Como escrever melhor? Uma das melhores técnicas!
4
0

Como escrever melhor? Uma das melhores técnicas!

Não tem nada mais chato que um redator-escritor-cronista-jornalista pedante querendo mostrar que sabe escrever bem.

Marcelo Andrighetti
10 min
4
0
Email image

Não tem nada mais chato que um redator-escritor-cronista-jornalista pedante querendo mostrar que sabe escrever bem.

Parece irônico, mas tudo o que você precisa pra melhorar seu texto é abstrair as técnicas e escondê-las o máximo possível. Conhecer elas. Estudar elas. Mergulhar e colocá-las em prática. Mas pisoteá-las assim que possível.

Daniel Goleman, em seu livro Foco (2013), defende a ideia de que todos profissionais de sucesso ultrapassam as técnicas. Há um trecho do livro em que ele exemplifica com a história de Usain Bolt, o atleta jamaicano colecionador de recordes.

Pra Goleman, um atleta, pra ser acima da média, precisa ser um grande conhecedor da técnica, até chegar num ponto onde seja possível quebrá-la. Esse ápice na qualidade estaria diretamente ligado à transformação da técnica em algo que represente um comportamento inato.

⁠A autoconsciência é a base da inteligência emocional.

Segundo o autor, Usain Bolt não teria como correr 100 metros e bater tantos recordes se a cada duas passadas precisasse pensar:

— Será que estou dobrando o joelho da forma correta?

O mesmo podemos dizer sobre um bom texto.

Se você quer escrever melhor, o primeiro passo, óbvio, é ter a consciência da técnica. Entender como se desenvolve uma narrativa, ler autores que entregam caminhos claros, fazer cursos (o máximo possível) e estar ligado ao mercado narrativo.

Estou acostumado a dizer que minha vida profissional com a escrita começou há 15 anos. Foi quando recebi meu primeiro cachê pra escrever. Eu errei muito nesse meio tempo. Errei em pontos que até extrapolam o próprio texto:

  • escrevi sem receber;
  • aceitei trabalhos sem saber nada do cachê ou do pagamento;
  • fechei trabalhos sem contrato;
  • disse sim pra trabalhos "sem" prazo pré-determinado e procrastinei.

Nos erros e acertos, aos poucos entendi quais eram os principais caminhos para aprimorar o texto.

Daí surgem as 3 dicas deste texto. Porém, pra passar adiante essa ideia, preciso voltar um pouquinho no tempo.

Como mergulhei no conceito do bom Storytelling a partir da Fórmula 1

Aconteceu quando eu tinha cinco anos, seis anos, sete anos. Tenho imagens mentais muito lúcidas destes momentos.

Meu pai retornaria de avião. Pegaria um ônibus por duas horas. Embarcaria em um táxi e chegaria em casa.

Nos anos 1990, tenho várias lembranças disso: meu pai entrava em casa com algum presente do autódromo de Interlagos, onde tinha ido assistir à Fórmula 1. Em contrapartida, eu espalhava cartazes de boas-vindas, balões, desenhos. Aquilo era bastante divertido.

Nas outras épocas do ano, eu ficava em frente à televisão e assistia junto dele treino livre, treino classificatório, pré-corrida, largada, prova e pódio. Os anos passaram, meus pais se separaram e eu deixei um pouco de lado a F1.

Ela voltou a fazer sentido pra mim quando um aluno de storytelling, num workshop presencial, me perguntou:

— Eu sou jornalista, entendo bastante de gramática, corrijo livros nas horas vagas…. mas quando vou escrever, sempre parece que falta um degrau a mais. Como eu faço pra atingir um nível superior em minha escrita?

Fiquei em silêncio.

Era uma turma pequena, cerca de 20 alunos. Deixei aquele momento nos encontrar, como se a falta de palavras fosse também uma resposta. Eu lembro de balançar a cabeça, pra cima e pra baixo, como se estivesse confirmando sua colocação. E em seguida eu disse:

— Você precisa pensar como um piloto de Fórmula 1.

Foi assim que entendi como mudar de nível com a escrita.

Um profissional de F1 aprende a pilotar muito novo, geralmente no kart. Ou seja: ninguém diria que o Ayrton Senna se tornou campeão porque sabia dirigir.

Dirigir está pra F1 assim como escrever bem está pra um redator. É uma questão óbvia.

Se você ganha dinheiro escrevendo é óbvio que seu texto deve ser bem escrito. Gramática deve ser impecável. Concordância é primordial. Formato e linguagem devem ser estudadas e aprimoradas a cada novo texto.

E como escrever muito melhor com a percepção de um Piloto de Fórmula 1?

Vamos às 3 dicas…

1 — O pré-treino de um piloto de F1

Sempre que chegam no autódromo, antes de entrar no carro e acelerar, os pilotos dão a volta no circuito, a pé, junto dos outros profissionais da equipe: diretores, engenheiros, mecânicos, etc.

Sentem a pista, entendem as curvas, o asfalto, o vento, o clima… é como se você pudesse fazer um tour pelo texto antes mesmo dele existir.

Esse é o ponto.

Um redator mediano pensaria igual um piloto mediano: ia ter muita pressa. Estamos falando dos melhores pilotos do mundo. Você acha que os grandes escritores simplesmente tem uma ideia na cabeça e do nada abrem um arquivo novo no word e começam a escrever?

A resposta (óbvia) é: não!

É preciso sentir a ideia, maturar, pesquisar, gastar relógio, deixar acontecer, enraizar, fluir. É necessário deixar o inconsciente trabalhar. Não é um tempo perdido. Perder tempo é escrever sem um método. É como se você quisesse encarar a corrida antes mesmo do carro estar disponível pra isso.

Como um piloto de F1 vai fazer 10 ou 15 curvas numa velocidade superior a 200 km/h se ele não tiver consciência de cada minucia da pista?

Você já reparou que o tempo de volta entre um piloto da 1ª posição e da 10ª, muitas vezes não passa de um segundo?

Um piloto acima da média se faz na sutileza.

O mesmo equivale pra você, na hora de escrever. Algumas perguntas importantes que você deve ter em mente no momento anterior ao texto:

  • Quanto vou escrever? Tamanho, número de palavras, laudas…
  • Qual o objetivo do texto?
  • Se é literário-artístico-audiovisual-poético: o que quero dizer com isso?
  • Quais as metáforas vão fazer parte da construção narrativa?
  • Onde este texto vai estar: em um blog, em um livro, em um set de filmagem? E o que isso modifica na forma da escrita? Você conhece todas as técnicas dessa linguagem?
  • Quantas curvas o texto possui? Ou seja: quantos capítulos, divisões, pontos de virada…
  • Como é o início, o meio e o fim? Em uma tradução simbólica: onde estão as retas, os pontos de ultrapassagem e as curvas mais lentas?
  • Quais obras ou pessoas já escreveram sobre isso? Onde posso mergulhar ainda mais nesse tema-conceito que estou desenvolvendo?

Tendo em mãos esses questionamentos, você coloca um processo debaixo do braço. Ou seja, você sabe que neste momento está apenas espionando as peças, entendendo as suas próprias engrenagens pra montar o seu "carro de corrida".

2 — A Fórmula 2, a Fórmula 3 e o automobilismo abaixo da maior categoria mundial

Ter uma percepção de piloto da Fórmula 1 durante a escrita é algo que deve ser implementado com paciência. Não temos como iniciar a carreira na Mercedes, na Ferrari, na RBR ou qualquer outra equipe de grande ou médio porte. A carreira do escritor-redator é lenta, ascendente, degrau pós degrau. E não exponencial.

Talvez se torne exponencial algum dia, de forma natural. Como foi natural virar campeão do mundo para os pilotos Lewis Hamilton, Sebastian Vettel, Michael Schumacher ou Ayrton Senna.

Ter consciência de qual estágio você está é um exercício constante: precisamos trazer isso pra perto em qualquer momento de nossa carreira.

No início de meu trajeto como roteirista, por volta de 2007, eu já tinha muita vontade de que lessem minhas ideias ou simplesmente me dessem um espaço nas produtoras.

No entanto, o que me fez realmente estar presente em um set e aprender o máximo que eu podia com diretores e demais pessoas da equipe foi quando eu comecei a dizer:

– Estou começando nessa área, quero atuar como roteirista, teria um espaço pra eu acompanhar a gravação de vocês? Eu posso carregar cabo, trabalhar de produtor de set ou mesmo só ficar olhando…

Quando eu tomei essa ação, muitas portas começaram a ser abertas. Em nenhum momento eu deixei de dizer que escrevia, mas fui sincero em relação ao meu processo e aprendizado.

Um dia meu telefone tocou:

– Temos um trabalho aqui, um pouco menor. Precisamos de um olhar mais simples pra um filme institucional.

Topei na hora. Porque era o que eu precisava: um GP do meu tamanho, um carro que eu soubesse pilotar.

Teve uma espécie de pódio inclusive, porque fui elogiado e isso me trouxe outros trabalhos. Aos poucos entendi (e isso vale até hoje, 15 anos depois) que o mercado te dá muito mais valor quando você atua neste tripé:

  • Como chegou até aqui?
  • Onde você está?
  • Onde você pode chegar?

Esses são os três mecanismos de conexão de mercado que todos os profissionais podem utilizar. E sabe por que funciona? Porque é verdadeiro.

A sinceridade é o melhor "gatilho mental".

3 — A Volta de Apresentação, a Largada e a Bandeirada Final

É importante escrever e comemorar os resultados. Mas isso é o resumo e não o processo. Só quem está no cockpit sabe a importância de cada segundo dentro da pista, entre curvas e retas. Uma marcha errada pode fazer você jogar fora a corrida toda.

Se você deseja escrever profissionalmente vai ter de lidar com prazos, com briefings, com orçamento, com cachês (ou a falta deles!), com burocracias, com entrevistas desnecessárias, com reuniões, com convencimento, com didatismo…

E vamos além: quanto mais pódios no currículo, mais a lista de dificuldades aumenta.

Esse é o dia a dia de quem está próximo da produção de conteúdo, do jornalismo, da redação publicitária, dos vídeos de venda, das landing pages, das trilhas de e-mail, do storytelling, entre outros.

Por isso, eu adoro essa frase:

Quanto mais eu me objetivo mais eu posso me subjetivar

Quer dizer que precisamos organizar a criação. Textos incríveis não nascem da intuição. Contam com ela, mas mesmo assim precisam de processos.

Ideias são pontos soltos no ar. Textos são frases amarradas no papel.

Eu não tenho tempo pra esperar a inspiração pra poder escrever. Eu vivo do meu texto, então, se torna obrigatório eu sentar a bunda na cadeira e escrever.

Por isso, essa dica de número 3 se torna tão importante. Depois de entendermos as etapas anteriores, ao chegar na hora da escrita é necessário compor sem muitos freios.

Pense no seguinte:

Essa primeira versão. Ninguém vai ler. É como a volta de apresentação da F1: ninguém pode ultrapassar. Você está apenas esquentando os pneus. Escreva. Sem medo. Ninguém vai ler ou julgar. Simplesmente escreva.

Siga a estrutura planejada, sem perder muito tempo na correção ou melhorias.

Mas atenção: isso só funciona se você tiver planejado as etapas da escrita e souber responder as questões que eu trouxe no item 01 deste texto.

Depois de se libertar na versão 01, volte ao início para a largada oficial.

Agora, a corrida vai começar de verdade. Analise friamente o que colocou no papel. Leia tudo, mas ainda não encoste em nada. Só analise: deixe o texto te ler.

Nova volta.

Comece a ganhar tempo nas curvas e nas retas. Primeiro conserte as partes evidentes. Mais uma volta. Guie com sabedoria. Busque sinônimos, reduza o tamanho das frases, edite a ordem dos parágrafos, se necessário.

E quando você estiver quase exausto da repetição, deixe a bandeira quadriculada tremular e largue a direção. Um texto nunca é terminado, ele é abandonado.

Abandone e saia de perto.

O suor debaixo do capacete

Em 1991, Ayrton Senna completou o GP de Interlagos, no Brasil, apenas com a 6ª marcha. No pódio, suado e muito cansado, teve dificuldade de erguer a taça. É a representação máxima da frase de Instagram: "quem vê close, não vê corre".

Há uma frase parecida de Thomas Edison:

A Genialidade é 10% inspiração e 90% transpiração.

Foi em São Paulo, que ouvi Robert McKee dizer:

— Escrever é 10% inspiração e 90% transpiração.

Talvez eu seja muito cético (não me leve tão a sério), mas eu tenho trabalhado cada vez menos com a inspiração. Os momentos que tenho de inputs criativos me parecem impulsionados pela técnica que cada vez mais tento tornar parte de mim.

Por isso, se você quer escrever cada vez melhor, pense como um Piloto de Fórmula 1.