Dia 31 (15 de setembro) - Abstenção
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Dia 31 (15 de setembro) - Abstenção

Na medida em que o voto útil no primeiro turno se torna cada vez mais discutido e considerado, é a abstenção que se apresenta como principal ameaça à possível eleição de Lula no primeiro turno.

Diogo Machado
4 min
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Division Avenue, Orlando - Flórida
Division Avenue, Orlando - Flórida

Na medida em que o voto útil no primeiro turno se torna cada vez mais discutido e considerado, é a abstenção que se apresenta como principal ameaça à possível eleição de Lula no primeiro turno.

Conversando com minha diarista hoje no café da manhã, perguntei a ela onde era seu local de votação. Ela me disse que vota na Avenida João Pinheiro, na região central de Belo Horizonte, embora resida no bairro Padre Eustáquio, a mais de 7 km de distância. Para votar, ela terá que utilizar o transporte público e toda a inconveniência que o acompanha.

Quando transferiu o título para Belo Horizonte, após justificar o voto em oito eleições seguidas, ela recebeu ajuda de uma ex-cliente, que lhe cedeu o comprovante de residência e, por isso, seu local de votação foi designado na Avenida João Pinheiro. Fato é que seu depoimento ilustra a situação de muitos eleitores, sobretudo nas grandes capitais do Brasil. Milhões de pessoas que residem em comunidades ou que tiraram o título de eleitor de forma parecida a da minha diarista terão que percorrer grandes distâncias para exercer seu voto.

Isso influencia bastante na abstenção.

Conforme o TSE, a eleição de 2020 registrou o maior percentual de abstenção nas últimas décadas. Estávamos no auge da pandemia, é claro, mas outros fatores também contribuíram para esse recorde negativo: a desilusão com a política e a baixa escolaridade. O Tribunal Superior Eleitoral revelou que o maior percentual de abstenção encontra-se no segmento de eleitores analfabetos (46%), ao passo que o menor índice (19%) está entre eleitores que possuem o ensino superior completo. 

Em se considerando que o grau de escolaridade está diretamente ligada à renda das famílias, compreende-se a preocupação do PT com a abstenção. Para os estrategistas de campanha do partido, nessa reta final, deve ser feito um esforço extra para tentar mitigar a abstenção, afinal de contas, Lula possui 57% da preferência do eleitorado com renda de até 2 salários mínimos, contra 27% de Bolsonaro, de acordo com a última pesquisa Datafolha.

Na minha opinião, projetos de lei que instituam a gratuidade no transporte público, em dias de eleição, seriam muito bem-vindos. Não é razoável impor ao cidadão o voto obrigatório e, ao mesmo tempo, obrigá-lo a gastar dinheiro para se deslocar. Sabemos muito bem que 10 reais por pessoa, em um domingo, representa uma ou duas refeições para uma família de baixa renda.

Nos EUA, a política de “redlining”, para além da segregação racial e residencial nos centros urbanos, contribui para diminuir a presença de eleitores negros em dias de votação. O que acontece? O legislativo, sobretudo em estados do Sul - notoriamente racistas e de maioria Republicana -, impõe dificuldades eleitorais nos distritos majoritariamente negros, seja por meio de excesso de burocracia para registrar eleitores, seja por meio da redução de locais de votação, o que produz filas quilométricas. Além disso, há casos de mudança dos locais de votação para regiões afastadas, eleições em dia útil e por aí vai. A injustiça sociorracial está presente com bastante força lá também.

A tão adorada Orlando (FL), por exemplo, possui uma avenida chamada “Division Avenue”. Essa via literalmente divide a cidade entre os bairros negros e brancos, sendo uma herança bastante latente dos anos de segregação institucionalizada.

O voto do cidadão pobre brasileiro, apesar de não sofrer uma agressão tão direta como a que ocorre em diversos estados norte-americanos, é dificultado por essas questões logísticas. Vale uma conversa com nossos prestadores de serviço para pelo menos saber quais são suas condições de deslocamento no dia da eleição. 

A minha diarista faz questão de votar, mas muitos como ela preferem justificar o voto. É um problema que Bolsonaro agradece.

PS: a julgar pelos resultados das últimas pesquisas, o famigerado 7 de Setembro foi grande apenas entre os fanáticos do Bolsonarismo. As pesquisas mostram estabilidade e, por isso, Lula mantém viva a esperança de vencer no primeiro turno. Essas últimas semanas serão fundamentais para saber duas coisas: se Ciro Gomes e Simone Tebet irão perder eleitores para o voto útil e se Bolsonaro continuará a desastrada campanha de tentativa de conquista do voto feminino.