Montevidéu 2021 - Suas Vítimas e Seus Vilões
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Montevidéu 2021 - Suas Vítimas e Seus Vilões

Para quem está de fora, não apenas fisicamente, mas emocionalmente também, talvez fique mais fácil analisar o que foi essa final de Libertadores. Antes de mais nada é importante frisar que esse desfecho sem títulos importantes em 2021 era pre...

Marcio Santi
6 min
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Andreas - vítima ou vilão ?
Andreas - vítima ou vilão ?

Para quem está de fora, não apenas fisicamente, mas emocionalmente também, talvez fique mais fácil analisar o que foi essa final de Libertadores. Antes de mais nada é importante frisar que esse desfecho sem títulos importantes em 2021 era previsto por mim como o mais provável. Digo isso apenas para explicar porque me considerei de fora emocionalmente nessa final.

É claro que ao apito final a tristeza tomou conta de mim. Isso é inevitável. Passei o sábado, desde a hora que acordei, com um sentimento estranho, como se já estivesse pressentindo a ressaca da derrota antes dela se materializar como se materializou, com requintes de crueldade.

Mas pra explicar o porque desse 2021 pra lá de frustrante, preciso voltar no tempo, pois aqui passado próximo e distante se misturam com a Montevidéu de 27 de novembro de 2021. 

O gosto amargo de fim de ciclo é sempre muito difícil de se assimilar. Sempre passamos por uma fase de negacionismo, mesmo que  temporário. Vivi isso com profunda dor especificamente no ano de 1983. Naquele ano o Flamengo ganhou o campeonato brasileiro a duras penas. Ainda comemorávamos o tri em 4 anos quando veio a notícia da venda do Zico. Ali todos já sabiam que o que viria pela frente ia ser bem diferente do que vivemos nos anos mais mágicos de nossa história. De 1979 a 1983 surfamos nossa melhor onda. E que onda nos deu …

As fichas só caíram com o gol do Assis. Sim, eu sei o quanto é difícil aceitar o fim de um ciclo vitorioso. Aquele gol dói até hoje, só de lembrar. Dói muito mais do que a barrigada do Renato Gaucho. Isso … ele mesmo. Calma que eu já chego no Renato do presente. 

Em 2019 vivemos um ano mágico. Ouso dizer que nenhum ano foi tão mágico quanto o de 2019. Similar, apenas 1981. O ciclo 1978-1983 foi disparado o mais incrível de nossa história, mas 2019 foi mais intenso do que um ano individualmente do ciclo 78-83. Pessoalmente carrego comigo um sentimento especial em relação a 2019. A comunhão entre eu e meu filho Bernardo da mesma forma que tive nos anos 80 com meu pai. Isso, mais do que dezembro de 81, vai ficar muito marcado na história, na minha história com meu filho.

Vencemos juntos
Vencemos juntos

O ano de 2020 começou no mesmo ritmo, avassalador, mas veio a pandemia. Sem dúvida ela nos tirou o melhor técnico de nossa história, sem dúvida a pandemia quebrou com a nossa magia. 

Depois da saída de Jorge Jesus, a diretoria de Rodolfo Landim começou a se perder acima de tudo pela soberba. Não que já não houvesse sinais de falta de visão sobre o que é e o que representa um clube gigantesco como o Flamengo, tão amado, tão odiado e tão ópio de um povo tão precarizado. A forma como foram tratadas as famílias dos garotos do ninho que morreram queimados e asfixiados dentro de contêineres nas instalações do clube constitui-se de longe o maior vexame de nossa história. E prestem bem atenção, se o fato em si foi uma tragédia, o tratamento dado às famílias dos meninos foi abjeta. Uma mancha. É bom lembrar que isso também aconteceu no mágico ano de 2019, que também terminou com a crise inacreditável da famosa gratificação que seria dada a jogadores e alto escalão da comissão técnica, mas não aos demais membros. Vergonha de novo. Ora, somos o clube mais popular do país. Negar isonomia para os menos favorecidos de um staff milionário mostra o caráter dessa gente. 

Esses fatos podem parecem dissociados, mas não vejo assim. A desastrosa final de Montevidéu tem nome: soberba. Sim, ela tem uma relação estreita e inabalável com o Flamengo desde a formação do timaço dos anos 80.

Não gosto do Rogério Ceni como pessoa, falta carisma, falta sensibilidade, empatia e muitas vezes faltou sim leitura de jogo. Mas ele pode ser chamado de um técnico de futebol. Mais, um técnico de futebol sério, que quando viu a pixotada do talentoso e naquela época badalado goleiro Hugo nas quartas de final da Copa do Brasil contra o São Paulo, não hesitou em tentar interromper a entrevista que ele mesmo tratou de cavar logo após a grotesca falha. Sacou o soberbo e talentoso jovem do time e o colocou numa espécie de quarentena, visando ao mesmo tempo poupá-lo e ter tempo para trabalhar a cabeça do jovem goleiro.

Alguns detalhes, e são inúmeros, expõem no quanto de oba-oba se transformou o Flamengo. Enquanto nos tempos do JJ houve uma blindagem entre comissão técnica e o oba-oba narcisista e arrogante  dessa diretoria, com a queda do Ceni e a chegada do Renato Portaluppi aconteceu de forma simétrica o inverso: os tapetes vermelhos da arrogância de Landim e sua turma foram estendidos para o futebol. E aí eu cito alguns desses detalhes: tomar gol contra o Grêmio com o lateral bebendo agua e comemorando com os jogadores no banco de reservas e sim: no gol de empate do Gabriel em Montevidéu, tirar a camisa mostra que o foco era mais o DVD do que o título. Por que em 2019 o Gabigol não tirou a camisa no gol de empate e sim no 2x1 ? Porque  ali sim  o jogo havia terminado. 

No ciclo dos anos 80 tínhamos um jogador que fazia de uma certa forma o papel de um JJ dentro de campo, pois esse cara era disparado o mais sério do time e ao mesmo tempo disparado o melhor. E eu nem preciso falar no nome do santo. Entendedores entenderão. Terminada a semi-final com os 5x0 sobre o Grêmio dele, do Renato Gaucho, o nosso treinador interrompeu a comemoração de alguns jogadores para fazer observações e reclamar de alguns comportamentos, posicionamentos, sei lá o que … Chamou o Gerson e o jovem Reinier.

A arrogância de achar que não precisávamos de técnico para sermos campeões, pois bastava colocar o dream team em campo que aí diria o Gabigol: “esquece“, foi fatal. Vimos um time visivelmente abaixo fisicamente em relação ao Palmeiras. Isso era claro nas divididas. Além disso do outro lado havia estratégia. Abel Ferreira não é um grande técnico, mas é um técnico e é sério. O mesmo pode-se dizer de Ceni. Renato Gaucho não é nem um nem outro: nem técnico e muito menos sério. 

A conta do prejuízo, que representa a meu ver o fim de um ciclo (a interrupção já é fato em um 2021 sem títulos expressivos) mais breve do que se imaginava, deve ficar na conta de Landim e seus arrogantes discípulos, que acharam que podiam economizar com departamento médico, preparação física e treinador apenas midiático, além de brigar com a CBF assinando um termo como interventor da entidade. Isso não saiu de graça para o Flamengo no Campeonato Brasileiro.

Mas não duvido que para esses arrogantes a culpa vai ser toda do Andreas Pereira. Pra mim Andreas é muito mais outra vitima da soberba do Flamengo do que o vilão da final.

Márcio Santi.