Afinal, é exagero apontar Jair Bolsonaro como nazista ou simpatizante de Hitler?
Afinal, é exagero chamar Jair Bolsonaro de nazista ou simpatizante de Hitler? | ||
Que ele é fascista, ninguém mais discute. Chamar Bolsonaro de fascista é como chamar Fernandinho Beira-Mar de traficante, quem duvida que Fernandinho vendesse drogas? E quem dirá que Bolsonaro não é um sujeito perigoso, violento, capaz de inflamar militantes e armar milícias enquanto enfraquece a democracia até a hora de dar seu bote final? Como dizia o deputado Bolsonaro, “através do voto você não vai mudar nada nesse país”. Para mudar, é preciso “matar uns 30 mil”. | ||
Tem nada mais fascista que criminalizar opositores. Bolsonaro, quando militar, orquestrou um plano para jogar bombas em quartéis. Hoje, trata adversários como terroristas, por mais irônico e hipócrita que soe. Antes de perder popularidade com a pandemia, tentava patrocinar leis que permitiriam enquadrar manifestações como atos terroristas. Também queria proibir símbolos comunistas com pena de 9 a 15 anos de prisão. | ||
Prisão também a quem ousar chamá-lo de genocida. Basta um assobio para o Advogado-Geral da União processar críticos do presidente com base na famigerada Lei de Segurança Nacional, herança da ditadura militar. Dois assobios e surge o Procurador-Geral da República, apelidado em artigo publicado na Folha de S.Paulo de Poste-Geral a serviço do Bolsonaro. Outro autoritário avesso a criticas que agora move processo contra o colunista do jornal. | ||
Tratar a informação como inimiga do Estado, tem algo mais fascista que isso? Para Bolsonaro, jornalista é adversário, professor é doutrinador, estudante é terrorista, artista é pedófilo, cientista é sabotador. O bolsonarismo ascende nas mentiras, no medo, no ódio, na desinformação em massa e no controle dos meios de comunicação. Não há espaço para o contraditório. Para quê estudar sociologia, filosofia ou antropologia mesmo? Se depender do Bolsonaro, tirem isso das grades escolares. Não tem nada mais fascista que temer o senso critico. | ||
Tratar antifascistas como criminosos, que tal? Ou ter entre seus ministros um que grite anauê, saudação empregada pelos integralistas brasileiros, corrente política declaradamente fascista. A saudação partiu de Ernesto Araújo, agora ex-ministro. E ai, alguém ainda não se convenceu da clara conotação fascista impregnada nesse governo? | ||
Esta semana, entrevistei a pesquisadora Michele Prado, autora do livro “Tempestade ideológica”. Ela aborda a expansão da extrema-direita no Brasil que chegou ao ápice com a eleição do Bolsonaro. Na nossa conversa, explica que “existem elementos muito claros do fascismo no bolsonarismo”. E conta como a extrema-direita tornou mais palatável conceitos nazistas e raciais, agora camuflados para serem mal compreendidos. | ||
Palavras da pesquisadora: “um dos principais objetivos da extrema-direita ao longo dos anos foi suavizar o teor racial dela e se descolar do nazismo. Ao longo dos anos foram modificando conceitos que eram completamente racistas. Sai o racismo biológico e colocam outros conceitos que tentam suavizar o racismo e se afastar do nazismo porque durante muito tempo ficaram marginalizados. Eles fazem isso de tal forma que muitas pessoas vão sendo capturadas sem saber que na verdade aqueles conceitos ali são de cunho racista e muitas vezes nazista.” | ||
Para entender melhor, Michele deu um exemplo. Segundo a pesquisadora, “eles não falam hoje do racismo biológico. Não fazem mais apologia ligando QI de judeu à raça. No entanto, criaram outro conceito chamado biodiversidade humana, na qual fazem associação de raça com QI, só que com outro nome, então eles conseguem suavizar e as pessoas que não entendem acabam replicando”. | ||
Veja a entrevista completa de Michele Prado | ||
Embora seja inegável os traços e as falas que enquadram Bolsonaro no perfil de um líder fascista, fica a discussão sobre ele ir além, e a única coisa pior que um fascista é um nazista, apesar de serem semelhantes. | ||
Vale lembrar a irônica lei de Godwin, também conhecida como regra de Godwin das analogias nazistas. Criada pelo advogado Mike Godwin diz que "à medida que uma discussão online se alonga, a probabilidade de surgir uma comparação envolvendo Adolf Hitler ou os nazistas tende a 100%." Mas, no caso do Bolsonaro, o próprio Godwin escreveu no twitter que é "ok"chamá-lo de nazista. E parece legitimo debater se ele está suavizando narrativas ou apoiando grupos de cunho racista e até neonazistas. A brecha foi o presidente mesmo que abriu com falas que demonstravam algum grau de admiração pelo Hitler, além de ser o político escolhido por grupos extremistas e racistas. | ||
Ah, não custa lembrar que um assessor do Bolsonaro está sendo investigado por suposto gesto supremacista branco. Teve também o blogueiro Allan dos Santos, Eduardo Bolsonaro e o próprio presidente usando copo de leite para fazer mais uma saudação de cunho racista. E o presidente foi obrigado a afastar um secretário da Cultura por ter copiado discurso do ministro da Propaganda nazista. Tem também o slogan "Brasil acima de tudo"que parece, aos olhos de muita gente, um plágio do lema nazista "Alemanha acima de tudo". É pouco ou quer mais? Se quiser, vamos lá. | ||
Que tal ouvir Michel Gherman, professor e escritor judeu, um dos maiores pesquisadores da relação entre Bolsonaro e Israel? Desde 2012, quando Bolsonaro ainda era um mero deputado do baixo clero, Gherman passou a prestar atenção na relação entre ele e grupos extremistas. O que despertou a curiosidade do escritor foi uma entrevista do Bolsonaro ao programa CQC. Gherman relembra do momento, palavras dele: | ||
“Em 2012, Bolsonaro não só elogiou Hitler, não só o chamou de excelente general, como ele cita de maneira explícita a literatura negacionista do holocausto. Ele cita David Irving sem dar nome ao autor: 'os judeus morreram, mas morreram de fome, inanição e doenças'. Quando vi aquilo, pensei: ‘cara, não é possível, ele tá citando David Irving, ta citando o negacionismo’. Ele cita de maneira automática o negacionismo, e como Bolsonaro lê pouco, é muito simples mapear a referência que ele se baseou.” | ||
A partir de 2012, conta Gherman, neonazistas e fascistas passaram a conhecer Bolsonaro e viram nele um aliado. “Eu percebi que há elementos que passaram a se aproximar do Bolsonaro de maneira mais concreta a partir de 2012. Há elementos do movimento White Power, elementos do nazifascismo do Rio de Janeiro, elementos fascistas de São Paulo. Bolsonaro não está vinculado ao nazismo pela ideologia nazista, mas é vinculado ao nazismo a partir da imagem nazista, da estética nazista e do ressentimento.” | ||
Veja a entrevista completa de Gherman | ||
Por coincidência, eu era o produtor de conteúdo político do CQC no dia da entrevista que despertou o interesse de Gherman em desconstruir e iluminar o discurso nazifascista que o ressentido presidente repete ou ao menos repetia. As perguntas que levaram Bolsonaro a citar teoria negacionista do holocausto partiram de mim. No vídeo abaixo, é minha voz que surge ao fundo passando orientações ao repórter Rafael Cortez. Então, nada melhor que um bate-papo entre eu e Gherman para analisar esse vídeo do CQC onde Bolsonaro revelava admiração ao Hitler e, pior, repetia teorias negacionistas, isso sim um tremendo batom na cueca. | ||
Na época da eleição, em 2018, surgiu uma segunda versão da entrevista do Bolsonaro ao CQC, nela há trechos de bastidores que eram inéditos, mas também há uma pequena manipulação e corte que tornam o vídeo suspeito e mentiroso aos olhos de parte da opinião publica. Vou aproveitar para desconstruir o que tem de mito e de verdade nesse vídeo. Adianto que cheguei na produtora certo de que a entrevista do Bolsonaro seria uma macula que mancharia a reputação dele como um simpatizante de Hitler. Eu tive essa convicção, mas ao ver o matéria editado no ar, achei que perdeu força. | ||
Vamos, eu e Gherman, voltar a esse tema que está em voga, até porque esta semana Bolsonaro viu ser arquivado processo movido contra chargista e jornalistas que o associaram ao nazismo. O vídeo vai ao ar semana que vem, aqui no pingback, e parte dele será só para assinantes, então me deem essa moral, jornalismo combativo e sem rabo preso só se faz com independência financeira, contribuam para que esse espaço cresça mais. | ||
Segue abaixo entrevista do Bolsonaro ao CQC em 2012 (versão gravada por ele) | ||
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