Mistério, magia, verdade: nada é revelado
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Mistério, magia, verdade: nada é revelado

Em “The Ballad of Frankie Lee and Judas Priest", toda ação é exibida para o ouvinte, mas as motivações e trabalhos interiores dos personagens são difíceis de determinar. Assim Jim Beviglia resume a canção, tema da newsletter de hoje.

Gab Piumbato
4 min
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Em “The Ballad of Frankie Lee and Judas Priest", toda ação é exibida para o ouvinte, mas as motivações e trabalhos interiores dos personagens são difíceis de determinar. Assim Jim Beviglia resume a canção, tema da newsletter de hoje.

Há quem veja as faces dos integrantes dos Beatles nesta capa
Há quem veja as faces dos integrantes dos Beatles nesta capa

Presente em John Wesley Harding (1967), esta é a música que tem a maior duração entre todas deste disco, com incríveis 5 minutos e meio, quando a maioria sequer passa dos três minutos. Tem também a segunda maior quantidade de citações bíblicas numa canção (15), atrás apenas de "I Pity the Poor Immigrant" (16). São 11 estrofes de 8 versos cada para contar a história de dois personagens que lidam com problemas terrenos mas parecem conversar sobre problemas espirituais e o significado correto das palavras ("It's not a house, it's a home").

A longa duração, o ritmo bem marcado e constante, a dicção dylanesca que não dá um respiro entre as estrofes e o solo de gaita que irrompe no fim - tudo pede uma nova audição. E a cada vez que esta canção soa no repeat, mais misteriosa se torna. Chris Gregory aponta para alguma semelhança com Beckett, como se Dylan apresentasse os conceitos de pecado e redenção sem resolvê-los.

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Larry David Smith parece ter o melhor insight aqui: ao evitar resolver a sua história, Dylan amplia o seu leque como contador de histórias. É uma transição das suas canções faladas e de narrações como “Bob Dylan’s 115th Dream”, “Motorpsycho Nightmare”, "Only a Pawn In Their Game" etc, para canções mais livres, como as presentes em Blood On The Tracks

Gravada em apenas um take, só foi tocada ao vivo a partir da turnê com o Grateful Dead em 1987. Engraçado como esta versão se assemelha muito à energia de "Tangled Up in Blue" da Rolling Thunder Revue - e até mesmo das turnês evangélicas. Que ele não a tenha revisitado principalmente no período de 79-81 é um argumento forte contra uma interpretação puramente voltada para as referências bíblicas.

Os Dead não gostaram muito desses shows - nem o próprio Dylan. Tudo era muito rápido para que conseguissem assentar a mão numa canção. Esta era a fase em que Bob havia perdido a confiança em si próprio como artista e como cantor, como performer, alienado das próprias canções. A inclusão de "Frankie Lee and Judas Priest" deve ter sido uma ideia dos Dead, já que Dylan aceitava tudo, indiferente e deprimido.

Esta canção viu os palcos em apenas 20 vezes, sendo que só voltou ao setlist no ano 2000. Aqui, Dylan realmente parece ter se apossado dela pela primeira vez, escandindo as palavras de forma clara e com sentimento:

Duas bandas derivaram seu nome desta canção: o grupo de heavy metal Judas Priest e a os punks suecos Frank Lee. No vídeo a seguir, você pode ver Dylan conversando com miúdos fãs de Judas Priest - talvez desconhecendo a origem do nome:

Ontem li esta citação de Adrienne Rich: poemas são como sonhos: você coloca neles o que você não sabe que sabe. E o que Dylan sabe que nós não sabemos? Neste caso, eu acho que nem ele sabe. Creio que a melhor aposta aqui é aceitar a parábola religiosa ou então negá-la de forma peremptória, considerando tudo um sonho ou apenas uma composição apressada e incompleta para cumprir o contrato com a gravadora. Este disco foi gravado contra a própria vontade dele, tudo foi feito às pressas - embora o longo tempo afastado dos estúdios certamente colaborou para que a criatividade represada fosse liberada num jato - e o resultado dessa correria é um álbum que ainda hoje tem perguntas que não sabemos resolver.

Como dylanhóolicos, buscamos significados e sentidos em qualquer verso, em qualquer mudança no fraseado e no tom de sua voz, criamos as teorias mais complexas que expliquem este universo. Mas se o sentido final desta canção nos escapa - e talvez escape até ao próprio compositor - não devemos crer num universo desprovido de significado ou absurdo como o de Beckett. A vida não é uma piada, canta Dylan em outra canção deste disco.

Fique com este belo cover de Thea Gilmore, que também regravou John Wesley Harding em sua integridade:


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Estou escrevendo um texto por dia para esta newsletter durante o mês de setembro. Este é o décimo terceiro.  Você também pode ler a discografia comentada de Bob Dylan aqui. Até amanhã!