Um último adeus…
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Um último adeus…

Uma homenagem a minha vó, escrita de coração e publicada quando considerei que estava boa suficiente para ela.

Kauê
5 min
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You were as kind as you could be and even though you’re gone, You still mean the world to me

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Saudade: uma palavra (e sentimento) profunda a qual somente existe em nossa língua portuguesa. Considero que seja uma das mais difíceis de serem definidas, perdendo apenas para vida e consciência. É neste sentido no qual escrevo este texto.

Para enfatizar a situação, defino ela em uma única frase: a pessoa que mais sentirei saudade sem nem tê-la conhecido direito. Confesso que comecei a escrever antes do acontecimento. Todavia, estava com receio de que não ficasse tão bom quanto ela era. Por gentileza, considere que finalizei antes disso tudo terminar. Ela é a pessoa que mais amei em tão pouco tempo de convivência.

Natal de 2020: final do ano passado, meus pais me convidaram para viajar e conhecer todo o restante da família, incluindo a vó. Quando a esmola é demais, o santo desconfia. Por alguns meses hesitei e, como não tinha o que perder, aceitei, mas ainda um pouco relutante. Bem, provou-se ter sido apenas a melhor decisão de todo aquele ano conturbado. Conheci uma cidade incrível e pessoas ainda mais do que especiais, inesquecíveis. Repito a você: nada acontece por acaso. Engolir o orgulho de vez em quando pode proporcionar-te experiências que mudarão tua vida.

Em pouquíssimo tempo de convivência, percebi uma inteligência e humor singulares nela: por mais delicada que fosse a situação, ela conseguia ironizar e arrancar risadas de uma maneira inesquecível. Todos ao redor, aflitos e devastados e, mesmo assim, ela aliviava o clima com um bom humor único. Que pessoa incrível.

Tenho a impressão que se tivéssemos mais tempo juntos, provavelmente seria a pessoa certa para responder dezenas de dúvidas hipercomplexas as quais permanecem sem respostas até hoje. Proprietária de uma inteligência sofisticada, um senso de humor brilhante e uma bondade e luz inestimáveis.

Devo ser sincero em afirmar que não a conheci direito. Não tive tempo e nem oportunidade em tê-la conhecido antes. Entretanto, adoraria muito ter convivido com ela por alguns meses ou anos a mais. Parece a segunda vó que jamais terei. Tudo que tenho são algumas poucas ótimas lembranças e muita expectativa e saudade de algo que nunca precisou acontecer para me marcar para sempre. Aquele sorriso, aquela inteligência, aquele humor, aquelas conversas únicas jamais ocorridas, uma simplicidade e vontade de fazer o que era certo e um coração que caberia o mundo todo e ainda assim continuaria sobrando espaço.

Uma nova informação me quebrou: quando voltasse para a casa, ela gostaria que eu fosse com ela pois gostou muito de mim. Se tal informação tivesse chegado ao meu consciente no dia que comecei a escrever, com certeza absoluta, teria desabado.

Enquanto finalizava esta homenagem, tive o seguinte insight: e se, na minha infância, ao invés de ter sido obrigado pela maravilhosa e ilibada justiça brasileira a passar um mês por ano com a minha mãe, tivesse ido, uma única vez, passar um mês com a vó quando tinha uns 8 aos 10 anos, como teria sido toda a minha vida? Provavelmente teria me mudado radicalmente. Para melhor? Não sei dizer e jamais saberei. Se toparia o risco? Com a mais absoluta certeza.

Em um único mês, você me mudou de uma maneira que jamais esperaria. Ninguém esperaria além d’Ele. A vida não é uma fórmula exata a qual sou completamente aficionado e ficaria horas e mais horas tentando prever possibilidades e antecipar movimentos, como em um jogo de xadrez. O que você falou pra mim em seus últimos momentos consciente, levarei para sempre. Pediu para cuidar dela e jamais a abandonar. Você não pede, você manda. Seu pedido é uma ordem. Assim farei, vó. Com todo o carinho e amor que a senhora nos deu. É a minha missão. É o seu legado e é o que passarei aos meus filhos, que passarão aos meus netos e assim em diante.

Uma pequena e bem desconhecida curiosidade a meu respeito: tenho uma função sensitiva inferior (SE-inf) bem subdesenvolvida (o que explica a minha péssima memória). Consequentemente, tenho apego a coisas ou objetos bobos os quais me lembram de pessoas extremamente especiais para mim. Um rádio-relógio velho que foi-me dado pela minha vó paterna e incrivelmente funciona até hoje. Um Jiraiya (do Naruto) em miniatura, presente de um amigo. O último perfume do meu avô (o qual devolvi para minha outra vó pois senti que ela precisava mais do que eu). O último definitivamente é o meu antigo quarto.

Moro na mesma casa há 12 anos. Tenho um quarto há 12 anos também. Em um mês, virou o seu quarto e assim permanecerá pelo resto dos meus dias. Não consigo mais e parece que se voltasse para lá, desonraria ou desrespeitaria o seu espaço, onde você deu seus últimos suspiros de alegria e amor. Sua missão foi mais do que cumprida. Pode ir em paz e sem nenhum resquício de arrependimento ou amargura. É uma lembrança a qual guardarei com carinho para sempre. Que o Nosso Pai, em sua bondade infinita, te receba de braços abertos. Te amarei para sempre e sempre. Descanse em paz.