Dia 56 (9 de outubro) - Como as Democracias morrem?
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Dia 56 (9 de outubro) - Como as Democracias morrem?

Antes do terrível AI-5, a ditadura militar instaurada no Brasil, em 1964, promoveu outros atos que cercearam liberdades e atacaram a separação dos poderes no país. Logo em 1964, o Ato Institucional número 1, dentre outras coisas, suspendeu a ...

Diogo Machado
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Antes do terrível AI-5, a ditadura militar instaurada no Brasil, em 1964, promoveu outros atos que cercearam liberdades e atacaram a separação dos poderes no país. Logo em 1964, o Ato Institucional número 1, dentre outras coisas, suspendeu a imunidade parlamentar, para constranger o Poder Legislativo, cassou mandatos e suspendeu por dez anos os direitos políticos de cidadãos. 

Imposto em 1965, o Ato Institucional número 2, por sua vez, extingue os partidos políticos existentes e estabelece regras para a criação de novos partidos. O AI-2 também interveio nas atribuições do Poder Judiciário, ampliando de 11 para 16 o número de ministros do STF.

A cooptação da Suprema Corte nacional, com a garantia da indicação da maioria dos membros, é característica comum em praticamente todos os regimes autocráticos. No Brasil, após o Golpe de Estado do dia 31 de março de 1964, o governo militar buscou limitar os outros dois Poderes da República, garantindo para o Executivo a predominância sobre as ações que viriam a determinar a história brasileira nas duas décadas subsequentes.

É certo que, à época, em um contexto de Guerra Fria, no qual Estados Unidos e União Soviética disputavam a hegemonia ideológica em vários pontos do mundo, havia o temor de que o Comunismo viesse a ameaçar países historicamente próximos dos norte-americanos. Essa realidade permitiu certa condescendência por parte da Casa Branca para que ditaduras de direita fossem impostas na América Latina, sob o pretexto de se combater a ameaça comunista. No caso do Brasil, houve até mesmo cooperação do governo dos EUA.

Atualmente, há menos espaço para que golpes de Estado tradicionais sejam aplicados em países cujas democracias funcionam de forma plena. Não se vê tanques nas ruas, Congressos sendo fechados e censura nas comunicações dos cidadãos com a mesma facilidade com que se verificava até, pelo menos, a queda do Muro de Berlim.

A erosão das democracias, como está inteligentemente detalhado no livro Como as Democracias Morrem, de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, ocorre de forma paulatina. Líderes autocráticos como Jair Bolsonaro são eleitos, como parte de um processo de descolamento entre a elite política e o povo. Eles são a expressão da insatisfação popular com a má gestão da coisa pública e com a corrupção do sistema.

Após sua eleição, contudo, esses líderes buscam minar as instituições estabelecidas. No caso brasileiro, desde o dia de sua posse, Bolsonaro vem atacando o Supremo Tribunal Federal e seus membros, afinal, a corte tem sido a última barreira contra ações flagrantemente inconstitucionais de seu governo.

Ao mesmo tempo, o presidente desenvolveu, junto de sua rede de desinformação, uma campanha de longo prazo para desmoralizar a imagem do STF. Hoje, é muito comum que o brasileiro médio, sem conhecimento de causa, repita expressões como “ativismo judicial”, “ditadura de toga” ou “a culpa é do STF”.

Lembra-se, caro leitor, de quando o irresponsável do Palácio do Planalto culpou a Suprema Corte por impedi-lo de agir durante a pandemia, concedendo poderes aos estados e municípios? Ora, o STF decidiu, com base na Constituição (artigo 23, inciso II) que todos os entes federativos devem atuar, de modo conjunto, no cuidado com a saúde.

Ações como essa promoveram, e ainda promovem, o desgaste da corte com boa parte da população.

Nesse contexto, elegeram-se deputados federais e senadores que defendem abertamente medidas que venham a intimidar ou reduzir o poder do STF. Na semana passada, em entrevista para a revista Veja, o vice-presidente e senador eleito, Hamilton Mourão, defendeu a opção de ampliar a suprema corte dos 11 atuais ministros para 16. Assim, um hipotético segundo governo Bolsonaro poderia blindar-se de suas decisões. Mourão também indagou sobre a possibilidade de abrir processos de impeachment contra ministros cujas decisões entende serem arbitrárias.

Bolsonaro também se pronunciou a respeito, de forma até mesmo ameaçadora, e lembrou que ano que vem, em 2023, ele nomearia dois outros ministros. 

Esse comportamento é bastante similar ao adotado por Hugo Chavez, na Venezuela, após a tentativa de golpe sofrida em 2002. O ex-presidente do país sul-americano aproveitou a popularidade alta e promoveu reformas que, no limite, deram a ele maior (quiçá total) controle sobre o Poder Judiciário local. Hoje sabemos as consequências de medidas como essas.

É preciso sempre estarmos vigilantes e entender o que realmente significa cada bravata bolsonarista. As democracias não morrem, no século XXI, como morriam antigamente. Os líderes extremistas, à direita e à esquerda, lançam mão de ações dentro das regras do jogo e vão corroendo os pilares democráticos estabelecidos.

A derrota de Bolsonaro no dia 30 é não apenas uma questão civilizacional para o Brasil, mas também um imperativo para evitarmos a destruição de nossa democracia.