Dia 42 (26 de setembro) - O perigo que um segundo mandato de Zema representa para Minas - parte 3
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Dia 42 (26 de setembro) - O perigo que um segundo mandato de Zema representa para Minas - parte 3

No texto de hoje, apresento os motivos pelos quais o Regime de Recuperação Fiscal (RRF), defendido por Romeu Zema, representa um perigo para Minas Gerais. Na prática, o RRF colocará nosso estado em uma prisão orçamentária pelos próximos trint...

Diogo Machado
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Romeu Zema
Romeu Zema

No texto de hoje, apresento os motivos pelos quais o Regime de Recuperação Fiscal (RRF), defendido por Romeu Zema, representa um perigo para Minas Gerais. Na prática, o RRF colocará nosso estado em uma prisão orçamentária pelos próximos trinta anos. 

Na reestruturação da dívida mineira de 1998, o governo da época apresentou o montante de R$14,9 bilhões. Entre os anos de 1998 e 2019, no entanto, pagamos à União R$45,8 bilhões de juros e amortizações, pois o acordo fixado na década de 1990 previa uma taxa fixa no assustador patamar dos 45% ao ano da taxa selic.

Assusta pensar que, mesmo pagando mais de 3 vezes o valor original da dívida, em setembro de 2022, o montante devido por Minas Gerais à União encontra-se em R$85 bilhões. São 7 vezes mais do que o montante inicial. 

Antes de qualquer decisão por parte do governo atual, seria preciso auditar essa dívida para entender as irregularidades existentes. Contudo, o caminho escolhido por Zema foi outro…

O draconiano RRF precisa ser explicado, mas, antes disso, é preciso saber que, em 2018, o Supremo Tribunal Federal concedeu liminar ao estado de Minas Gerais para suspender os pagamentos à União, pois entendeu haver, como mostrei aqui, irregularidades nos valores.

Zema busca aderir ao RRF. Seus motivos públicos são o equacionamento da dívida (reconhecendo a existência dessa dívida que claramente já foi paga) e a racionalização dos gastos do estado. Eu imagino que haja um motivo velado muito positivo para o político do Novo: trata-se do fato de que a reestruturação dessa dívida, no âmbito do RRF, prevê uma SUSPENSÃO INICIAL DE 100% DO PAGAMENTO DA DÍVIDA NO PRIMEIRO ANO, com retorno progressivos desses pagamentos até o fim do RRF.

Ora, o segundo mandato de Romeu Zema não pagaria NADA à União e as parcelas subsequentes só iriam aumentando. Ou seja, os próximos governos é que ficariam com a maior parte dos compromissos dessa reestruturação. 

Segundo a Assembleia Legislativa de Minas Gerais e o próprio Tesouro Nacional, o RRF impõe aos estados algumas condicionantes, quais sejam:

  • O reconhecimento da dívida atual (R$85 bilhões);
  • A imposição de um teto de gastos para o estado (já vimos que essa experiência tem sido desastrosa nacionalmente);
  • A privatização de empresas públicas e o direcionamento exclusivo dos valores ao pagamento da dívida (no caso mineiro, Zema põe seus olhos sobre a Cemig e a Copasa);
  • O congelamento de carreiras e salários - além da impossibilidade de novos concursos, a não ser para reposição de vagas;
  • A proibição de alterações na alíquota de impostos.

Há outras condicionantes, mas essas já dão uma ideia de como nosso estado estará refém de um regime digno de aplausos dos diretores do FMI, nas décadas de 1980 e 1990. 

Em primeiro lugar, a imposição de um teto de gastos é de uma ignorância granítica. A pandemia da COVID-19 demonstrou que não se pode impor tais limites em investimentos públicos, sobretudo em áreas sujeitas a emergências, como saúde e educação. Hoje, o teto de gastos da União já se encontra cheio de buracos e remendos. É totalmente disfuncional.

A privatização de empresas públicas não deve ser um fim em si mesma, mas um meio pelo qual o Estado busque aumentar a eficiência na prestação de serviços. As parcerias público-privadas são positivas, as concessões rodoviárias e ferroviárias também. No entanto, estudos e mais estudos demonstram que monopólios naturais, como o tratamento e distribuição de água/esgoto e a geração e distribuição de energia, são mais eficazes quando controlados pelo poder público ou com arbitramento de preços.

A impossibilidade de novos concursos deixa o estado de Minas engessado nas próximas três décadas. Já imaginou, caro leitor, os próximos governadores construírem novas escolas e hospitais, com o objetivo de ampliar os serviços públicos, mas não conseguirem contratar novos servidores? O mesmo vale para a segurança pública.

Finalmente, a impossibilidade de alterar a alíquota de impostos impede qualquer tipo de política fiscal, seja para atrair investimentos (com a queda de impostos) ou para aumentar a arrecadação em um período de dificuldade (com o aumento das tarifas).

Para completar o abraço constritor da União sobre Minas Gerais, o RRF prevê a constituição de um Conselho de Supervisão. Esse conselho irá monitorar as ações do governo do estado para evitar o descumprimento do acordo e sugere políticas e mudanças na condução da economia. É inconcebível o fato de que os membros desse conselho, indicados pelo estado, pelo Ministério da Economia e pelo TCU, podem simplesmente vir do mercado financeiro. Não é preciso serem servidores de carreira.

As contas públicas de Minas Gerais e a forma pela qual o governo mineiro alocará seus recursos terão a supervisão de técnicos dos mesmos bancos diretamente interessados no pagamento da dívida. A população e suas necessidades certamente ficarão em segundo plano.

Não podemos aderir ao RRF sem um amplo debate em relação à própria legalidade da dívida de Minas Gerais, quem dirá aceitar condicionantes que, na prática, inviabilizam investimentos tão necessários para um estado desigual como o nosso. É preciso, também, questionar o acordo feito com a União que simplesmente abriu mão de R$135 bilhões devidos pela Lei Kandir.

Zema busca cumprir uma agenda neoliberal sem dialogar com a ALMG e com o povo mineiro. Isso é um erro e um perigo para o futuro do nosso estado.

O purismo ideológico do Partido Novo não só é disfuncional, pois parte de premissas notoriamente falhas, como o tal do Estado Mínimo, como é imoral, pois deixa a necessitada população de Minas Gerais e do Brasil sem amparo.