“Apenas o amor não é suficiente. É preciso muita luta para vencer o ódio!”
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“Apenas o amor não é suficiente. É preciso muita luta para vencer o ódio!” | ||
Essa é uma das frases de impacto ditas pelo personagem Dr. Burt Berendsen, interpretado por Christian Bale, no filme Amsterdam. | ||
O filme é daqueles que dividem opiniões. Muitos críticos estão pegando pesado com o diretor David O. Russell pelo roteiro demasiadamente quebrado e edição frenética do filme. Outros, contudo, estão maravilhados justamente por isso. | ||
Fato é que entender o contexto histórico ajuda bastante. | ||
Para mim, a experiência foi muito positiva, sobretudo pelo fato de o tema abordado ser bastante relevante para o contexto em que vivemos, apesar da trama se passar no ano de 1933. | ||
O filme possui, basicamente, duas camadas. A primeira, mais superficial, consiste na solução de um misterioso crime por três amigos que se conheceram na Europa, durante a Primeira Guerra Mundial. A segunda, pano de fundo para a história como um todo, trata-se do controverso esquema para derrubar o então presidente norte-americano, Franklin Delano Roosevelt. | ||
Mas por quê falar disso aqui no diário? | ||
Falo sobre Amsterdam, pois o chamado “Putsch de Wall Street de 1933” foi um complô fascista, inspirado nos camisas negras de Mussolini e na ascensão Nazista liderada por Hitler. O golpe tentaria colocar um fim na democracia norte-americana e, caso bem-sucedido, poderia ter mudado os rumos da história. Ficou, felizmente, apenas no plano das ideias. | ||
O objetivo era colocar abaixo o governo Roosevelt, que fora eleito em 1932, com a promessa de massiva intervenção do Estado na economia, para salvar os trabalhadores norte-americanos da ganância dos industriais e do sistema financeiro que provocaram a grande crise de 1929. Insatisfeitos com o New Deal (plano de recuperação econômica de Roosevelt), os banqueiros de Wall Street e até mesmo a Suprema Corte dos Estados Unidos agiram sobremaneira para diminuir o poder do salão oval da Casa Branca. | ||
O complô, dizem os arquivos do Congresso norte-americano, envolveu grandes banqueiros como J. P. Morgan e foi desmantelado após a delação de um prestigiado General aposentado, que teria sido convidado pelos manda-chuvas de Wall Street a liderar veteranos da Primeira Guerra em uma marcha sobre Washington. | ||
Em tempos de Invasão do Capitólio, nos EUA, e de cooptação do bicentenário da Independência, com gritos de ameaça à democracia, no Brasil, esse filme tem uma importância diferente. Tivesse sido lançado antes dos governos Trump e Bolsonaro, seria só mais um pastiche engraçadão. | ||
O risco atual, de modo similar à ascensão nazi-fascista dos anos 1920-1930, não se coloca apenas à democracia liberal do Ocidente. Trata-se de uma ameaça civilizacional. Estamos diante de extremismos que, aos poucos, tentam impor certos costumes conservadores a toda sociedade (proibição da educação sexual, reforço do racismo estrutural, proibição abrangente do aborto, reforço da estratificação social, homofobia, misoginia, desrespeito ao meio ambiente e aos povos nativos). | ||
Como um bom amigo costuma repetir, são nossos valores que nos separam de movimentos como o Bolsonarismo e o Trumpismo. | ||
Em Amsterdam, por trás da trama envolvendo crimes misteriosos, está a deliciosa efervescência cultural europeia dos anos subsequentes à Primeira Guerra, quando as vanguardas artísticas tomaram conta de grandes centros urbanos, como a capital dos Países Baixos, Paris ou Berlim. Era tempo do Ragtime e do Jazz nos rádios, da massificação do cinema, do Surrealismo, do Dadaísmo e de todas as outras artes modernistas. | ||
O filme aborda o fim da Belle Époque, a fragmentação do mundo com a Grande Guerra (chamada à época de “A guerra que acabaria com todas as guerras”). Aborda também a maneira como as artes recolhiam os fragmentos dessa sociedade e os transformava em algo novo, belo e provocador. | ||
O filme fala ainda sobre segregação racial nos Estados Unidos, ainda que pretos e brancos lutassem juntos por seu país no estrangeiro. Fala a respeito da reação nazista e fascista aos movimentos de vanguarda, vistos como degenerados e tresloucados. Reação esta que se assemelha muito aos ataques que artistas têm sofrido nos últimos anos aqui no Brasil, com um Ministério da Cultura que faz apologia ao Nazismo e promove o desmonte do setor no país. | ||
Outra frase repetida no filme é a seguinte: "A história se repete porque ela acaba sendo esquecida." | ||
É preciso não esquecê-la, caros amigos. | ||
Lembrar do passado, de forma crítica e problematizadora, ajuda-nos a lutar contra este ódio crescente da contemporaneidade. E, nesse contexto, o cinema, a música, as artes plásticas e todas as outras formas de expressão artística são nossos aliados. | ||
Diferentemente do historiador, que busca entender o passado, artistas têm a sensibilidade necessária para interpretar o presente. Eles nos ajudam a compreender nossa sociedade e nos provocam a respeito das injustiças e perversidades do mundo. Sem sua arte, talvez não abriríamos nossos olhos para tudo isso. | ||
Amsterdam é um filme-panfleto. Veio para nos contar uma história do passado, embora fazendo uma reflexão profunda sobre nosso presente. | ||
PS: Christian Bale talvez tenha entregado sua melhor atuação e Margot Robbie segue encantadora como sempre. O filme traz um elenco de estrelas: John David Washington, Anya Taylor-Joy, Rami Malek, Robert De Niro, Zoe Saldaña, Mike Myers, Taylor Swift e Chris Rock. | ||