BOMBEIRO, ATÉ QUANDO VOCÊS VÃO CONTINUAR PROCURANDO?
Após mais de 72 horas de operação em Brumadinho eu me encontrava extremamente cansado física e psicologicamente, estava este tempo todo sem dormir e resolvi sentar um pouco para ter um momento de sossego. Peguei um café para ver se as ideias na minha cabeça gostariam de um pouco de cafeína para se organizar. Acomodei-me em um banco afastado do posto de comando e ao meu lado sentou um repórter que estava lá desde o primeiro dia, Edu Ribeiro o nome dele. Ele olhou para minha cara e para o meu café, não teve como não oferecer, mas pela minha cara ele viu que eu realmente estava precisando do café e acabou recusando a minha oferta. | ||
-Agora não tem mais esperança não né capitão? | ||
-De que? | ||
-De encontrar alguém vivo! | ||
Neste momento a cafeína acionou todos os neurônios de anos de estudo de desastres e todos os casos de vítimas que foram encontradas vivas acima das previsões técnicas vieram à minha mente, e lembrei da frase famosa do cabo Denílson. | ||
-A nossa esperança de encontrar alguém vivo, termina quando a gente encontra essa pessoa sem vida. | ||
-Mas capitão, com o passar dos dias fica mais difícil. | ||
Realmente, ficava muito mais difícil encontrar alguém vivo com o passar dos dias. E isso me levou a refletir sobre o que nos movia. Na nossa mente, as questões técnicas gritavam que seria impossível encontrar alguém vivo naquele mar de lama. Os estudos de desastres mostram que as chances de encontra alguém vivo depois de um grande terremoto são próximas de 0 depois de 5 dias, sendo que em um terremoto existem os famosos “bolsões de ar”, que ajudam as pessoas a permanecerem vivas nestas células de sobrevivência, muito diferente do que estávamos vivenciado ali. O recorde de sobrevivência era de uma mulher no terremoto de 2005 do Paquistão, que passou 63 dias debaixo dos escombros até ser encontrada. Eu ficava me apegando nestes dados a fim de ter ainda esperanças, a minha emoção falava mais alto que a razão. Eu sabia que se aquelas famílias pudessem estariam rastejando na lama junto com todos nós a procura de seus familiares, mas como isso não era possível cabia a nós sermos a esperança daquelas famílias. | ||
Ser a esperança de alguém não é tarefa fácil, principalmente quando o cansaço chega, quando a lama começa a sugar sua energia, quando o suor começa a se transformar em lagrimas. Eu sempre disse que o inimigo do impossível era a disciplina, a persistência, continuar fazendo o certo mesmo quando não estávamos motivados, fazer aquilo que éramos treinados para fazer. Mas naquela ocasião, naquele momento em que parei para refletir o que nos movia, eu sentia que não era a tão difícil DISCIPLINA, era a FÉ | ||
Não digo fé de cunho religioso, de acreditar em um Deus, embora eu acredite e muito. Mas aquela força interior, aquela voz na nossa mente que insiste em continuar, única e exclusivamente pelo fato de acreditar em algo que vezes não tem explicação, de acreditar que você vai realmente conseguir, sem saber como, mas que você simplesmente acredita. Essa Fé é que nos leva a fazer coisas que um dia alguém pensou ser impossível. | ||
Naquele dia, 3 dia depois do rompimento, os números iniciais de desaparecidos passavam de 500 pessoas, para muitos não se tratava mais de se iríamos encontrar pessoas vivas, mas se encontraríamos todos naquele mar de lama. | ||
Sem saber que qual seria o número oficial de desaparecidos eu sabia que maior que minha esperança, deveria ser a minha fé em encontrar todas aquelas pessoas. | ||
A minha resposta para o Edu, que depois veio a se tornar um amigo, foi. | ||
-Edu, maior que a minha esperança, é a minha fé. Nós vamos encontrar todos, como? Eu não sei, só sei que vamos encontrar. | ||
Poucas pessoas me deram ouvidos, mas os poucos que me ouviram, e tinham a mesma fé, se apegaram na disciplina para fazer o impossível. | ||
Passados 302 dias de operação, eu recebi uma foto de um amigo, que também foi um grande instrutor dentro do Bombeiro, Major Josias, que estava nos primeiros dias um Nessa foto um colar que foi encontrado com uma das nossas Joias, nesse colar a palavra “Fé” estava soterrada, mas ela foi resgatada de onde muitos não acreditaram ser possível. | ||
Hoje após 856 dias, mais uma vítima foi identificada! Mais uma vez, os bombeiros, aqueles que insistentemente diziam que DESISTIR NÃO ERA UMA OPÇÃO, que ignoravam as estatísticas e se apoiavam no impossível, tiveram a noticia, que renova nossa ESPERANÇA. Sim a esperança, porque como bombeiros, nossa fé é infinita! | ||
Então lhes digo, se a sua esperança acabar se apegue na fé, ela deve ser INFINITA, pois ela é inimiga do IMPOSSÍVEL. | ||
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