Antes do terrível AI-5, a ditadura militar instaurada no Brasil, em 1964, promoveu outros atos que cercearam liberdades e atacaram a separação dos poderes no país. Logo em 1964, o Ato Institucional número 1, dentre outras coisas, suspendeu a ...
Antes do terrível AI-5, a ditadura militar instaurada no Brasil, em 1964, promoveu outros atos que cercearam liberdades e atacaram a separação dos poderes no país. Logo em 1964, o Ato Institucional número 1, dentre outras coisas, suspendeu a imunidade parlamentar, para constranger o Poder Legislativo, cassou mandatos e suspendeu por dez anos os direitos políticos de cidadãos. | ||
Imposto em 1965, o Ato Institucional número 2, por sua vez, extingue os partidos políticos existentes e estabelece regras para a criação de novos partidos. O AI-2 também interveio nas atribuições do Poder Judiciário, ampliando de 11 para 16 o número de ministros do STF. | ||
A cooptação da Suprema Corte nacional, com a garantia da indicação da maioria dos membros, é característica comum em praticamente todos os regimes autocráticos. No Brasil, após o Golpe de Estado do dia 31 de março de 1964, o governo militar buscou limitar os outros dois Poderes da República, garantindo para o Executivo a predominância sobre as ações que viriam a determinar a história brasileira nas duas décadas subsequentes. | ||
É certo que, à época, em um contexto de Guerra Fria, no qual Estados Unidos e União Soviética disputavam a hegemonia ideológica em vários pontos do mundo, havia o temor de que o Comunismo viesse a ameaçar países historicamente próximos dos norte-americanos. Essa realidade permitiu certa condescendência por parte da Casa Branca para que ditaduras de direita fossem impostas na América Latina, sob o pretexto de se combater a ameaça comunista. No caso do Brasil, houve até mesmo cooperação do governo dos EUA. | ||
Atualmente, há menos espaço para que golpes de Estado tradicionais sejam aplicados em países cujas democracias funcionam de forma plena. Não se vê tanques nas ruas, Congressos sendo fechados e censura nas comunicações dos cidadãos com a mesma facilidade com que se verificava até, pelo menos, a queda do Muro de Berlim. | ||
A erosão das democracias, como está inteligentemente detalhado no livro Como as Democracias Morrem, de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, ocorre de forma paulatina. Líderes autocráticos como Jair Bolsonaro são eleitos, como parte de um processo de descolamento entre a elite política e o povo. Eles são a expressão da insatisfação popular com a má gestão da coisa pública e com a corrupção do sistema. | ||
Após sua eleição, contudo, esses líderes buscam minar as instituições estabelecidas. No caso brasileiro, desde o dia de sua posse, Bolsonaro vem atacando o Supremo Tribunal Federal e seus membros, afinal, a corte tem sido a última barreira contra ações flagrantemente inconstitucionais de seu governo. | ||
Ao mesmo tempo, o presidente desenvolveu, junto de sua rede de desinformação, uma campanha de longo prazo para desmoralizar a imagem do STF. Hoje, é muito comum que o brasileiro médio, sem conhecimento de causa, repita expressões como “ativismo judicial”, “ditadura de toga” ou “a culpa é do STF”. | ||
Lembra-se, caro leitor, de quando o irresponsável do Palácio do Planalto culpou a Suprema Corte por impedi-lo de agir durante a pandemia, concedendo poderes aos estados e municípios? Ora, o STF decidiu, com base na Constituição (artigo 23, inciso II) que todos os entes federativos devem atuar, de modo conjunto, no cuidado com a saúde. | ||
Ações como essa promoveram, e ainda promovem, o desgaste da corte com boa parte da população. | ||
Nesse contexto, elegeram-se deputados federais e senadores que defendem abertamente medidas que venham a intimidar ou reduzir o poder do STF. Na semana passada, em entrevista para a revista Veja, o vice-presidente e senador eleito, Hamilton Mourão, defendeu a opção de ampliar a suprema corte dos 11 atuais ministros para 16. Assim, um hipotético segundo governo Bolsonaro poderia blindar-se de suas decisões. Mourão também indagou sobre a possibilidade de abrir processos de impeachment contra ministros cujas decisões entende serem arbitrárias. | ||
Bolsonaro também se pronunciou a respeito, de forma até mesmo ameaçadora, e lembrou que ano que vem, em 2023, ele nomearia dois outros ministros. | ||
Esse comportamento é bastante similar ao adotado por Hugo Chavez, na Venezuela, após a tentativa de golpe sofrida em 2002. O ex-presidente do país sul-americano aproveitou a popularidade alta e promoveu reformas que, no limite, deram a ele maior (quiçá total) controle sobre o Poder Judiciário local. Hoje sabemos as consequências de medidas como essas. | ||
É preciso sempre estarmos vigilantes e entender o que realmente significa cada bravata bolsonarista. As democracias não morrem, no século XXI, como morriam antigamente. Os líderes extremistas, à direita e à esquerda, lançam mão de ações dentro das regras do jogo e vão corroendo os pilares democráticos estabelecidos. | ||
A derrota de Bolsonaro no dia 30 é não apenas uma questão civilizacional para o Brasil, mas também um imperativo para evitarmos a destruição de nossa democracia. |