Para a criança aprender a ler, ela precisa dominar o sistema alfabético que é composto por letras. O que cada uma dessas letras representam? Confira no presente artigo.
Para a criança aprender a ler, ela precisa dominar o sistema alfabético que é composto por letras. O que cada uma dessas letras representam? Confira no presente artigo. | ||
Frequentemente ouvimos que a complexidade da ortografia do português é uma das dificuldades para a criança aprender a ler, entretanto alertou José Morais em seu livro “A arte de Ler” (1995) que isso não é a razão maior de fracasso na aprendizagem da leitura, a maior prova disso é que muitas crianças fracassam até mesmo em palavras escritas com correspondências simples com os fonemas da língua, e distúrbios da leitura são observados mesmo em línguas que têm uma ortografia praticamente regular, como o espanhol ou francês. Para o autor, a principal razão de fracasso na aprendizagem da leitura parece ser a dificuldade para a criança da descoberta do fonema, chave da compreensão do princípio alfabético. | ||
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As letras são sinais gráficos e representativos dos sons. Pois, antes de existir a forma gráfica das letras, surgiu a fala. O alfabeto foi uma forma de representar, portanto, os sons da fala. Esses sons podem ser: sons vocálicos ou sons consonânticos. Os sons vocálicos são as vogais que do ponto de vista articulatório podem ser consideradas sons formados pela vibração das cordas vocais e modificados segundo a forma das cavidades supralaríngeas, que devem estar sempre abertas ou entreabertas à passagem do ar. Enquanto que, nas consoantes, há sempre uma cavidade bucal promovendo o obstáculo à passagem da corrente expiratória (Cunha & Cintra, 1989). Esses sons são os fonemas de uma língua que permite distinção, assim, o fonema é a menor unidade sonora da palavra que permite distinções semânticas e está presente em nosso inconsciente desde que aprendemos a falar. | ||
Inicialmente esse conhecimento dos fonemas para falar é algo natural, inconsciente, já nascemos preparados para isso. No entanto a aprendizagem consciente de que as letras que vemos representam sons que falamos e ouvimos não é natural. Essa associação precisa ser feita explicitamente e conhecer isso faz parte do princípio alfabético: saber que a letra representa um som, um nome e uma forma gráfica. | ||
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Em uma carta transcrita por Morais (1995) o autor questiona: “qual é o vínculo entre a percepção da fala e a aprendizagem do código alfabético? À primeira vista, a distância entre ambas é enorme. Quando falamos, não soletramos as palavras pelos nomes das letras. Não dizemos “be-a-erre”, dizemos “bar”. A percepção da fala implica a referência a representações inconscientes de fonemas. Para aprender a ler é preciso aprender a associar letras e representações conscientes de fonemas. Existe, portanto, um elemento comum às duas funções (da fala e da leitura): O FONEMA. Só que se trata de representação inconsciente no caso da fala, e de representações conscientes no caso da leitura. Isso faz alguma diferença? SIM, ENORME. É isso que faz que a fala seja adquirida facilmente, sem esforço, sem necessidade de escola, por simples exposição, enquanto a leitura pode ser difícil de aprender e exige uma instrução específica”. | ||
O autor continua: “para descobrir a maneira como as palavras escritas alfabeticamente correspondem a palavras faladas, a criança deve descobrir os fonemas. Ora, como sabemos, sem receber uma instrução sobre o código alfabético, a criança não descobre os fonemas. Aí está um círculo vicioso que é apenas aparente, mas que permite ilustrar a dificuldade da aprendizagem da leitura e da escrita”. Alvin e Isabelle Liberman afirmaram que a fala é fácil de ser adquirida e a leitura é difícil porque é preciso passar do fonema inconsciente à consciência do fonema. Para a criança utilizar o sistema alfabético na leitura ela precisará descobrir os fonemas, compreender que o que ela fala e ouve tem relação com o que ela vê através da letra, automatizar esse reconhecimento e ser capaz de analisar e sintetizar os fonemas constituintes da palavra é o que fará diferença na aprendizagem da leitura. | ||
Em uma escrita alfabética como a nossa do português, as crianças precisam descobrir a estrutura fonêmica da linguagem que inicialmente foi repassada dos alfabetos dos fenícios e dos gregos. | ||
Diante de uma palavra há vários sons, vocálicos ou consonânticos que serve para dar significado. Por exemplo, nas palavras BALA e MALA, há fonemas iniciais diferentes (/b/ e /m/) que permitem distinção de significado (Morais, 1995; Cristófaro-Silva, 2021). Dehaene (2012) aponta que os símbolos da escrita organizados pelos gregos não representavam mais os elementos de significado, nem mesmo sons complexos como sílabas inteiras, mas sim as classes das menores unidades sonoras da língua falada: os fonemas. Para cada fonema há um grafema, ou seja, cada fonema é representado por uma letra ou grupo de letras (como no caso dos dígrafos quando, por exemplo, QU ou CH representam um único fonema). O autor afirma: “a etapa decisiva da leitura é a de decodificação dos grafemas em fonemas”. | ||
A noção de que a linguagem falada é composta de sequências desses pequenos sons que são representados pelos sinais gráficos das letras não surge de forma natural, espontânea ou fácil em nós, seres humanos. Sem a instrução direta a percepção dos sons da fala escapa completamente a 25% dos estudantes do primeiro ano, ou sejam, a cada 100 alunos, 25 deles não terão nenhum consciência quanto a isso (Adams, 2006). Na educação a incapacidade ou a dificuldade em perceber e manipular esses sons da fala implicará em dificuldades para a aprendizagem da leitura e escrita. Pois, sabe-se que conhecer e identificar os sons das letras significa aumentar a capacidade e a habilidade de promover a leitura bem sucedida na alfabetização. | ||
Diante disso, cientes de que não é natural a compreensão de que a escrita representa a fala e que as palavras são compostas por unidade menores que são os fonemas, o caminho mais seguro e eficiente para a criança aprender a ler é compor um ensino explícito dos sons que cada letra representa. | ||
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Será que para isso basta expor a criança à análise de palavras, por exemplo, como seu próprio nome (EXEMPLO AQUI: HELOISA X JOAQUIM X GILSON)? | ||
E a partir das palavras de seus próprios nomes a outras palavras semelhantes? | ||
Não é esse o melhor caminho. Dehaene (2012) alerta: não se pode supor que o aluno terminará por adquirir a correspondência entre as letras e os seus sons em consequência de ver muitas palavras. O autor aponta que é preciso explicar claramente ao aluno que cada “som” tem suas “roupas”, as letras ou grupos de letras que podem vesti-lo e que, inversamente, cada letra se pronuncia de um ou de várias maneiras possíveis. Dessa forma, esses sons devem ser introduzidos numa ordem lógica: começa-se pelos mais simples e mais regulares, aqueles que se pronunciam sempre da mesma maneira, como as consoantes “v” e “f”, para se incorporam aos poucos, outros sons. | ||
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Outro ponto merece atenção: não é aconselhável apresentar as letras pela ordem alfabética. Mas sim considerando algum critério de dificuldade. Como tudo na vida precisamos partir do mais fácil ao mais difícil, tal como ocorre com os bebês, primeiro se aprende a rolar, depois a engatinhar, a andar com apoio, a andar sem apoio, correr, pular, saltar, etc. | ||
Mas então como definir o que é mais fácil e o que é mais difícil? | ||
Neste artigo proponho começar pelas vogais e seguir pelas consoantes fricativas cujos sons podem ser estendidos por mais tempo e facilitam a sua percepção, seguida das consoantes oclusivas. Esses termos citados anteriormente correspondem à forma com que os sons são articulados e produzidos pelo aparelho fonador. | ||
Uma ordem de sugestão de apresentação dos sons das letras é apresentada na Figura 1 e abaixo: | ||
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Figura 1: Sugestão de ordem de apresentação dos sons das letras. | ||
No caso das vogais, que são os sons mais fáceis de serem emitidos ou percebidos porque elas são sempre sonoras (vibram as cordas vocais) e não há obstrução na passagem do ar, as cavidades supralaríngeas estão abertas ou entreabertas à passagem do ar. As vogais podem ser orais abertas ou fechadas com variações de 7 sons. Além dos sons nasais, quando as vogais, por exemplo, antecedem as letras M e N e formam dígrafos vocálicos, ou são acentuadas pelo til. É importante apresentar as variações, pois os sons se alteram nas palavras e através desse contato prévio a criança já saberá disso. | ||
Nas consoantes a corrente expiatória sempre encontra alguma obstrução para a passagem do ar, quando a obstrução for total chamamos de consoantes oclusivas e parcial, as consoantes constritivas, e elas se caracterizam quanto ao modo e ponto de articulação, ou seja, onde o obstáculo (total ou parcial) será produzido na cavidade bucal. | ||
Quanto ao ponto de articulação as consoantes podem ser: bilabiais, labiodentais, linguodentais, alveolares, palatais ou velares. E por qual motivo é preciso uma educadora interessada na alfabetização precisa saber dessa informação ao apresentar os sons das letras? Ou, ainda, significa que ao apresentar esses sons direi essas questões para a criança? Absolutamente não. A utilidade em conhecer sobre os pontos de articulação entre as letras é para auxiliar a criança a emitir, perceber e se preciso, desfazer confusões entre os sons que cada letra representa. | ||
Por exemplo, as consoantes comumente divididas em pares podem apresentar confusão na emissão ou identificação do som pela criança, nesse caso uma maneira eficiente e que ajuda a desfazer confusão de som é orientar a criança a observar a vibração das cordas vocais. Veja por exemplo as letras F e V, ambas são constritivas do tipo fricativas e têm também o mesmo ponto de articulação, labiodental, porém elas se diferenciam quanto ao papel das cordas vocais, na letra F as cordas vocais não vibram e são chamadas de surdas ou menos sonoras enquanto que na letra V elas vibram, ou seja, são mais sonoras. Peça para a criança colocar a mão na garganta e sentir a vibração. | ||
Ou, no caso das consoantes M e N que são oclusivas nasais e podem soar parecidas na palavra e a criança não ser capaz de identificar se trata do som de uma ou de outra, ou ainda, no momento da escrita não ser capaz de identificar qual letra deve usar para codificar uma palavra. No caso da consoante M os lábios se tocam, como na palavra MACACO ao passo que na consoante N não há esse contato, mas sim, o contato entre a ponta da língua com a raiz dos dentes incisivos superiores, diferenciando assim as duas consoantes através dos pontos de articulação. | ||
E para explicar os sons dessas letras bastas que apresentemos a sua forma gráfica e digamos o seu nome e som, como: essa é a letra “M” (apontando para a sua grafia) e o seu som é /m/? | ||
Isso pode ser útil para algumas crianças, no entanto, a maioria delas pode enfrentar dificuldades para memorização dos sons dessas letras, que deve ser o objetivo final desse ensino explícito. Para isso, o recurso das dramatizações na apresentação dos sons das letras pode ser útil. E como podemos fazer isso? | ||
Por exemplo, selecione a consoante M e diga que a menina ao comer o macarrão faz “mmmmmm”, dramatizando o som e sustentando a letra m nas palavras. | ||
Para finalizar, nesse artigo apontei que: | ||
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O conteúdo desse artigo está disponível também em vídeo: | ||
E para aprofundar em cada um desses pontos, principalmente quanto ao ponto de articulação de todas as consoantes, quais são os sons que cada letra representa e a ordem de apresentação de cada uma delas, bem como os materiais de apoio para memorização desses sons, convido-lhe a conhecer o meu curso “as letras e os seus sons”, através do link: | ||
https://lp.marianeassisdias.com.br/pv-osl-v1/ | ||
Referências | ||
Adams, M. 2006. Consciência fonológica em crianças pequenas. Artmed. | ||
Cunha, C.; Cintra, L. 1989. A nova gramática do português contemporâneo. Lexikon. | ||
Cristófaro Silva, T. 2021. Fonética e fonologia do português. Contexto | ||
Dehaene, S. 2012. Os neurônios da leitura. Penso. | ||
Morais, J. 1995. A arte de ler. Editora Unesp. |