Não é à toa que resolvi trabalhar com a educação. Curiosamente, tornei-me educador - além de engenheiro, fotógrafo, designer, gestor de projetos, e por aí vai. Como educador, além de ministrar aulas, escrevo, pesquiso e leio, leio muito. Dent...
Não é à toa que resolvi trabalhar com a educação. Curiosamente, tornei-me educador - além de engenheiro, fotógrafo, designer, gestor de projetos, e por aí vai. Como educador, além de ministrar aulas, escrevo, pesquiso e leio, leio muito. Dentre minhas leituras atuais, estão os projetos pedagógicos e, mais uma confissão - estou extremamente sincero hoje - quase todos os projetos que li, em algum parágrafo, de maneira pontual, costumo me deparar com a famosa frase: "transformar sujeitos em cidadãos críticos". Uau! |
É isso aí! |
Mas, diante de tal propósito, acabo me deparando com um cenário um tanto antagônico. A sala do diretor está sempre repleta de cidadãos críticos. |
Duvidam? |
Podem apostar que estão. |
A escola não sabe como lidar com eles. |
São sujeitos insatisfeitos, que acabam desviando do tal padrão - muito similar ao tão almejado padrão de qualidade, estabelecido pelas empresas ao colocarem um produto no mercado. |
Insatisfeitos e desviados, esses alunos tornam-se verdadeiros problemas, já que a escola não os escuta e tampouco os compreende. |
Logo, ela os pune, não mais através de agressões físicas, como acontecia até meados do século passado, mas através de um linchamento moral, que envolve família, a comunidade escolar, ciclo de amigos e, dependendo do tamanho do desvio, as mais diferentes instâncias sociais. |
E eles? |
Bem, eles só queriam ser ouvidos, percebidos, compreendidos. Mas, o modelo de produção em massa não tolera desvios na "linha de produção educacional fordista". |
O problema é a proporção que esta questão está tomando. O sujeito indisciplinado, em alguns casos, está se tornando incontrolavelmente agressivo e revida, de forma violenta - física ou verbal. Quer ter voz e não consegue, pois continua a ser ignorado. Nada daquilo mais passa a ter sentido. Aí alguém tem que pagar! Então explode. Olha e então escolhe o alvo. Professor e aluno agora se tornam vítimas. |
Definitivamente, tenho muitos, muitos problemas com o nosso sistema educacional. |
As nossas crianças, por exemplo, por natureza, são consideradas por nós como sujeitos nulos, incapazes. |
Elas não têm voz e, tampouco, autonomia. |
Escolhemos a roupa, o que elas devem comer, onde ir, quando ir, com quem e por quanto tempo elas podem permanecer. |
Escolhemos, inclusive, as suas escolas, que, por sua vez, escolhem os seus livros didáticos e a metodologia. |
Que vão endossando o coro do 'escolha por' e anulam, dia após dia, a opinião daquele sujeito. Medo e punição passam a imperar. A repetição e a submissão ao controle o torna dócil. |
Assim, o sujeito também se anula e, apesar de tão pequeninos, calam-se e passam a copiar conteúdos que não fazem sentido, que não se conectam. |
Memorizam informações inúteis, pouco reflexivas e inadequadas para a sua realidade. Informações que, da maneira como foram ensinadas, jamais serão utilizadas por esses sujeitos ao longo da vida. |
Mas, confiantes - todos nós, sociedade e escola - seguimos. Afinal de contas, estamos formando sujeitos para serem 'alguém na vida'. |
Nos dias atuais, este modelo, tão inovador quanto as escolas do século 18, tornou-se um negócio lucrativo para grandes grupos empresariais de educação no Brasil (não somente escolas, mas também editoras), que replicam - em série - fórmulas mágicas para formar aqueles tais sujeitos críticos, amplamente disseminadas pelos tais livros didáticos. Para escalar o modelo então é preciso adotar o caminho da padronização, afinal turmas de primeiro grau com mais de 80 alunos por sala pipocam aos montes nas melhores escolas da cidade. E tudo bem! Isso é normal! |
Ah, os livros didáticos então? Que falácia! Livros didáticos deveriam ser proibidos e, que me atirem as primeiras pedras aqueles que conhecem livros didáticos que levam em consideração multiplicidade, a diversidade, a cultura, costumes e, principalmente, a realidade dos nossos estudantes. Que me atirem as primeiras pedras aqueles que conseguirem me apresentar livros didáticos que propõem reflexões contextualizadas, reais e baseadas em fenômenos. Que me atirem as primeiras pedras aqueles que conseguirem me apresentar livros didáticos empáticos. |
O que percebemos - e olhem que nem é preciso fazer uma reflexão muito profunda - é que a relação estabelecida entre escola e cidadãos, em sua maioria, hoje, está focada no consumo. A essência da educação se perdeu e, no Brasil, hoje, ela foi reduzida a fábricas de qualificação de jovens para serem aprovados no Enem. A escola atual não tem a função de prover o conhecimento, mas unicamente de adestrar sujeitos para que marquem um X no lugar certo. Fabricam sujeitos como aquele que Charlie Chaplin interpreta em Tempos Modernos, meros apertadores de porcas. |
Conhecimento implica em construção. Logo, ele não é mais o importante, assim como o conteúdo e as particularidades do sujeito, que passam a se tornar números. |
Isso tudo não importa mais, somente volumes absurdos de informação. Os alunos são formatados para serem uma espécie de robozinhos e saem da "fábrica" da educação prontos para não precisarem ser críticos, porque assim serão punidos. |
Saem com medo da inovação, inseguros, com pânico de fazer algo que não esteja nos 'planos'. Ah, sim! Eles têm planos! Sejam os concursos públicos, sejam as faculdades tradicionais, sejam as carreiras - aquelas clamadas pela sociedade. |
Estamos fabricando sujeitos frustrados, porque gastaram boa parte da vida sendo formatados para algo que não faz sentido algum. Um excelente cenário para transformar estes sujeitos em alvos fáceis para os gurus da autoajuda, com as suas propostas de mudança de mindset e outras promessas mágicas para encontrar o santo graal da satisfação e do crescimento pessoal. |
Mais tarde, esses sujeitos vão se matar - com depressão e ansiedade - , porque a vida, de repente, resolveu alterar os seus planos e, ao sair da faculdade, descobriram que é preciso ser crítico, ter opinião própria, ter autonomia. Não tiveram a oportunidade de se conhecer (autoconhecer), compreender os seus próprios limites, encarar o desconhecido de peito aberto e não ter medo de mudar. |
Eles têm dificuldade em experienciar isso, porque a escola nunca permitiu. Estão paralisados porque acham que serão punidos e porque, diante da adversidade, não sabem o que fazer, para onde ir. Mudar, sob a lógica do nosso modelo educacional dói. Ao mesmo tempo, é tão contraditório, porque o sujeito que passou a vida inteira se preparando para passar em uma prova que irá definir o que ele será na vida, de repente se vê diante de um dilema altamente complexo: o da exigência de estar aberto a mudanças, ser autônomo, proativo, saber decidir, lidar com a complexidade do nosso mundo e, na maioria das vezes liderar e inspirar outras pessoas. É isso o que as empresas esperam. Acabam gastando muito dinheiro para encontrar sujeitos que tenham perfis que não estão de acordo com a lógica educacional. |
A nossa educação está deixando as pessoas doentes e está matando nossos jovens. |
Seja pressionando professores a se adequarem cada vez mais ao modelo mercantilista da fábrica do "conhecimento", pagando mixaria para que tenham jornadas duplas ou triplas, para replicar conteúdo que serão usados para marcar X em uma página, seja forçando os nossos alunos a serem o que não estão dispostos a ser. A escola tira a possibilidade do sujeito experienciar situações adversas e, ao contrário disso, cria simulacros que cegam quem se atreve a ser diferente. Fora da escola a história é bem diferente. |
A nossa educação está fazendo cada vez mais vítimas, cada vez mais novas. Crianças de 2 anos estão recebendo livros didáticos cheios de atividades que limitam a sua descoberta e percepção de mundo. O adestramento está acontecendo cada vez mais cedo, de forma impecável. É inacreditável isso! É um absurdo ver crianças muito pequenas chegando em casa com dever de casa, com provas marcadas e atividades sem sentido, submetendo-as a uma pressão cada vez maior e mais cedo para se enquadrarem na mediocridade do nosso mundo. E nós adultos nos esquecemos de que a criança tem que interagir com o mundo, fazendo com que ela reconheça os seus limites, respeite as pessoas, desenvolva capacidades e possibilite a descoberta do novo e que, finalmente, pratique a empatia. É preciso dar a oportunidade da criança se autoconhecer, de forma saudável, afinal educar, para o dicionário, é “dar a (alguém) todos os cuidados necessários ao pleno desenvolvimento de sua personalidade”. |
Criança tem que brincar, se sujar, cair, levantar, subir e o que mais for necessário. Tem que reconhecer e fazer uma leitura do mundo. O que acontece é que antes de começarem a decifrar o mundo já estão começando a ser pré-formatadas. A desculpa é que precisam de disciplina. Não têm a oportunidade de criarem a sua visão própria, construtiva. Ao contrário recebem disciplina motivada pelo medo, sem a oportunidade da construção de argumentação para as questões complexas. E o sujeito crítico, onde fica? Este não tem vez. É indisciplinado demais para a sociedade. Não vai passar no Enem. Não interessa mais. Será excluído da sociedade. É um fracassado. Não vai ser ninguém na vida. Vai tomar bomba, tem notas vermelhas. Vai ouvir grito, vai apanhar. Vai ser punido, insistentemente até se tornar dócil. Limpo, asséptico, finalmente educado. Não vai haver mais a possibilidade de pensar fora da caixa. Não vai inovar e para a militância se tornou "crítico". Agora já sabe marcar o X no lugar certo. Parabéns! Já pode ganhar uma estrelinha. |