto de resgate desceu ao encontro de Daly, arrancando-o da montanha. Poucas horas mais tarde, uma intensa tempestade envolveu o monte Thunder, espalhando destruição durante 12 dias de muita nevasca.

Durante as 44 horas desde o início da descida de Donini até o momento do resgate, Malcolm Daly se manteve no mesmo lugar. Constantemente ele fazia repetições de exercícios com os braços, girando-os em 360° por cem vezes, e com o abdômen, contraindo também por cem vezes. Fazia isso constantemente para manter o corpo aquecido e melhorar sua circulação. Daly teve em um único momento situações de má e boa sorte. Teve má sorte da rocha se partir e os parafusos se soltarem e boa sorte da corda resistir somente com dois filamentos. Teve boa sorte de Paul estar sobrevoando o acampamento exatamente no momento em que Donini havia chegado, economizando cerca de dez horas de caminhada do acampamento até a estação, evitando assim que a tempestade o alcançasse. Constantemente nos deparamos com boa e má sorte em nossas vidas. Muitas vezes usamos estes eventos como justificativa de vitórias ou infortúnios. Porém, mais importante do que a sorte, é o Retorno sobre a Sorte. De fato, a sorte teve um papel fundamental para a sobrevivência de Daly, mas não foi ela quem o salvou. Quem o salvou foram as pessoas e como elas se portaram em frente à boa e à má sorte.

Jim Collins em seu livro “Vencedoras pro Opção” discorre sobre essa história e faz um paralelo com nossa vida profissional. Acredito que podemos levar este aprendizado para todas as esferas de nossas vidas. O que faz a sorte efetiva é como lidamos com ela. O quanto conseguimos extrair de Retorno sobre a Sorte. Como abraçamos as oportunidades e como estamos preparados para as adversidades. Daly se manteve aquecido se exercitando mesmo com a dor constante de suas pernas trituradas e estando pendurado por diversas horas a um frio extremo, demostrando um preparo físico descomunal. Ele levava mantimentos na mochila que o mantiveram alimentado e hidratado. Ele estava preparado e não se abateu durante uma situação extremamente adversa. Além disso, soube escolher seu parceiro de escalada impecavelmente. Donini era um experiente alpinista e conhecido pela sua agilidade e resistência. Escalou o Himalaia diversas vezes. Em muitos momentos estaremos em queda livre e seremos sustentados por poucos filamentos de corda. Em muitos momentos teremos a sorte de um avião estar sobrevoando a região enquanto buscamos resgate. O que realmente importa é como reagiremos à essas situações. Exercitaremos os nossos braços e abdômen mesmo em uma situação crítica ou ficaremos parados sofrendo por algo inevitável? Chamaremos a atenção de um avião com sinalizadores ou seguiremos nossa caminhada?

Collins exemplifica perfeitamente o Retorno sobre a Sorte com a história de Bill Gates. Bill nasceu em uma família de classe média que lhe deu a oportunidade de estudar em uma escola particular. Essa escola em 1950 era uma das poucas nos EUA que possuíam um computador, o qual despertou em Gates uma curiosidade infindável. Bill estudou em Harvard, mesmo abandonando o curso no meio do caminho para empreender e fundar uma empresa desenvolvedora de softwares. Anos mais tarde, fechou um contrato com a IBM para fornecimento do Windows e o resto é história. Será mesmo que se Bill, por exemplo, tivesse nascido na Cuba comunista, filho de um casal pobre, ele teria alcançado o mesmo sucesso? Com certeza não. Porém, não podemos usar este argumento para afirmar que a sorte foi responsável pelo seu sucesso. Ela teve seu papel, mas se não fosse a forma como Bill Gates a encarou e aproveitou sua oportunidade, nada disso teria acontecido. O que temos que refletir é: quantas inúmeras pessoas além de Gates tiveram acesso à uma escola com computador? Quantos gênios da computação estudaram em Harvard? Quantas pessoas não estavam diante das mesmas oportunidades que Bill Gates, ou até em condições mais favoráveis, mas não se interessaram ou até mesmo não enxergaram tais oportunidades? A IBM, antes de fechar o contrato com a Microsoft, teve uma reunião com uma grande empresa de software chama Digital Research. Após uma reunião tensa, cheia de conflitos e pontos antagônicos, a IBM desistiu de fechar o contrato com a Digital e deu a oportunidade para Bill Gates e Paul Allen, que agarraram com todas as forças e fizeram a Microsoft ser quem é hoje. Bill teve a sorte da reunião da IBM com a Digital ter sido um enorme fiasco, mas ele soube como ninguém aproveitar a oportunidade que caiu em seu colo. Não podemos dizer o mesmo de Gary Kildall, CEO da Digital Research.

Precisamos estar atentos a todas essas oportunidade e adversidades. Preparados para enfrentar todos os ventos contrários e aproveitar os ventos a favor. Expandir nosso foco para uma amplitude acima e analisar o nosso posicionamento frente à má e à boa sorte. As oportunidades sempre existirão e poucas pessoas estarão atentas a elas. Ao expandir nosso foco, conseguimos ter uma visão geral, o que é fundamental para uma tomada de decisão efetiva e, após decidir como deveremos agir, fecharmos novamente nosso foco para esse objetivo. Extrair de cada sorte o máximo de Retorno sobre a Sorte, bem como de toda adversidade o combustível para o resto da viagem. Assim, podemos fazer com que nossas boas sortes não figurem na lista de oportunidades que deixamos passar, nem que as más sortes sejam nossas eternas desculpas para o fracasso. Devemos tirar proveito das condições negativas e, em alguns momentos, transformá-las em vantagens, seguindo o pensamento de Nietzsche: “Aquilo que não me mata, me fortalece”.

Uma semana MEGA produtiva a todos! Vamos pra cima!