5 respostas fundamentais para a pergunta: 'como ensinar a ler?'.
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5 respostas fundamentais para a pergunta: 'como ensinar a ler?'.

A alfabetização é o 1º contato da criança com a educação formal. Conhecer a metodologia correta para alfabetizar e organizar o ensino é fundamental.

Mariane Assis Dias
12 min
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A alfabetização é o 1º contato da criança com a educação formal. Conhecer a metodologia correta para alfabetizar e organizar o ensino é fundamental.

  •  É importante escolher uma metodologia de ensino adequada?

Não é apenas importante, como essencial escolher uma metodologia de ensino adequada para ensinar uma criança a ler. Isso porque uma boa metodologia reúne as melhores práticas para o ensino da leitura e deve ser baseada na premissa mais importante para aprendizagem correta:

“Aprender a ler não é natural, portanto não se aprende a ler, lendo. Para aprender a ler alguém precisa ensinar e para ensinar a educadora deve compreender todo o processo da alfabetização”. No artigo “não nascemos programados para ler” (disponível aquiessa premissa foi profundamente fundamentada.

Importante que você fique ciente que nem todas as metodologias de alfabetização se baseiam na premissa citada acima.

Os métodos globais ou analíticos de alfabetização levam em consideração que a aprendizagem da leitura deve ser mais significativa e motivadora para a criança e que para isso a alfabetização deveria partir das maiores unidades da linguagem, textos ou palavras. Por esse motivo que a maioria das metodologias de alfabetização vigentes no Brasil hoje parte das palavras, como o próprio nome do aluno ou de textos e não instruem especificamente sobre os elementos constituintes da palavra. Ou seja, não começam ensinando sobre os sons das letras ou formação das famílias silábicas e como elas formam uma palavra e somente depois frases e textos.

Ao contrário disso, os métodos sintéticos, em especial o método fônico de alfabetização baseia-se na premissa citada acima: a criança não sabe quais são esses elementos constituintes da palavra e para isso é preciso ensinar explicitamente as letras e o que elas representam: valores sonoros.

Quando escolhemos uma metodologia de alfabetização é preciso pensar que mais do que o passo a passo para seguir, devemos nos basear em uma premissa coerente com a aprendizagem da leitura. Se ela não é natural, é preciso fornecer as bases essenciais para a alfabetização e nesse ponto, os métodos sintéticos são mais eficazes.

Para Dehaene (2011), o método global causou uma ilusão, apesar de que fosse vã e ineficaz, pois não corresponde à maneira pela qual funcionam as redes neuronais da leitura. As evidências comprovam que a decodificação da relação letra-som não apenas é relevante, é essencial para a formação do bom leitor. Yi et al. (2019) citado em RENABE, 2020 “apontam a existência de uma rede neural que sustenta a leitura, identificada em leitores de diversos sistemas de escrita. Os dados fornecidos por neuroimagens constataram maior ativação cerebral na área responsável pelo processamento da conversão ortografia-som em pessoas que estavam aprendendo a língua chinesa, o que ressalta a constante necessidade do estabelecimento da relação letra-som para quem aprende a ler”.

  •  Por onde começar a ensinar a ler?

Em 2000 o National Reading Panel dos EUA elencou 5 pilares que devem sustentar bons programas de alfabetização e você deve começar aprendendo sobre cada um deles e contemplar no seu planejamento para a etapa da alfabetização. Confira abaixo:

1 – Desenvolvimento da consciência fonêmica;

2 – Instrução fônica sistemática;

3 – Fluência de leitura;

4 – Vocabulário e,

5 – Compreensão de textos.

A consciência fonêmica, um dos componentes da consciência fonológica, refere-se ao conhecimento consciente das menores unidades da fala (fonemas) e a capacidade de manipulação intencional dos sons das letras em uma palavra. Para isso é essencial a criança aprender quais são os sons de cada letra e como identificar esses sons nas palavras. Essa habilidade pode ser desenvolvida desde a educação infantil, a partir dos 4 anos de idade e esses temas foram melhor abordados em dois artigos anteriores:

“Como assim as letras têm sons? (disponível aqui https://pingback.com/marianeassisdias/como-assim-as-letras-tem-sons)” e “Checklist da consciência fonêmica” (disponível aqui).

Segundo o PNA (2019) "a instrução fônica sistemática leva a criança a aprender as relações entre as letras (grafemas) e os menores sons da fala (fonemas). “Fônica” é a tradução do termo inglês phonics, criado para designar o conhecimento simplificado de fonologia e fonética usado para ensinar a ler e a escrever. Não se deve confundir a instrução fônica sistemática com um método. Ela é apenas um dos componentes que permite compreender o princípio alfabético, ou seja, a sistemática e as relações previsíveis entre grafemas e fonemas. O ensino do conhecimento fônico se mostra eficaz quando é explícito e sistemático (com plano de ensino que contemple um conjunto selecionado de relações fonema-grafema, organizadas em sequência lógica) (CARDOSO-MARTINS; CORRÊA, 2008). Assim, as crianças aplicam na leitura de palavras, frases e textos o que aprendem sobre as letras e os sons. Portanto, a instrução fônica sistemática e explícita melhora significativamente o reconhecimento de palavras, a ortografia e a fluência em leitura oral (MULDER et al., 2017; CARDOSO-MARTINS; BATISTA, 2005).”

fluência em leitura refere-se à habilidade de ler um texto com velocidade, precisão e prosódia. Para ler com fluência a palavra precisa ter sido decodificada em algum momento, por repetidas vezes e ter se tornado automaticamente reconhecida. Não se trata de memorizar a forma global da palavra, mas de decodificar a partir do conhecimento explícito entre a relação letra-som e guardar a sua pronúncia, entonação, ortografia e significado. E para isso é preciso treino e exposição frequente às palavras para que elas se tornem frequentes para os pequenos leitores.

vocabulário deve ser desenvolvido para garantir a sua aplicabilidade na leitura e produção de textos. Esse ponto pode ser desenvolvido desde a mais tenra idade através da prática da leitura em voz alta dos pais. Quanto maior o vocabulário de uma criança, mais rápido acesso ao significado da palavra ela terá durante a leitura, facilitando a compreensão. A prática de leitura em voz incrementa o vocabulário da criança, pois há milhares de palavras e variações delas que não usamos habitualmente no cotidiano durante as conversas.

Por fim a compreensão de texto é a finalidade da leitura, lemos para compreender, mas ler não é compreender. Para compreender textos, é necessário desenvolver diferentes habilidades e capacidades relacionadas à compreensão da linguagem e ao código alfabético (MORAIS, 2013). Para isso é essencial desenvolver as habilidades anteriores, pois segundo Anita Archer, pesquisadora americana, não há estratégia de compreensão leitora forte o suficiente que seja capaz de remediar uma má decodificação e ausência de fluência em leitura.

Diante dos 5 pilares apontados para um bom programa de alfabetização chega-se a conclusão que entre os métodos de alfabetização o que mais se assemelha com o que a criança precisa desenvolver é o método fônico, através  do conhecimento das partes da palavra, as letras e os seus sons, a manipulação desses sons, a associação dos sons aos grafemas que o leitor terá a condição de fazer a decodificação de uma palavra.

  • Como introduzir o alfabeto?

A melhor forma de introduzir o conhecimento do alfabeto é lembrar-se que o mesmo representa a nossa fala e que para isso é essencial ensinar os sons de cada letra. Afinal, as letras são sinais gráficos e representativos dos sons. Pois, antes de existir a forma gráfica das letras, surgiu a fala. O alfabeto foi uma forma de representar, portanto, os sons. Esses sons podem ser: sons vocálicos ou sons consonânticos.

Por isso, não se esqueça de apresentar essa parte mais importante e para se inspirar em maneiras criatividade de aplicar atividades com o alfabeto confira o artigo completo aqui.

  • A criança pode brincar com o alfabeto?

Certamente não há nenhum impacto negativo em deixar a criança explorar o alfabeto, se acostumar com as suas formas e nomes das letras que são as partes mais evidenciadas atualmente. Mas, não se esqueça: aproveita a brincadeira para evidenciar o som de cada letra. Conforme apontado anteriormente a instrução fônica sistemática refere-se à capacidade da criança “bater” o olho na letra e reconhecer o som que ela representa. Para isso os momentos de brincadeira são úteis para ajudar a desenvolver essa habilidade.

  • Posso estimular a leitura infantil?

A leitura pode ser estimulada desde através da leitura em voz alta. Para entender a importância e a relevância da leitura em voz alta é preciso responder uma questão: quando a criança estará alfabetizada?

Ela estará alfabetizada quando for capaz de ler com compreensão e fluência, ou seja, ler com rapidez, precisão e expressão adequada e compreender o que lê (National Reading Panel, 2000).

Alligton (1983) argumentou há décadas atrás que, embora a fluência seja essencial para a criança estar alfabetizada essa foi a habilidade de leitura mais negligenciada, e ainda hoje, em 2021, observando o cenário brasileiro preciso concordar com o autor. A fluência está relacionada também com a velocidade e que nos estágios iniciais de instrução tende a ser lenta e até trabalhosa e apresenta uma melhora gradual ou incremental por meio da prática (Samuels, 1979). Será através da prática que a fluência ocorrerá, portanto, antes de ser fluente a criança precisa aprender a ler. No método fônico a leitura se dará inicialmente pela rota fonológica, nesse caso a pronúncia da palavra é construída segmento a segmento por meio da aplicação de regras de correspondência grafofonêmica, e assim será predominantemente pelo primeiro ano da alfabetização (Sebra e Capovilla, 2010). No segundo ou terceiro ano, a depender do desenvolvimento da criança, a pronúncia da palavra passa a ser resgatada como um todo a partir do léxico, acessada quando a palavra já está pré-armazenada no léxico mental ortográfico, para isso a criança precisa ter tido acesso prévio as palavras pela rota fonológica por diversas vezes, repetidamente, e a rota fonológica vai se tornando mais eficiente e mais rápida conforme a criança já conheça as palavras que ela está decodificando. Nesse ponto é crucial que criança tenha vocabulário prévio. Ao decodificar uma palavra pela rota fonológica a criança conseguirá fazer isso mais rapidamente conforme ela já tenha tido contato prévio com essa palavra, através da linguagem oral. Ela será capaz de acessar o significado da palavra mais rapidamente e quanto maior contato prévio com palavras, ou seja, quanto maior o seu vocabulário, maior será a sua capacidade de ler com maior velocidade, mesmo pela rota fonológica. Nesse ponto que o vocabulário se encontra com a alfabetização.

Atenção: há décadas não se nega a importância instrucional na leitura, porém nem só de vocabulário se vive um bom leitor. Para acessar esse vocabulário prévio esse leitor precisa primeiro aprender a ler essas palavras. Mas, destaca-se aqui que o vocabulário acidental que pode ocorrer, por exemplo, com a leitura em voz alta em sala de aula, bem como a leitura em voz alta em família diariamente, é de grande valia para subsidiar o aumento do dicionário léxico e nos anos em que se consolida a alfabetização é essencial já ter tido acesso a diversas palavras e ter um vocabulário rico. Quanto maior e mais rico o vocabulário maior a chance de se compreender o que se lê (Brasil, 2019).

A prática da leitura em voz alta é ainda mais relevante, pois estudos demostram e foram apontados por Morais et al (2013): "que o vocabulário de uma criança de um meio sociocultural desfavorecido é muito inferior ao de uma criança de um meio favorecido, mesmo antes de iniciar a leitura. É sabido que a leitura é um poderoso instrumento de valorização e ampliação do vocabulário. Como a criança do meio sociocultural mais favorecido adquire mais rapidamente do que a outra as competências necessárias para aprender a identificar as palavras escritas, ela vai ler melhor, vai praticar mais a leitura e, por conseguinte, a lacuna entre as duas vai ser cada vez maior. Isto implica que uma criança de meio socialmente desfavorecido corre sete a oito vezes mais riscos de se tornar má leitora do que uma criança de meio favorecido.”

Estudos mostram também que as ações no seio familiar são mais importantes para o sucesso escolar do que a renda ou escolaridade da família. Isso é válido para crianças de diferentes etapas da educação básica, quer a sua família seja rica ou pobre, quer seus pais tenham ou não terminado o ensino médio.

Se além do vocabulário as famílias desejam que as crianças compreendam bem os textos que terão acesso ao longo da sua vida, com início na alfabetização, é importante que a leitura em voz alta seja praticada e que seja estimulada a escuta atenta e ativa de histórias pela criança, desde a mais tenra idade. Afinal, a compreensão oral precede a compreensão textual (Brasil, 2019).

 Mais sobre práticas de leitura em voz alta e como desenvolver na sua casa ou sala de aula, confira o artigo “Literacia familiar – importância na alfabetização” disponível aqui.

Neste post, você viu 5 respostas fundamentais para a pergunta: 'como ensinar a ler?'. E descobriu como melhorar o processo de alfabetização do seu filho/aluno.

Que tal agora se aprofundar no conhecimento sobre os sons que as letras representam e apresentar isso de forma clara e definitiva para as crianças? 

Confira abaixo como fazer isso de uma forma efetiva:

REFERÊNCIAS

Allington, R. L. (1983). Fluency: The neglected reading goal in reading instruction. The Reading Teacher, 36, 556-561.

Brasil. 2019. Ministério da educação: Secretaria de alfabetização. Conta pra mim: Guia de literacia familiar. Disponível em: http://alfabetizacao.mec.gov.br/images/conta-pra-mim/conta-pra-mim-literacia.pdf

CARDOSO-MARTINS, C.; BATISTA, A. C. E. O conhecimento do nome das letras e o desenvolvimento da escrita: evidência de crianças falantes do português. Psicologia: Reflexão e Crítica, v. 18(3), 330-336, 2005.

CARDOSO-MARTINS, C.; CORRÊA, M. F. 2008. O desenvolvimento da escrita nos anos pré-escolares: questões acerca do estágio silábico. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 24(3), p. 279-286. 

S. Dehaene, 2011. Os neurônios da leitura. 

Morais, J.; I., Leite; R. Kolinsky. 2013. Entre a pré leitura e a leitura hábil: condições e patamares de aprendizagem. In.: Alfabetização no século XXI - como se aprende a ler a escrever. M., Maluf; C., Cardoso-Martins. Penso.

MORAIS, J. 2013. Criar leitores: para professores e educadores. Barueri: Manole.

MULDER, H. et al. Early executive function at age two predicts emergent methematics and literacy at age five. Frontiers in psychology, v. 8, p. 1706, 2017.

RENABE, 2020. Relatório Nacional de Alfabetização Baseada em Evidências [recurso eletrônico] / organizado por Ministério da Educação – MEC ; coordenado por Secretaria de Alfabetização - Sealf. – Brasília, DF : MEC/Sealf.

Samuels, S. J., Miller, N., & Eisenberg, P. (1979). Practice effects on the unit of word recognition. Journal of Educational Psychology, 71, 514-520.

W., Yi. et al. Left hemiparalexia of Chinese characters: Neglect dyslexia or disruption of path- way of visual word form processing? Brain Struct Funct. 2014 Jan;219(1):283-92.