Pare com a ideia de "vestir a camisa"!
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Pare com a ideia de "vestir a camisa"!

"Vestir a camisa", "cabeça de dono"e outros termos são chavões. Saiba como fugir deles!

Victor Maia
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Disclaimer

Esse e-mail vai parecer muito mais um ensaio do que de fato um e-mail.

Já aviso que conterá alguns casos de experiência pessoal, mas que tenho consciência de que muitos passaram ou passam por situações semelhantes. Mas ainda assim, o enredo, a prosa, é toda baseada em minha experiências pessoais e quaisquer semelhanças com a realidade, são meras coincidências.


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Já faz algum tempo que vejo algumas frases, digamos bordões, que circundam o "ethos" empreendedor. Não só no Brasil, mas especialmente por aqui...

Afinal, o #hustleporn não é uma exclusividade dos nossos colegas norte-americanos. Pelo contrário, por aqui nós adotamos o termo e com algumas mudanças estratégicas para demonstrar o quanto somos mestres na ralação.

Veja bem, eu mesmo sou um defensor do Hustle, mas não da forma como tenho visto ser vendido por aí.

Trabalho duro é importante? Com certeza.

Trabalhar duro significa abdicar de tudo e de todos em nome de um objetivo? Não necessariamente.

Com isso em mente e explicado, o que quero deixar claro é o entendimento de Hustle misturado ao Auto-Conhecimento - algo que o Gary Vaynerchuk já vem divulgando faz algum tempo. No fundo, o significado de hustle tem mais a ver com os seus esforços em alcançar o seu objetivo e não com o sacrifício das coisas que são importante para você.

Pois bem, sabendo disso, um dos bordões derivados do hustle e que geralmente vemos espalhados em vagas de emprego e em anúncios de recrutamento para inúmeras empresas: "espírito empreendedor", "vestir a camisa" e o tão clássico quanto "estar disposto à construir".

Quem nunca viu expressões desse tipo? Bem, eu mesmo já até as utilizei em processos seletivos de quando tive a empresa.

Mas o bom da vida é termo a possibilidade de mudarmos de ideia, de aprender e de olhar as coisas de uma forma diferente e esse foi um dos aprendizados que eu gostaria de ter tido antes dos 30 anos de idade, mas que, mais cedo ou mais tarde chegou.

Pois bem, avançando alguns anos, colocando alguns cabelos brancos e uma boa pitada de experiência nessa vida; agora estou do outro lado novamente. Não mais contratando, mas sendo contratado, no entanto de posicionamento diferente, não me vendo como "funcionário" e sim como um "consultor".

De toda forma, por possuir poucos projetos em minha carteira, tenho um envolvimento bem mais profundo do que consultores padrão possuem, e isso é uma faca de dois gumes e que requer muita atenção.

Desde de 2019, passei por muitas coisas: fusão com uma empresa, saída dessa empresa, CMO interino em uma aceleradora de startups e até o momento, em que estou num aposição operacional em uma outra startup com alto crescimento (mesmo no período de COVID-19). E uma coisa que percebi, talvez seja a maturidade profissional e pessoal, é que eu não sou de nenhuma empresa, estou em uma empresa.

Essa simples mentalidade me ajuda a entender muito mais os racionais de decisão das empresas e os meus. Por isso, quando olho hoje para frases do tipo "tem que vestir a camisa", "precisa ter espírito empreendedor"; acho uma baita bullshitagem...

Sabe por quê?

Falar esse tipo de coisa você está relegando o auto-interesse de cada pessoa e principalmente, o sistema de incentivos que rege as ações humanas. Mises foi brilhante ao desvendar o axioma da ação humana, afirmando que seres humanos agem e agem em direção à decisões para benefícios próprio.

Nada de errado até aí, complica no parágrafo dois.

Como você pode pedir para alguém "vestir a camisa", "ter espírito empreendedor", "dar o sangue pela empresa" se o incentivo que essa pessoa tem é apenas a venda de horas dela, ou seja, um salário razoavelmente na média do mercado, no final do mês?!

Esse tipo de comportamento de "vestir a camisa", "dar o sangue" e "ter espírito empreendedor" geralmente existe quando há o sistema de incentivos corretos, ou seja, há risco de perder; mas se ganhar o bônus é muito interessante. Sendo assim, esse tipo de comportamento é normal de se esperar dos seus sócios, por exemplo; ou de executivos que possuem a chance de ter stock options ou equity no futuro, ou ainda mais, se há um bônus por produtividade no final do ano, semestre ou trimestre.

Pouco importa!

Uma empresa é formada por seres humanos em diversas dimensões de responsabilidade e dedicação. Quando temos um funcionário, o contrato que celebra esse acordo nada mais é do que um documento que comprova que ele está vendendo as horas da vida dele para vocês em troca de dinheiro, para exercer um trabalho que você não consegue/não sabe. Ou seja, é uma troca voluntária, regida por termos estabelecidos em contrato e em leis trabalhistas (sonho com o dia que acordos de trabalho possam ser feitos apenas por contrato).

Por isso esse cara fica a disposição exclusivamente para você durante 8h/dia.

Agora, quando você parte para uma contratação de um consultor - ou um PJ - você está terceirizando uma atividade. Por mais que você não coloque em contrato, o valor da remuneração final do contrato é refletida no número de horas que esse consultor aloca em seu projeto. Por mais que em sua cabeça você construa uma fábula diferente!

Se você contrata alguém por, digamos, R$5.000,00/mês e a hora de trabalho desse alguém custa R$200,00; significa que você está comprando 25h de trabalho no mês. Nem mais e nem menos.

Logo, não adianta querer que esse consultor vista a camisa, dê o sangue e tenha espírito empreendedor. Esse cara não quer fazer carreira em sua empresa, ele possui outros objetivos e o sistema de incentivos que está regindo essa relação é apenas um: tempo é dinheiro. Quanto mais você paga, mais dedicação você terá.

Ah, então é como um mercenário? Sim, é um mercenário! O Matt Montenegro até falou sobre isso no episódio do podcast que gravei com ele ano passado.

Geralmente, esse profissional é um cara mais testado e mais cascudo, ou seja, experiente. Por isso faz sentido a hora dele ser mais cara. Ele não estará (inicialmente) de olho em fazer carreira na sua empresa, mas se os ganhos compensarem os riscos, por quê não?! Conheço alguns que já passaram por essa situação e acabaram sendo incorporados pela empresa.

Por isso digo que é importante ter clareza: você não pode exigir que o seu funcionário, colaborador e/ou consultor trabalhe tão duro quanto você e isso tem alguns motivos:

  1. Esse cara não comprou o mesmo risco que você, ou seja, ele está mitigando os riscos em troca de potencialmente menos dinheiro ou de um dinheiro em tempo presente;
  2. Esse cara não irá ganhar da mesma maneira que você ao longo do tempo, pelo mesmo fator que falei anteriormente, ele não comprou o mesmo risco que você.

Acredito que tendo esse entendimento, as relações ficam muito mais simples e claras para todos. Inclusive, se você estiver passando por alguma situação semelhante, tome sua posição e fale o que pensa/sente. Não vivemos mais em regime de escravidão e o que um empregador fala que é necessariamente uma ordem que ao ser desobedecida virá com um castigo por consequência. Pense, seja racional, apresente argumentos e seja firme!

Agora, se por esse motivo você for "castigado" como uma repreensão ou demissão, essa ocupação não era para você.