É impossível não conhecer a Rappi. A startup colombiana é um dos maiores fenômenos mundiais, com crescimento absurdamente rápido e valor de mercado estratosférico (US$ 2,5 bilhões no momento que escrevo esse texto). | ||
Quem mora em uma das 64 cidades do Brasil que a Rappi está presente atualmente vê as bags e as jaquetas laranjas em todo lugar. O "delivery de tudo" vem transformando os hábitos de consumo das pessoas. | ||
Esse crescimento foi conquistado com estratégias muito agressivas, criativas e pouco convencionais (além de muito dinheiro também). | ||
A intenção desse estudo é contar parte das estratégias utilizadas por eles e aprofundar nas pontos mais interessantes e não construir um "guia de hacks a serem copiados". As informações foram retiradas de fontes públicas como notícias, entrevistas, site da Rappi. | ||
Também trago a minha visão dos principais riscos e desafios do modelo de negócios da empresa e quais são minhas apostas sobre os próximos passos da Rappi. | ||
Os tópicos a serem discutidos são: | ||
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O que é a Rappi e como ela funciona? | ||
A Rappi é um marketplace que conecta entregadores com usuários dispostos a comprar praticamente qualquer coisa. Isso não é uma mera figura de linguagem; a grande proposta de valor da startup é ser um “delivery de tudo”. Por meio da plataforma, é possível pedir comida pronta, guloseimas, serviços de beleza, entre outras possibilidades que vão bem além do convencional. | ||
O usuário pode solicitar que um entregador passe em sua loja de preferência e compre uma peça de roupa, por exemplo. Também dá para receber dinheiro em espécie, entregar documentos, deixar roupas na lavanderia, usar patinetes e bikes elétricas, deixar o cãozinho para passear, entre inúmeras possibilidades de entregas e serviços que caibam na caixa do entregador. | ||
A Rappi quer ser vista não somente como um serviço de entregas, mas sim como um assistente pessoal que resolve problemas e simplifica a vida das pessoas. | ||
A Startup foi fundada na Colômbia pelos sócios Felipe Villamarin, Sebastian Mejia e Simon Borrero, a partir de um investimento inicial de U$ 2 milhões. Atualmente, ela opera na Argentina, Brasil, Chile, Colombia, México, Perú e Uruguai. | ||
Em agosto de 2018, a empresa alcançou o valuation de U$ 1 bilhão e se tornou o primeiro unicórnio colombiano. E desde lá já cresceu bastante! | ||
Números da Rappi | ||
Todos esses números foram retirados de reportagens, entrevistas ou notícias sobre a empresa. Como a empresa cresce muito rápido, é certo que a maioria desses números já estão desatualizados. Porém eles ajudam a dar uma boa noção da ordem de grandeza. | ||
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Como a Rappi ganha dinheiro? | ||
Essa é uma pergunta muito comum em empresas que crescem tão rápido. E a verdade é que a Rappi encontrou várias maneiras de ganhar dinheiro, da mais óbvia a menos esperada. | ||
1) Comissão cobrada aos estabelecimentos | ||
Essa é a parte óbvia e a principal fonte de receita. A Rappi cobra uma comissão por venda realizada. O valor não é público, mas fica entre 10 a 25% sobre o pedido. | ||
A flexibilidade das taxas é utilizada para atrair parcerias estratégicas, já que contas maiores e mais importantes recebem condições mais vantajosas. O mais importante é manter os preços no app similares ao "mundo físico". Assim o consumidor realmente não fica comparando no momento da compra. | ||
2) Taxa de entrega | ||
Em várias verticais a Rappi repassa todo o valor da taxa de entrega para o entregador (supermercado, comida e muitas outras), enquanto em outras nem tudo é repassado (como no caso do “Qualquer coisa” — onde o entregador pode ir na feira comprar um caldo de cana por exemplo). Nesses casos a Rappi ainda tem uma pequena receita. | ||
3) Comissão para posicionamento de marcas | ||
Em função do alto volume de acessos e ser praticamente a gôndola de um supermercado digital, a Rappi também ganha dinheiro como veículo, cobrando de grandes marcas um posicionamento de destaque dentro do app. É algo bem similar ao que é feito pelas redes de supermercado com suas gôndolas. Os valores não são públicos. | ||
4) Rappi Prime | ||
O Rappi Prime é um modelo de assinatura (muito similar ao conceito da Amazon Prime), em que o cliente paga uma mensalidade e passa a ter frete grátis ilimitado e descontos exclusivos nos pedidos acima de um determinado valor. Apesar de ser principalmente um mecanismo de retenção, não deixa de ser uma das fontes de receita da Rappi. | ||
Nesses modelos a empresa passa a ter 3 tipos de usuários: | ||
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Não sei ao certo como se dá a distribuição dos usuários nesses grupos, mas mesmo que haja mais usuários que fazem muitos pedidos, certamente a diminuição nas margens da empresa é compensada por dois fatores: | ||
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Certamente, na soma total, os clientes Prime trazem muito mais receita para a Rappi. | ||
5) Rappi Pay | ||
É o meio de pagamento da Rappi. Agora é possível pagar os estabelecimentos utilizando o próprio app e os Rappi créditos. A receita aqui vem da taxa cobrada por transação, como uma máquina de cartão. | ||
Porém, acredito que tenha uma estratégia maior por trás com o Rappi Pay. Falo mais sobre isso em estratégias de crescimento. | ||
Por que a Rappi cresce e vale tanto? | ||
Como já falado no início do texto, a Rappi cresce num ritmo absurdo e já vale bilhões de dólares. Mas por que isso acontece? O que a Rappi tem de tão especial? | ||
Acredito que seja uma combinação de 4 grandes fatores: | ||
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Explicando cada um com mais detalhes: | ||
1) Altíssima recorrência e retenção através de diversos serviços | ||
Apesar do 'delivery de comida' ser a maior parte dos pedidos da Rappi, ser mais abrangente e incluir diversos serviços foi o ângulo encontrado por eles para brigar de frente e se diferenciar do iFood e UberEats. | ||
Ao entrar em várias outras verticais e de fato se tornar o "delivery de tudo", a Rappi consegue fazer que seus usuários usem muito mais o app, com mais recorrência e em horários além dos horários de refeição. Isso ajuda a manter a demanda de pedidos ao longo do dia, barateia o serviço e engaja os entregadores (que passam a ter pedidos durante todo o dia e por isso acabam preferindo a plataforma). | ||
Além disso, entregar de tudo e prover qualquer tipo de serviço é uma excelente estratégia para conseguir fazer o mais difícil: mudar o hábito do consumidor e gerar maior recorrência e retenção. | ||
2) Experiência incrível e personalizada do cliente | ||
O segundo grande fator foi se posicionar como um assistente pessoal que realmente simplifica a vida das pessoas. Para conseguir fazer isso de verdade, foi preciso que desde o início a Rappi entendesse muito bem as necessidades de seus clientes. | ||
Uma das formas de gerar essa experiência incrível foi designando um shopper em cada supermercado parceiro, uma pessoa específica que se comunica diretamente com o cliente e entrega as compras da forma que ele quer. Se foi pedido uma rúcula mas ela está em falta, o shopper consulta o cliente e pergunta se há uma segunda alternativa. Se as frutas não estão tão maduras, o usuário é consultado para saber se o item deve ser levado ou não. | ||
Esse movimento foi muito importante pois, até então, as compras online em supermercado ainda não tinham uma boa usabilidade e por isso não eram realmente utilizadas. Especialmente por algumas decisões de compra serem mais complexas, como é o caso de frutas e alimentos frescos. Como confiar que o supermercado vai entregar a banana no ponto ideal, nem verde demais e nem muito madura? | ||
Outra forma muito incrível de personalização foi a criação do campo aberto para os usuários pedirem “qualquer coisa”. A ideia aqui é que o usuário pudesse pedir por qualquer "favor" — bastava explicar direito. Além de ajudar muito os usuários, acabou se tornando uma ótima fonte de ideias de novos serviços que pudessem ser incorporados à Rappi. A opção de entrega de dinheiro vivo, por exemplo, surgiu daí. | ||
O campo “qualquer coisa” é fonte para um infinidade de histórias peculiares: | ||
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Essas possibilidades geram experiências incríveis, personalizadas e memoráveis para os clientes, o que ajuda muito na fidelização. | ||
Outro ponto de destaque é a interface do aplicativo, desenvolvida pela Grability (uma plataforma de e-commerce utilizada por empresas com Walmart e El Corte Inglés) e que se assemelha às prateleiras de supermercado. Bastante intuitiva e elucidativa, ela permite ao cliente acompanhar todas as etapas da compra e pagar com dinheiro, débito ou cartão de crédito. | ||
3) Parceria com os melhores restaurantes e estabelecimentos | ||
Aqui temos um dos principais vetores da estratégia agressiva da empresa. A Rappi identifica rapidamente os restaurantes mais desejados pelos consumidores e lhes apresenta propostas personalizadas, oferecendo tarifas competitivas e acompanhamento constante. Esses players se tornam key accounts da Rappi e passam a ter uma relação muito próxima com a empresa, que disponibiliza um gerente de conta, apoio logístico, investimento em marketing e muita troca de feedbacks. | ||
O caso da hamburgueria Vinil é um bom exemplo dessa relação de proximidade. As entregas pelo aplicativo representam hoje cerca de 8% do volume total de pedidos. Há uma cozinha separada para a Rappi e um shopper designado pela empresa para atuar em cada unidade da hamburgueria. Munido de um tablet, ele organiza a ordem dos pedidos e entrega cada um deles aos motoboys. | ||
Essa abordagem individualizada para as key accounts garante a solução de uma dor muito comum entre estabelecimentos mais sofisticados: ter um serviço delivery sem arcar com os custos específicos de logística e marketing e garantir que o pedido chegue com a mesma qualidade que na loja física. | ||
4) Dinâmica sócio-econômica dos países que atua | ||
Por fim, a Rappi se beneficiou bastante ao escolher países e mercados com uma dinâmica sócio-econômica mais desfavorável. | ||
Nos EUA e na Europa, os produtos são baratos e a mão-de-obra é cara. Já na América Latina, dado o alto nível de desemprego, acontece o inverso: a mão-de-obra é barata e os produtos são caros. Essa dinâmica favorece justamente o modelo de negócios da Rappi, que monetiza sobre os produtos entregues em cima de uma operação de baixo custo. | ||
Além disso, a América Latina é uma região que alia densidade urbana (200 milhões de habitantes vivendo em grandes metrópoles) à precariedade de serviços e logística. No México e na Colômbia, apenas 15% das pessoas têm cartão de crédito, ou seja: as pessoas dependem bastante de dinheiro e fazem saques com frequência. | ||
Tudo isso gera inúmeras dores que a Rappi resolve, como fazer entregas diversas e transportar dinheiro, a partir de uma estrutura logística eficiente e mais barata. | ||
A proposta de ser um aplicativo para pedir e resolver tudo é outro acerto, e diz respeito às especificidades do mercado LATAM. Afinal, enquanto nos EUA há vários nichos (um serviço para pedir comida vegana, outro para vegetarianos, outro de produtos para Pets, etc), por aqui as pessoas não costumam ter hábitos de consumo tão específicos e nem espaço disponível para instalar tantos aplicativos, o que torna mais forte ainda o apelo por um só app que atenda todas as demandas. | ||
Estratégias de crescimento da Rappi | ||
A trajetória da Rappi é marcada por inúmeras táticas de crescimento — os famosos growth hacks. Abaixo uma lista de táticas bem interessantes — e na maioria das vezes pouco convencionais: | ||
1) Donuts por downloads | ||
O início da empresa ocorreu em Bogotá, nas proximidades da sede. A área restrita de atuação (cinco quarteirões) permitiu que todos os estabelecimentos comerciais — restaurantes, sorveterias, farmácias, confeitarias, etc - fossem mapeados. Munidos de uma enorme quantidade de donuts, os fundadores ofereciam o doce em troca do download do aplicativo. | ||
Esse foi o impulso inicial da Rappi, que mostrou rapidamente a sua proposta de valor e que em seis meses depois já tinha conquistado 200 mil usuários apenas na capital colombiana. | ||
2) RP (Relações Públicas) pouco convencional | ||
Entrega de trabalho na USP, transporte de colchão, entrega de chaves reserva, rapaz de ressaca acordado pelo entregador… Essas e outras histórias inusitadas eram anotadas pelo Customer Service, que depois procurava os veículos de mídia para contar essas histórias. A Rappi conseguiu capitalizar essas histórias muito bem, principalmente por chegar de um jeito tão diferente na mídia. | ||
E como era histórias muito curiosas, acabaram viralizando bastante. Estes esforços de RP funcionaram muito bem na chegada da empresa ao Brasil, especialmente para as pessoas entenderem que a Rappi era muito mais que “a concorrente do iFood”. | ||
3) Investimento em mídias alternativas | ||
Além disso, a Rappi buscou promover sua imagem usando mídias pouco convencionais. Alguns exemplos: inseriu a marca em clipes da Anitta, Luísa Sonsa e Enzo Paixão, entregou a bola da final da Copa São Paulo de 2019, providenciou que a Jenifer em pessoa fosse entregue no show do Gabriel Diniz — que lançou o hit do verão de 2019 — e muitos outros. Por fugir do tradicional, chamava atenção e ainda tinha um efeito de viralização muito grande. | ||
O case Lollapaloza também vale a menção. Para fugir dos valores altíssimos da cota de patrocínio oficial, a Rappi se posicionou na saída do metrô, fora do evento, e distribuiu 10.000 bonés laranjas para o público, algo muito útil em uma tarde de sol forte. Como resultado havia milhares de pessoas ostentando a marca da empresa dentro de um evento musical de enorme projeção. | ||
O boné se tornou onipresente no festival e virou objeto de desejo entre os participantes. A iniciativa foi muito divulgada na internet e resultou em forte exposição da marca. | ||
4) Roupas chamativas | ||
Você pode não ter usado a Rappi ainda, mas é impossível morar em uma das cidades que a Rappi está e não ter visto alguma pessoa de laranja. Antes da Rappi, nenhuma empresa de fato "vestia o entregador". O máximo que era feito era a personalização do baú da moto. | ||
Os motoboys compram jaqueta e bag de boa qualidade por um valor abaixo do mercado, diretamente de um fabricante. Isso ajuda muito com o ponto abaixo, de onipresença. | ||
5) Rappi “everywhere” — sensação que estão em todos os lugares | ||
Ao circularem pela cidade de jaqueta laranja, os motoboys contribuem com uma estratégia apelidada de Rappi “everywhere” (Rappi em todo lugar), que entre outras coisas estabelece a percepção de onipresença da marca. | ||
O segredo consiste em escolher a dedo as regiões da cidade em que vão se estabelecer. A Rappi não abre operações na cidade inteira de uma só vez, mas foca em uma microrregião e por lá se estabelece. Isso evita o risco de perder densidade, qualidade do serviço e retenção (o que costuma ocorrer caso se opere de uma vez só em toda uma cidade). | ||
O foco em uma só microrregião faz com que todos os esforços e todo o dinheiro se concentre, gerando tração e crescimento rápido naquele local. Pessoas que moram ou trabalham nesta região acabam vendo muitos motoboys e shoppers, todos utilizando os coletes da marca. Isso gera a mencionada sensação de onipresença, de domínio da cidade. Desde muito cedo, as pessoas têm a percepção de que a Rappi é muito maior do que realmente é — consequentemente, passam a confiar mais na marca. | ||
6) Rappi Prime | ||
Como já foi dito acima, um dos principais desafios dos apps de entrega é criar o hábito de consumo nos usuários. O Rappi Prime é justamente a estratégia da empresa para vencer essa briga. O foco não é apenas na aquisição de novos usuários, mas sim no aumento de recorrência de pedidos e retenção (fidelização dos clientes). Uma vez que você paga um valor de mensalidade bem atrativo, você tende a querer fazer "valer" aquele investimento. | ||
Essa estratégia foi criada pela Amazon, que oferece frete grátis e uma série de descontos e benefícios para os associados. Dados de 2018 mostram que usuários prime gastam uma média mensal de U$ 1.400, enquanto os demais gastam menos da metade; U$ 600 em média. Além disso, a recorrência de compras é muito maior. | ||
7) Rappi Pay | ||
Na minha opinião o Rappi Pay é uma das estratégias mais inteligentes da Rappi, pois tem um timing excelente, não é tão óbvia e compete de forma assimétrica com os concorrentes. Na minha percepção, o Rappi Payfunciona não somente como um mecanismo de receita (por meio da cobrança de tarifas em cima de cada transação), mas principalmente como um mecanismo de aquisição de novos usuários. | ||
Explicando melhor: O mercado de maquininhas de cartão virou uma briga de foice, com muitos players onde praticamente os únicos diferenciais competitivos são reduzir cada vez mais as taxas de adquirência e tempo para receber o dinheiro. | ||
Ao invés da Rappi tentar buscar receita no curto prazo com essa frente e enfrentar toda essa concorrência, preferiu entrar nessa briga de forma diferente. Na prática, a Rappi implementa esse meio de pagamento onde as condições para o comerciantes são desproporcionalmente melhores que as soluções de maquininhas atuais. Isso faz com que o comerciante estimule o pagamento via Rappi Pay de várias formas, uma delas através de plaquinhas espalhadas em todas as mesas do restaurante. Além disso, diversos estabelecimentos estão dando descontos e outros benefícios para os clientes que utilizem o serviço. | ||
Como a Rappi não tem os custos físicos e logísticos das maquininhas de cartão, é possível oferecer taxas menores ou até nulas. Mas onde a empresa ganha nessas transações? Justamente na aquisição de novos clientes, na fidelização e no incentivo a incorporar o Rappi Pay a seus hábitos de consumo. | ||
8) Parceria com a Grin (patinetes) | ||
Há também parcerias estratégicas que funcionam como um excelente motor de crescimento. É o caso dos patinetes da mexicana Grin, que podem ser acessados diretamente pelo app da Rappi. | ||
Ambas as empresas se beneficiam da parceria. A Rappi ajudou a estabelecer a Grin nos países que ela operava. Enquanto isso, a mexicana entrou com aporte de capital e ajuda a Rappi no fortalecimento de marca e na aquisição e retenção de clientes — os patinetes acabaram funcionando como outdoors da Rappi porque estão espalhados por toda cidade. | ||
9) Member Get member | ||
O "Member Get Member" é a estratégia de indicação da Rappi, onde ela estimula que usuários traga novos usuários. Geralmente isso é feito através de incentivos para quem está convidando e para o convidado. No caso da Rappi atualmente o estímulo é o seguinte: "Receba 30 reais por cada amigo que fizer seu primeiro pedido com seu código e dê 150 reais em frete grátis". | ||
Essa é uma estratégia comum nos apps mas muito poderosa se bem feita. | ||
Inclusive, você pode usar o meu cupom se quiser :P | ||
O grande desafio aqui é criar um prêmio que seja bom o suficiente para motivar o usuário a convidar e trazer novos usuários, mas que ainda seja saudável para os números da empresa, especialmente o CAC (Custo de Aquisição de Clientes). | ||
Afinal, se eu der 5 mil reais de crédito para cada novo usuário, certamente teremos muitos novos usuários, porém a conta não fecha e a empresa não vai durar. | ||
10) Influenciadores | ||
A Rappi também investe pesado na associação de sua marca com influenciadores digitais, tanto no nível micro (influenciadores de nicho) quanto no macro (Didi, Palmirinha, Ana Maria Braga, etc). Eles são presença constante nos perfis da marca nas redes sociais. | ||
Pela minha experiência com influenciadores, são poucos os que realmente trazem ROI (retorno sobre investimento) direto através de novos clientes. Porém, acabam tendo um efeito de marca interessante. Provavelmente o que a Rappi faz é testar vários influenciadores, medir o retorno deles e decidir quais vale a pena continuar investindo e quais não. | ||
Quais os principais desafios e riscos da Rappi? | ||
Assim como toda empresa, a Rappi possui alguns desafios e riscos pela frente. Na minha visão, são eles: | ||
1) Uso intensivo de capital | ||
Como é uma empresa que quer e precisa crescer muito rápido, é necessário "queimar" bastante dinheiro para fazer isso. Isso significa sacrificar as margens de lucro e ser muito agressivo nas estratégias de crescimento para dominar o mercado. | ||
Não conheço os números da Rappi e posso estar falando besteira, mas acredito que seja possível que a Rappi acabe entrando na trajetória do Uber, que cresceu de uma maneira absurda mas que não tem previsão de lucro. | ||
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Isso pode acontecer especialmente por ter concorrentes tão poderosos e capitalizados como iFood e UberEats, que também estão dispostos a queimar bastante dinheiro para crescer rápido. | ||
2) Manter experiência do cliente e qualidade do atendimento mesmo com crescimento acelerado | ||
Outro efeito comum de crescimento muito acelerado é a perda de qualidade nos serviços e atendimento. Isso acontece principalmente porque muitas vezes a estrutura da empresa não consegue acompanhar o crescimento. | ||
Isso aconteceu com a Uber, que expandiu vertiginosamente sua base de motorista e perdeu em qualidade do serviço. Esse é um ponto muito sensível, pois uma experiência ruim pode afastar definitivamente um usuário, que passa a ser um detrator da marca. | ||
Nesse sentido, provavelmente a principal métrica que a Rappi acompanha é o percentual de pedidos com algum tipo de problema. É claro que será comum um número cada vez maior de críticas públicas porque apesar de a taxa de falha se manter a mesma, o número absoluto de clientes só vai aumentar (afinal, 0,5% de 1 milhão de pedidos é muito maior que 0,5% de 50 mil pedidos). | ||
3) Má educação do mercado e dos consumidores | ||
Um risco grande é o uso exagerado de cupons promocionais — um efeito que só aumenta pela competição com empresas muito capitalizadas. Os cupons são muito interessantes para gerar aquisição de novos usuários ou retenção de antigos, mas pode afetar a sustentabilidade do negócio, “viciando” o consumidor e o acostumando a só comprar com desconto. | ||
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A grande questão aqui é entender o quanto dessa fatia extra de mercado, conquistada com cupons, é de “viciados em descontos” e quanto é de reais potenciais consumidores. A saída mais elegante nesse caso é usar realmente uma estratégia de segmentação de usuários e fazer as promoções e ofertas de acordo com perfil demográfico e de consumo. | ||
4) Risco a imagem da empresa | ||
Vestir os motoboys com as cores da empresa traz uma série de benefícios para a marca e a sensação de onipresença. Porém como os trajes são adquiridos pelos entregadores, a empresa perde o controle sobre quem utiliza essas roupas (e mostra sua marca) e o que eles fazem com ela. O profissional pode inclusive não estar mais na base da Rappi e continuar com a roupa. Corre-se o risco de alguém fazer alguma besteira e prejudicar a imagem da empresa. | ||
5) Concorrência em todas as frentes | ||
A diversificação é um dos fundamentos do modelo de negócio da Rappi, traz vantagens como também riscos. O principal deles é o grande número de concorrentes por vertical, que aumenta à medida que a empresa se abre para um novo segmento de entrega. | ||
Porém, de longe o maior desafio diz respeito à entrega de comida. Tanto iFood quanto UberEats são marcas capitalizadas que exigem exclusividade dos estabelecimentos parceiros. O problema aumenta se pensarmos como é difícil as pessoas deixarem de comer na sua hamburgueria porque a Rappi não faz a entrega. É mais fácil elas instalarem outro aplicativo. | ||
Diante desse desafio, a Rappi aposta na sua proposta de valor: “entregar de tudo” e ser “um assistente pessoal para simplificar a vida das pessoas”. Isso significa verticalizar mais e entrar em nichos especializados, mas com parcerias estratégicas. Esse é o caso da Grin (patinetes) e da Singu, uma plataforma de serviços de beleza. | ||
O Rappi Prime ajuda a diminuir essa concorrência, buscando fidelizar o usuário ao serviço da empresa e gerando mais LTV e rentabilidade no final do dia. | ||
6) Discussões sociais e trabalhistas | ||
As empresas de tecnologia estão muito a frente da legislação e governo, então inevitavelmente acaba entrando em áreas ainda não discutidas e não regulamentadas. Até isso acontecer, existe no Brasil e no mundo uma discussão enorme sobre "uberização" do trabalho, que é a definição de como deve ser o vínculo entre as empresas e os prestadores de serviço (e as regras dessa relação). | ||
A cidade de Nova York estabeleceu leis que garantem um valor mínimo que os motoristas devem receber e outras regras. A prefeitura de São Paulo também já iniciou um processo de atualizar a legislação. | ||
Dependendo de como a legislação seja feita, pode tornar o negócio da Rappi menos vantajoso economicamente e dificultar sua operação. Este é um risco que não dá para ser desconsiderado. | ||
Os próximos passos da Rappi | ||
A Rappi levantou 1 bilhão de dólares em mais uma rodada de investimentos. Portanto, existe um plano de crescimento muito agressivo por trás para usar todo esse dinheiro. Já é possível perceber alguns movimentos que a Rappi está experimentando: | ||
Muitos cupons — se prepare para receber muitos cupons de desconto da Rappi. Agora eles têm um bilhão de dólares :P | ||
Expansão física para dezenas (se não centenas) de cidades — esse também acaba sendo um diferencial competitivo e barreira de entrada. Para a Rappi é muito importante entrar na maior quantidade de cidades possível por dois motivos: 1) segurar o crescimento do iFood e UberEats nas cidades que os concorrentes já estejam presentes 2) cria o hábito nos clientes de cidades que ainda não possuem grandes concorrentes. | ||
Mais verticais de serviço — a Rappi está indo na direção de querer realmente se consolidar como um “super app”. É o maior diferencial competitivo da Rappi para qualquer outra empresa de "delivery". Para isso, ela deve investir muito em parceiros das mais diversas verticais para realmente se tornar o único e mais indispensável app dos seus usuários. Há alguns meses por exemplo foi anunciada uma parceria com a Avon, referência no segmento de cosméticos. A ideia entregar os produtos ao consumidor em até duas horas. | ||
Gamification — a Rappi já começou a criar e testar um sistema de premiação dos clientes de acordo com seu engajamento e consumo. Particularmente acho que ainda está "complicado" de se entender e deveria ser mais simples. | ||
Rappi Pay com cartão de crédito físico — a Rappi começou a testar agora o cartão de crédito físico da Rappi. Imagine poder usar seus Rappi Créditos em absolutamente qualquer lugar que aceite Visa? Pois é, agora é possível. E como é uma estratégia de longo prazo, provavelmente a Rappi irá dar condições muito boas para quem pedir o cartão (anuidades reduzidas ou nulas e alguns benefícios como cashback). | ||
Parcerias estratégicas e exclusivas — Em março deste ano, a Rappi firmou parceria com o Grupo Carrefour para a criação das chamadas sidestores, destinadas exclusivamente a compras com a Rappi. O planejamento inicial é abrir 15 desses espaços em nove cidades brasileiras. | ||
"O projeto prevê a abertura do que a rede chamou de sidestore, lojas dentro de seus hipermercados nas quais os clientes presenciais não poderão entrar, com atendimento apenas para delivery por meio do e-commerce da marca ou aos entregadores do aplicativo." | ||
Isso tende a dar muito mais agilidade e qualidade para o consumidor nas compras de supermercado. Parcerias exclusivas como esta deverão ser cada vez mais constantes e aumentam a presença e qualidade da Rappi. | ||
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Os principais aprendizados e o que pode ser aplicado no seu negócio | ||
Quando vemos um negócio tão enorme e único quanto a Rappi, já achamos que nossas empresas são muito diferentes e que temos poucas coisas para aprender e aplicar. Porém isso não é verdade. Podemos extrair lições bem valiosas que cabem em praticamente todo tipo de negócio: | ||
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Fontes utilizadas: | ||
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Artigo publicado originamente em: https://www.linkedin.com/pulse/estudo-de-caso-como-rappi-saiu-0-para-milh%C3%B5es-pedidosm%C3%AAs-costa/ |