Jogos de alfabetização: Os piores erros ao aplicar.
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Jogos de alfabetização: Os piores erros ao aplicar.

Jogos de alfabetização são excelentes ferramentas de ensino, porém há erros que podem jogar todo o esforço por água abaixo. Veja como evitá-los.

Mariane Assis Dias
12 min
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Jogos de alfabetização são excelentes ferramentas de ensino, porém há erros que podem jogar todo o esforço por água abaixo. Veja como evitá-los.

  • Por que aprender com jogos?

A estratégia de jogos é excelente para envolver e motivar a participação das crianças durante qualquer etapa da aprendizagem, inclusive na alfabetização. As crianças pequenas na fase da alfabetização tendem a se envolver mais na aprendizagem quando estão atentas e os jogos podem ser utilizados com uma estratégia de nortear a atenção da criança. No entanto, para que o seu uso seja útil é preciso ter em mente que os jogos devem estar associados a uma estratégia de ensino explícito e sistemático.

  • Do que se trata um ensino explícito e sistemático?

Anita Archer, pesquisadora e educadora americana, define que o ensino explícito e instruído ocorre através da instrução simples e direta, não é ambígua e tem como objetivo o entendimento e aprendizagem dos alunos (Archer & Hughes, 2010). Ou seja, no ensino explícito ensina-se efetivamente o que a criança precisa aprender e sistemático porque segue uma ordem de aquisição de habilidades, do que é mais simples para a criança aprender ao mais complexo. Um exemplo prático:

Para aprender a ler a criança precisa dominar o sistema alfabético. No artigo “maneiras criativas de aplicar atividades com alfabeto” (disponível aqui) expliquei sobre o nosso sistema, que é composto por letras que representam valores sonoros. Partindo da necessidade da criança compreender esse sistema é mais efetivo ensinar explicitamente esses sons das letras, associado com outras atividades preditoras de sucesso para a alfabetização.

No entanto, esse ensino explícito e sistemático é tido como vilão por muitos educadores brasileiros, quando pode e dever ser um aliado na aprendizagem. Sobre a importância do ensino explícito eu já escrevi um artigo completo sobre esse tema, disponível aqui.

  • Quando os jogos podem ser um problema?

Dito isso agora você já sabe que para os jogos sejam úteis devem ser aplicados nesse contexto em que ensinamos aquilo que a criança não sabe e que precisa aprender, com o intuito de reforçar e incentivar a aprendizagem de algo que já foi explicitado anteriormente. Ou seja, não adianta adotar uma estratégia de jogos se previamente o conceito não foi trabalhado com a criança, pois o jogo não garante o ensino explícito, mas, ele é um aliado para reforçar esse ensino.

Nesse sentido não é útil também utilizar jogos aleatórios, que não atendem a nenhum objetivo pedagógico, mas apenas para entreter as crianças. Nesse caso os jogos sem objetivo pedagógico podem ser utilizados em momentos que não têm como objetivo o domínio do sistema alfabético, ou seja, da aprendizagem da leitura. Importante a pessoa que está na frente do processo, conduzindo a educação ter clara essa diferença entre jogos de entretenimento e jogos com um objetivo pedagógico específico.

Outro erro grave é proporcionar à criança jogos fáceis demais para a fase em que ela está assim como difíceis demais.  Marylin Adams cita que “as crianças não prestam atenção quando estão entediadas ou frustradas. E não aprendem quando não prestam atenção”. Ou seja, jogos muito fáceis ou muito difíceis tendem a entediar a criança e assim não favorecem a aprendizagem, que deveria ser justamente o objeto da aplicação de um jogo na sala de aula.

Atenção também deve ser dada a forma como o jogo será aplicado. Além de fornecer jogos condizentes com o que a criança já aprendeu ou está aprendendo, os jogos devem ser explicitados claramente e para isso é essencial que a educadora a frente do processo dê o exemplo. Não basta citar as regras e instruções é preciso primeiro demonstrar para a criança como ela deve jogar.

  • O que fazer para evitar problemas com esses jogos?

O essencial é que a educadora a frente do processo da alfabetização seja bem formada e saiba o que fazer, porque fazer e como fazer. Diante disso, sabendo as habilidades que devem ser desenvolvidas para que a criança aprenda a ler, todo momento será oportuno para aplicar jogos. Inclusive formular seus próprios jogos e recursos pedagógicos, afinal quem domina o processo consegue utilizar todo o conhecimento a seu favor e dessa forma se torna livre para elaborar seus próprios materiais e jogos. Para isso não precisará e não dependerá exclusivamente de jogos pedagógicos comercializados. Abaixo apontei algumas sugestões de jogos para alfabetização que você poderá realizar na sua sala de aula ou sala de casa sem muitos recursos.

  • Quais os melhores jogos para alfabetização?

Os melhores jogos são aqueles que reforçam a aprendizagem de um conteúdo já ensinado e que ajuda tanto a fixar, quanto a educadora verificar se as crianças compreenderam os conceitos já apresentados. Diante disso e levando em conta as considerações apontadas sobre os erros que não devem ser cometidos, todo jogo pode ser útil e não há um único caminho, portanto, não há uma lista de “melhores jogos” para alfabetização. Mas sim uma lista de sugestões de jogos que consideram que o ensino explícito foi efetivamente executado anteriormente e que a partir disso terá um momento oportuno para aplicação de jogos.

Confira abaixo algumas seleções de jogos para as diferentes etapas da alfabetização:

  • Jogo para a etapa da "Consciência fonológica"

A consciência fonológica refere-se à habilidade de discriminar e manipular os segmentos da fala (Capovilla, 2000). Esses segmentos são: frases, palavras, sílabas e fonemas. Além da forma da linguagem que inclui rimas e aliterações. No artigo “tudo sobre a consciência fonológica na pré-alfabetização” disponível aqui esses temas foram tratados mais profundamente.

As evidências científicas e experiências internacionais comprovam que a habilidade de estar conscientemente atento aos sons da fala se correlaciona com o sucesso na aquisição da leitura e escrita (Stanovich et al, 1984; Wimmer et al, 1991). As habilidades da consciência fonológica antecedem a aquisição da leitura e escrita que de fato é a fase da alfabetização, logo a consciência fonológica refere-se à pré-alfabetização. Ou seja, são as habilidades da consciência fonológica que melhor preparam a criança para a alfabetização.

Para auxiliar a aprendizagem dessa fase sugiro dois jogos que podem ser realizados de forma oral e que não serão necessários materiais impressos:

  • "Jogo das sílabas que vão passear" na etapa da consciência de sílabas:

Selecione algumas palavras que dentro delas existam outras, por exemplo: SOLDADO, se retirar SOL o que restou? DADO. Assim como se retirar o DADO, ficou SOL.

O objetivo do jogo é permitir que a criança seja capaz de manipular as palavras no nível das sílabas e perceba nessa atividade que há palavras dentro de outras. Esse tipo de manipulação permite a criança perceber com a palavra se estrutura e é essencial para a etapa mais complexa da consciência fonológica que é a consciência fonêmica. Quando a manipulação das palavras será no nível dos fonemas que são as menores unidades constituintes da palavra.

O jogo ajuda a deixar a atividade mais divertida e atraente, sem deixar de ser útil.

Você pode contextualizar e dizer que citará uma palavra, mas que uma parte da palavra decidiu passear e que ao fazer isso a palavra mudou, e então o que formou?

Lembre-se de sempre exemplificar previamente, conforme eu fiz anteriormente para você entender.

Abaixo separei algumas palavras para essa manipulação:

SAPATO: PATO – SAPA  

MACACO: MACA – CACO

SOLDADO: DADO - SOL

CASACO: CASA - SACO

GALINHA: LINHA

MAMÃO: MÃO

TUCANO: CANO

PALHAÇO: PALHA

SACOLA: SACO – COLA

A inspiração desse jogo oral vem da música disponível no Youtube, se você tiver talento pode cantar!

  • "Jogo enigma" na etapa da Consciência fonêmica

Somente saber os sons das letras não basta. O desafio maior é fazer a criança identificar os fonemas em uma palavra, por exemplo, identificar o fonema inicial ou se houve troca de um fonema na palavra. A etapa mais difícil da consciência fonêmica é a criança ser capaz de ouvir os fonemas individuais, ou, os sons de cada letra e uni-los para formar uma palavra e acessar o seu significado. Ela precisa ouvir os sons atentamente, unir cada um deles e dizer a palavra formada. E o mais importante é que ao formar a palavra ela saiba o que significa, compreendendo então a formação da palavra. Quando a criança chegar nesse ponto ela estará dominando a habilidade da consciência fonêmica. Para isso é preciso um ensino explícito da relação letra-som e o desenvolvimento das habilidades de consciência fonêmica que já foram apontadas nesse artigo aqui.

E uma das maneiras de auxiliar esse processo é através do “jogo enigma”.

O que você vai precisar?

De uma educadora a frente do processo dizendo individualmente o som de cada letra de uma determinada palavra. Por exemplo, na palavra MALA, a educadora deverá emitir os sons das letras separadas, pausadamente e com a maior clareza possível: /m/ /a/ /l/ /a/

Em seguida, a criança deverá dizer a palavra que se forma.

Lembre-se de selecionar no início palavras de até duas sílabas e formadas pelas sílabas mais comuns do português (consoante + vogal), denominadas de sílabas canônicas. Conforme a criança avançar insira palavras de 3 sílabas e outras estruturas silábicas.

  • "Jogo para leitura de palavras" por Maria Montessori - para crianças que começaram a ler

Sobre uma mesa expõe diversos brinquedos e coloca os bilhetes com os nomes desses brinquedos em uma caixinha.

Cada criança deve escolher um bilhete e ler em silêncio. Uma criança levanta-se e pega o brinquedo correspondente ao que está escrito no seu bilhete. Depois entrega o bilhete ao adulto que deve conferir se foi feita a leitura correta. E depois a criança pode brincar com seu brinquedo.

Na ocasião, se houver alunos que ainda não sabem ler na sala de aula, alguns colegas que já leem podem realizar a atividade e entregar o brinquedo nas mãos daqueles que não sabem ler. Assim você verá a generosidade e auxílio entre as crianças florescer.

Segundo Montessori (2017) uma das vantagens da aplicação desse jogo das palavras é exercitar a leitura mentalmente e despertar um vivo interesse pela leitura. Segundo ela esse exercício contribui para a compreensão do que a criança está lendo, que deve ser o objetivo final da aprendizagem da leitura: “a compreensão leitora”. A autora citou “a leitura, da qual deve surgir o sentido, há de ser mental e não vocal”.

  • "Utilizando o pop-it para praticar a identificação das consoantes b-d durante a leitura espelhada" - para crianças que começaram a ler letras de imprensa

O brinquedo do momento “pop-it” em um jogo de alfabetização? Sim, para isso você precisará de um pop-it, uma caneta de quadro branco e algumas figuras que disponibilizei abaixo. Durante o início da leitura de livros ou apostilas é comum a criança ter contato com a letra de imprensa, maiúscula ou minúscula. A letra de imprensa é exatamente esta que você está lendo agora. E nessa fase além da escrita espelhada é comum a criança se confundir durante a leitura entre as letras que se parecem como b – d, p –q. Isso porque a criança vive uma “fase do espelho”, para o cérebro aprendiz a letra, independente da sua direção é uma letra. Estima-se que a criança leve 2 anos de instrução explícita e contato constante com as letras para parar de cometer esse engano (Dehaene, 2011). Para auxiliar nesse processo exercícios de discriminação visual são uteis assim como o jogo proposta aqui que visa a identificação das letras. Para isso você pode imprimir as figuras abaixo e escrever no pop-it uma sequencia aleatória das letras b – d, utilize caneta de quadro banco e lembre-se de após a atividade retirar do pop-it para não correr o risco de fixar a escrita nele com o tempo.

A criança pode sortear a figura e identificar qual o som inicial e apertar no pop-it a letra correspondente.

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  • "Jogo da forca" para a fase da consolidação da escrita ortográfica de palavras

Lembra-se do jogo da forca? Ele é útil para consolidar a escrita ortográfica correta e auxiliar a criança avançar na escrita, assim como no desenvolvimento de vocabulário. Para isso selecione inicialmente palavras pequenas, que a criança já conheça previamente e com escrita ortográfica regular com o som de cada letra. Deixe as palavras com sons irregulares, como a consoante S entre vogais que tem o valor sonoro de Z (CASA) para a segunda etapa, quando a criança já entendeu o jogo e conseguiu se desenvolver bem com as palavras regulares. Uma dica valiosa é utilizar grupos semânticos de palavras para fazer uma sequência de jogo da forca, como palavras que são frutas, brinquedos, cores, etc. No início é importante você dar a dica de qual grupo semântico vocês estão tratando. O ensino explícito e sistemático prevê que as atividades e jogos sejam aplicados considerando o que a criança já sabe e exemplificando claramente o que se espera dela. Além disso, é essencial dar os meios para a criança desenvolver-se bem com os jogos, para que assim ela efetivamente aprenda e não se sinta desmotivada.

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Referências

Archer, A.; Hughes, C. 2010. Explicit instruction: effective and efficient teaching (What works for special-needs learners). The Guilford Press.

Capovilla, A. G. S.; Capovilla, F. C. 2000. Problemas de leitura: como identificar, prevenir e remediar numa abordagem fônica. São Paulo, SP: Memnon, FAPESP. 

Dehaene, S. 2011. Os neurônios da leitura. Penso.

Montessori, M. 2017. A descoberta da criança: pedagogia científica. Kírion.

Stanovich, K. E.; Cunningham, A. E.; Cramer, B. R. 1984. Assessing phonological awareness in kindergaten children: Issues of task comparability. Journal of Experimental Child Psychology, 38, 175-190.

Wimmer, H.; Landerl, K.; Linortner, R.; Hummer, P. 1991. The relationship of phonemic awareness to reading acquisition: more consequence than precondition but still important. Cognition, 40, 219-249.