Quem é você na fila do pão?

"Para acreditar no elogio dos outros, elogie mais a si."

No ensino médio, eu fui o típico CDF, em todos os termos esteriotipados da palavra: quietão, focado e meio invisível. Eu me achava um completo ninguém -- e por eu mesmo me ver dessa forma, os outros me enxergavam igual. Além disso, como um bom CDF que sentava na primeira fileira, meu antagonista era o skatista da galera do fundão: sempre atrasado, um pouco relapso, e completamente nem aí. Um dia, o destino nos uniu em um trabalho de dupla (e o destino tem nome: Marlí, minha professora de Biologia que adorava fazer essas gracinhas de juntar pessoas distintas da sala).

O trabalho era simples: listar as organelas de uma célula animal sem consultar o livro. Automaticamente peguei minha régua e comecei a desenhar em meu caderno um quadro de proporções perfeitas, com colunas igualmente espaçadas. Zero liguei pro Christian, afinal, com certeza ia sobrar pra mim. Após elaborar aquela belíssima tabela, digna de uma planilha de Excel, comecei a listar as organelas -- e travei.

Para o meu choque, meu colega de carteira havia feito um desenho perfeito da célula, com todas as suas organelas. Ele puxou várias setinhas e foi nomeando cada uma. Meu espanto para o fato de ele ter feito o exercício foi suplantado pela minha urgência em apontar seu erro: "a profa pediu uma tabela, não um desenho" (insira aqui um emoji com cara de desdém, que foi o que eu estava fazendo na hora).

Ele, muito calmo, respondeu algo que me marcou demais: "olha em volta: tem várias duplas; na fila do pão a gente é só mais um. Se não somos ninguém agora, significa que somos um tudo em potencial -- e isso permite que a gente faça o que quiser, desde que atenda o que ela quer"(OBVIAMENTE não foram essas exatas palavras, até porque eu não lembro nem o que comi ontem, mas a essência da mensagem foi essa).

E, nossa, como aquele tapado tava absurdamente certo -- não só sobre aquela situação, mas sobre a vida como um todo. Enquanto eu tava super preocupado com a forma, ele pensou no conteúdo, na entrega, e inovou: o motivo do desenho, segundo ele, é que ele não conseguia se lembrar de textos corridos, mas sua memória fotográfica era boa o suficiente pra ele decorar esquemas e imagens com facilidade.

Saindo um pouco do foco Christian, o ponto aqui é: quem é você na fila do pão? 

Vivemos, a todo instante, um paradoxo muito curioso: ao mesmo tempo que achamos que não somos ninguém, ficamos receosos de fazer qualquer coisa pensando no que os outros vão achar. E aí, fica a questão: se na nossa cabeça a gente não é ninguém, nossa arte não é importante e nosso talento não é notável, por que a gente teria medo de colocar a cara a tapa, então?

Psicologicamente, isso tem nome: Síndrome do Impostor. Nosso cérebro é muito querido, sempre criando armadilhas. Uma delas é essa síndrome, a qual pode ser caracterizada como um desvio psicológico que traz comportamentos pessimistas a uma pessoa em relação a si própria e às suas conquistas. Às vezes a gente se prende numa caixa, com medo de arriscar muito e frustar a expectativa dos outros. Mas, na maioria dos casos, ninguém colocou expectativa nenhuma, na real -- é só a gente terceirizando nossa preocupação e personificando ela no outro.

"Nossa, então isso significa que tá todo mundo c@g*ndo pra mim?" Tecnicamente, é isso mesmo. A gente precisa de uma vez parar com esse estigma de nos colocarmos numa posição de holofote constante, porque a luz intensa dá medo, paralisa, trava a gente. Óbvio que somos importantes, mas somos humanos. E humanos estão sempre em constante evolução.

Se o conceito de Síndrome do Impostor é novo para você, te adianto que ele é mais normal e recorrente do que parece. Então, vamos mudar a chavinha? Em vez de nos martirizarmos por achar que podemos quebrar as expectativas que os outros colocam na gente, lembre-se que ninguém aqui tá no BBB sendo vigiado 24/7, e isso implica entender que nossas ações não são tão observadas assim quanto a gente acha que são.

Além disso, sabe aquela sensação constante de inferiorização? Ressignifica isso também: se de fato nós todos esse Zé Ninguém que as vezes pensamos ser, que ótimo! "se não somos ninguém, somos tudo em potencial". E, quando a gente entende isso, a criatividade flui de uma forma absurda. Isso é se desfazer de crenças limitantes (e, convenhamos: de limitante já basta todas as circunstâncias que a gente enfrenta enquanto creator; para que manter esse estigma na nossa cabeça?).

Por isso: crie, co-crie, ouse, invista, se jogue. Assim como numa fila, tem gente na nossa frente, mas também tem muita gente atrás, e a gente não pode deixar de reconhecer a posição que a gente ocupa. E, na mesma linha, tal qual numa fila: fique de boa! Sua hora vai chegar.

Quem é você na fila do pão? Ninguém? Que ótimo -- você é um tudo em iminência!

PS: no final eu acabei cedendo e entregando o desenho do Christian como a resposta do trabalho. Ela queria uma lista, de fato. Mas isso era um caminho para ela verificar quem aprendeu de fato as organelas. E quem diria: nossa dupla foi a única que citou todas por completo (valeu, Christian!)

💡 Ronaldicas

A dica da semana é romântica -- e musical: às vésperas do dia dos namorados (12), a billboard divulgou uma lista com as 50 melhores músicas com a palavra love.

A primeira no pódio é uma queridinha minha: Endless Love, de Lionel Richie e Diana Ross. Fica aí a sugestão de playlist pro final de semana, rsrs.

🌍 O que mais rola na Creatorsfera

• Essa Apple... Rolou o Apple Worldwide Developers Conference, conferência anual da Apple para desenvolvedores em que rolam vários anúncios dos babados da empresa, e um em especial chamou a atenção: a maçã criou o Apple Room Plan, um recurso que digitaliza e cria plantas 3D de uma sala interior. É a onda do VR/AR amassando!
• Web 3.0 com o pé na porta! A Binance, corretora de criptomoedas, criou um fundo de US$ 500 milhões em parceria com a DST Global para investir na uébitrês. Essa iniciativa segue o movimento recente da Sequoia Capital e Andreessen Horowitz de aumentar sua exposição aos criptoativos -- e aos poucos o mercado vai perdendo seu medo!
• Cadê os gamers? A Microsoft anunciou um dispositivo de streaming em nuvem chamado "Keystone" para Xbox, no qual os usuários poderão conectá-lo a qualquer TV ou monitor, dispensando a necessidade de console. 

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