Frugalidade, artes marciais e uma vida completa
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Frugalidade, artes marciais e uma vida completa

Entenda como a prática das artes marciais pode mudar a forma de encarar sua vida. Leia aqui!

Victor Maia
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Jujutsu, ano 1815, autor&nbsp;<a href="https://ukiyo-e.org/artist/utagawa-toyokuni-i">Utagawa Toyokuni I</a>, acervo Ronin Gallery
Jujutsu, ano 1815, autor Utagawa Toyokuni I, acervo Ronin Gallery

O mundo moderno trouxe muitas inovações e com elas, naturalmente, vieram coisas boas e coisas não tão boas assim. Por um lado nunca tivemos a produtividade das empresas tão alta, a capacidade de automatização, novas ferramentas e possibilidades de otimizar processos como nunca antes experimentado nos colocou em condições incríveis para construir o futuro que desejamos.

Por outro lado, vivemos uma crise sem precedentes com relação à doenças mentais.

O Brasil é um país que infelizmente amarga uma posição um tanto desconfortável, segundo a Organização Mundial da Saúde, somos o segundo país com maior número de depressivos nas Américas, com 5,8% da população, ficando atrás somente dos Estados Unidos, com 5,9% de depressivos. A doença afeta 4,4% da população mundial.

Além disso, o Brasil também é o país com maior prevalência de ansiedade no mundo: 9,3%.

Mas o que isso de fato significa?

Posso conjecturar uma série de hipóteses, nenhuma delas com base científica, mas sim com uma série de observações empíricas sobre caso e também sendo eu uma vítima no passado de problemas de ansiedade. Em 2019 fui diagnosticado com Síndrome de Burnout e passei boa parte de 2020 em recuperação e construindo novos hábitos para a sustentabilidade de um novo estilo de vida.

Você pode estar aí do outro lado pensando: "ah, lá vem mais um com papo de coach quântico reproagamador de DNA." 

A verdade é apenas uma, julgue o quanto quiser. Você provavelmente só aprenderá o quão complexo é esse tipo de problema ao ter que superar um deles. Qualquer um deles!

Então, o que tudo isso tem a ver com artes marciais?

Bem, é preciso entender o que remonta às origens das artes marciais, o berço delas, o código moral por trás de cada uma delas e como isso afeta o estilo de vida de seus praticantes. Por isso, é importante entender que o berço das artes marciais é a China antiga, em que influenciou toda a região oriental da Península de Indo-china e ilhas do pacífico, como o Japão.

No caso do Japão, em especial, é preciso entender que muitas artes marciais se desenvolveram no período Muromachi entre os anos de 1333-1573, época do auge do estilo de vida Samurai, onde a esgrima e o auto-desenvolvimento falavam mais alto e de fato ia-se até os limites finais, arriscando suas vidas. Nesse período é que se desenvolveu a arte conhecida como Jujutsu.

O Jujutsu se caracterizava por usar o ímpeto ou força de um atacante contra ele, guiando-o de uma forma em que o defensor ficava com o controle, e não o atacante. Os métodos ensinados nos círculos de jujitsu ou jujutsu incluem golpear, arremessar, restringir (imobilizar e estrangular), chaves de articulações, armamento e agarrar. É realmente mais conhecido por sua eficácia contra armas, uso de arremessos e suas alavancas (armlocks e mão-de-vaca, por exemplo).

Misturando tudo isso ao contexto da época, vemos que os Samurai valorizavam o desenvolvimento individual, a melhoria contínua - Kaizen - que ficou muito conhecida no mundo corporativo, mas que tem suas origens nas artes marciais.

Ilustração de um dojo de jujutsu em Edo, atual Tóquio.
Ilustração de um dojo de jujutsu em Edo, atual Tóquio.

Somado a tudo isso, temos a proximidade dos Japoneses à filosofia budista, onde à uma forte ligação com o desenvolvimento espiritual, o alcance do Nirvana. Para isso, era preciso ser frugal, ou seja, viver com simplicidade, sobriedade de costumes, de hábitos etc.

Ao combinar essas duas virtudes, o kaizen e a frugalidade, o contexto de uma vida completa estava construída!

Nos tempos modernos, as virtudes de uma vida completa foram muito bem traduzidas por Jigoro Kano, criador da escolo Kodokan Judo. Kano, que nascera em meados do século XIX, era filho de samurai e bastante franzino; sua inabilidade para esportes de vigor físico era notório pois "apanhava" constantemente no colégio. Ao ingressar no estudos do jujutsu a vida de Kano começou a mudar.

Ao aprender os conceitos de alavanca e imobilização do jujutsu, Jigoro Kano foi capaz de criar um novo estilo, nomeando de Kodokan. A ideia de Kano era desenvolvimento do físico, emocional e espiritual de seus praticantes, ajudando com que os mais franzinos pudessem se sobressair aos mais encorpados. Além disso, para auxiliar no desenvolvimento individual de seus praticantes, Kano desenvolveu um código moral claro, dedicado a evolução do individuo.

Seus valores estruturais são:

  • Cortesia, para ser educado no trato com os outros;
  • Coragem, para enfrentar as dificuldades com bravura;
  • Honestidade, para ser verdadeiro com seus pensamentos e ações;
  • Honra, para fazer o que é certo e manter-se fiel aos seus princípios;
  • Modéstia, para não agir e pensar de maneira egoísta;
  • Respeito, para conviver harmoniosamente com os outros;
  • Autocontrole, para estar no comando de suas emoções;
  • Amizade, para ser um bom amigo e companheiro.

Através desse conjunto de valores e princípios, os praticantes do Judô Kodokan buscavam o aperfeiçoamento não apenas enquanto praticantes de uma arte marcial, mas também enquanto humanos - mental e espiritualmente - despindo-se da vaidade para buscar o estado de perfeição.

Veja o quanto isso se assemelha ao conceito de frugalidade defendido pelos budistas. Claro, em geral, budistas costumam a viver de maneira radical, despindo-se toda e qualquer vaidade, e quando digo toda é realmente toda e qualquer vaidade.

No entanto, com equilíbrio é possível trazer esse paralelo para a vida individual.Enquanto seres humanos, fomos educados a buscar sempre o mais e entendendo também que para mais precisamos de mais - nos dedicar mais, nos entregar mais, nos esgotar, sacrificar.

Mas seria isso de fato o que nos faz ter uma vida completa, cheia, íntegra?

O que quero trazer aqui é a reflexão do caminho tomamos em nossas vidas, muitas vezes no piloto automático, abrindo mão de atividades que gostamos, para viver expectativas irreais, que não foram criadas por nós e sim por terceiros.

Se você esperava chegar ao final desse texto com uma fórmula mágica para ter uma vida melhor, bem esqueça. Não é o meu estilo. Mas se você me perguntar o que fazer para ter uma vida melhor; responderei duas coisas: dedique-se a você e faça uma arte marcial. Verá como seus níveis de estresse caíram absurdamente, como você ficará melhor consigo mesmo, conseguindo perceber melhor os seus pensamentos, pois no tatame é você e você. Não há companheiros na luta!

De bônus, você ainda entrará em forma, algo que ajuda imensamente no desenvolvimento da auto-estima individual.

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