Dia 63 (16 de outubro) - O Antipetismo, a Lava-Jato e o Bolsonarismo
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Dia 63 (16 de outubro) - O Antipetismo, a Lava-Jato e o Bolsonarismo

Quando Luiz Inácio Lula da Silva, o líder sindical mais importante da segunda metade da década de 1970, participou da criação de um novo partido político, juntamente com a intelectualidade paulistana e líderes da Igreja Católica, já havia, na...

Diogo Machado
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Quando Luiz Inácio Lula da Silva, o líder sindical mais importante da segunda metade da década de 1970, participou da criação de um novo partido político, juntamente com a intelectualidade paulistana e líderes da Igreja Católica, já havia, na sociedade brasileira, oposição a suas aspirações políticas.
O antipetismo é tão antigo quanto a própria criação do Partido dos Trabalhadores.
Inicialmente, esse fenômeno foi liderado pela ditadura militar, que buscou atacar recém-criados partidos nacionais, entre eles o PT, especialmente nas eleições para governador, em 1982. Era necessário manter o mínimo de controle sobre processo de abertura política.
O antipetismo evoluiu, na medida em que o partido ganhava notoriedade e adesão popular. Na Assembleia Constituinte, o antipetismo foi liderado pelo Centrão (sim, o Centrão já existia desde 1987, quando partidos da direita democrática e do centro se uniram para conduzir a redação da Constituição). Assim, as pautas mais progressistas da esquerda, liderada pelo PT e pelo PDT de Brizola, especialmente no que diz respeito à reforma agrária, foram escamoteadas do texto constitucional.
Na primeira eleição livre das amarras ditatoriais à Presidência da República, em 1989, o antipetismo ganhou corpo. Junto aos políticos da direita, somaram-se a grande mídia (especialmente a TV Globo) e a classe média, que morria de medo de eleger um Presidente “analfabeto” e que até hoje, do alto do seu preconceito linguístico, pensa dominar a norma culta da língua portuguesa. 
Fernando Collor de Mello foi eleito como o “Caçador de Marajás” e o escolhido do povo brasileiro para nos livrar da hiperinflação e da ameaça operária de Lula e do PT. O resultado, como sabemos, não foi o esperado.
Na década de 1990, o neoliberalismo do Consenso de Washington, do Fundo Monetário Internacional (FMI) e dos governos de Fernando Henrique Cardoso ampliaram as fileiras do antipetismo. Nesse contexto, o PT era, segundo os “antis”, o representante do atraso econômico (até mesmo do comunismo), ao passo que o antipetismo, sustentado pelo êxito do Plano Real em conter a inflação descontrolada, era representante das melhores práticas econômicas internacionais (ditadas pela Casa Branca).
Foi na década de 1990 que se consolidou a destruição da imagem dos movimentos populares do campo. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) foi duramente atacado pelos formadores de opinião, como o falecido Arnaldo Jabor, em horário nobre, ao longo de todos os oito anos de governo tucano.
A histórica eleição de Lula, em 2002, arrefeceu momentaneamente o antipetismo, embora o escândalo do Mensalão tenha reavivado as críticas. A compra de votos no Congresso foi um choque importante para o partido que tinha no combate à corrupção uma de suas principais plataformas. Agora, no poder, o PT tinha um enorme teto de vidro.
Essa vulnerabilidade não pôde ser explorada de forma eficaz, não enquanto Lula estivesse no poder, pois os resultados econômicos de seus governos foram muito acima da média. O antipetismo hibernava…
Foram os protestos de 2013, a meu ver, o ponto de inflexão.
A economia brasileira estava mais vulnerável (após decisões macroeconômicas equivocadas, em um contexto de crise na Zona do Euro e pressão inflacionária interna). As demandas difusas da população não tiveram resposta satisfatória do governo Dilma. O antipetismo ganhou, então, novo impulso.
Este novo capítulo da história política brasileira materializou-se na deflagração da Operação Lava-Jato, em março de 2014. Para além das questões de mérito da operação, um grande esquema de corrupção, envolvendo partidos da base aliada do governo, inclusive o próprio PT, deveria ser suficiente para reavivar o antipetismo e eleger Aécio Neves. Assim, parte considerável da insatisfação difusa de 2013 foi canalizada para a indignação com o “Petrolão” e a corrupção endêmica na administração petista.
Contudo, o malogro do PSDB e a reeleição de Dilma, em 2014, fizeram com que os “antis” dobrassem a aposta e esticassem a corda da democracia para limites perigosos. Aécio Neves e seu partido contestaram o resultado da eleição presidencial e pediram a recontagem dos votos. O TSE confirmou a vitória de Dilma Rousseff que, por isso, passou a ser bombardeada de críticas nos principais jornais do país, muitas das quais foram injustas, desrespeitosas e até misóginas.
O antipetismo incorporou, então, a bandeira da Lava-Jato. Movimentos como o VEM PRA RUA e o MBL lideraram manifestações contra o governo, especialmente aquelas na Avenida Paulista, na Praça da Liberdade e na orla de Copacabana. Foi o antipetismo que motivou a estratégia das pautas-bomba do Congresso Nacional, responsáveis por minar o governo e contribuir para a queda da Presidenta. O golpe chamado de impeachment foi o primeiro passo (hoje sabemos que não houve crime de responsabilidade). 
Em seguida, a Lava-Jato de Sérgio Moro, sob o pretexto de combater a corrupção, foi encarregada de sacramentar a derrocada petista. Era preciso evitar que Lula pudesse voltar à cena política, pois seu apelo popular fatalmente falaria mais alto que qualquer outro candidato da direita ao posto máximo do Executivo nacional.
As ações abusivas da Operação Lava-Jato, em conjunto com as manifestações da tradicional família brasileira e os destrutivos minutos diários no Jornal Nacional, colocaram em xeque, pouco a pouco, a viabilidade de uma candidatura de Lula para recuperar a presidência. Foi assim que Sérgio Moro, Deltan Dalagnol e companhia atropelaram todo e qualquer processo penal, e desrespeitaram preceitos constitucionais (sob o olhar cúmplice do tão criticado STF) para incriminar Lula, ainda que sem provas em sua sentença condenatória.
Hoje fica claro que a Lava-Jato (e Sérgio Moro) era apenas uma etapa da metamorfose do antipetismo. Foi o histórico ódio irracional ao PT, alimentado de forma constante desde seu surgimento, o pano de fundo da política brasileira desde o fim da Ditadura Militar. 
A aversão ao PT, antes simples lagarta, ganhou força dentro do alvéolo da Lava-Jato, para nascer a bruxa em forma de Bolsonarismo.
A presença subserviente de Sérgio Moro no debate de ontem somente reafirma o que suas atitudes, à revelia da lei, comprovaram: desde a absurda condução coercitiva, passando pela prisão do ex-presidente (no fatídico 7 de abril de 2018), até a adesão ao governo Bolsonaro (asqueroso político do baixo clero, eleito em uma daquelas reviravoltas da história que pegam a gente de surpresa).
Hoje, o Bolsonarismo age como uma sombra tolkieniana, que engole tudo à sua volta. Tudo o que toca perde qualquer resquício de bondade e civilidade. Não existe mais Centrão, Collor de Mello, PSDB, MBL ou Lava-Jato. Antipetismo e Lava-Jatismo são apenas partes de um todo: o Bolsonarismo. 
A extrema direita apoderou-se de um sentimento de parte da sociedade brasileira que, hoje, já deve se afigurar nos dicionários de ciência política. 
As imagens de Sérgio Moro ao lado de Bolsonaro no debate demonstram o óbvio: antes de qualquer projeto para o Brasil, seja ele econômico, institucional ou securitário, vem a destruição do maior partido popular da América Latina. Junto com ele, todas as conquistas sociais das primeiras décadas deste século são nada mais que efeitos colaterais.
PS: Traçar essas considerações em relação à realidade política nacional em nada exime o PT das críticas que, com justeza, podem ser a ele direcionadas. Eu mesmo tenho muitas. No entanto, o perigo de se colocar a destruição de um partido que representa parcela tão significativa da população brasileira acima do desenvolvimento nacional justo e inclusivo coloca em xeque a própria democracia. Além disso, alimenta o ódio e a falta de escrúpulos do bolsonarismo.