O que tratar na reunião de pais de uma sala de alfabetização em que as crianças serão ensinadas a ler pelo método fônico de alfabetização?
O que tratar na reunião de pais de uma sala de alfabetização em que as crianças serão ensinadas a ler pelo método fônico de alfabetização? | ||
Primeiramente os pais precisam ter claro o que é a alfabetização: | ||
"A alfabetização é o ensino das habilidades de leitura e de escrita em um sistema alfabético, a fim de que o alfabetizando se torne capaz de ler e escrever palavras e textos com autonomia e compreensão" | ||
Pessoa alfabetizada é, portanto, aquela que domina o sistema alfabético e é capaz de decodificar (ler) e codificar (escrever) a relação grafema-fonema e tem como finalidade produzir e compreender textos. | ||
O sistema alfabético é representado pelas letras do alfabeto que por sua vez são sinais representativos dos sons da fala. O alfabeto foi uma forma de representar, portanto, os sons da fala. Esses sons podem ser: sons vocálicos ou sons consonânticos. Os sons vocálicos são as vogais que do ponto de vista articulatório podem ser consideradas sons formados pela vibração das cordas vocais e modificados segundo a forma das cavidades supralaríngeas, que devem estar sempre abertas ou entreabertas à passagem do ar. Enquanto que, nas consoantes, há sempre uma cavidade bucal promovendo o obstáculo à passagem da corrente expiratória (Cunha & Cintra, 1989). Esses sons são os fonemas de uma língua que permite distinção, assim, o fonema é a menor unidade sonora da palavra que permite distinções semânticas e está presente em nosso inconsciente desde que aprendemos a falar. | ||
Inicialmente esse conhecimento dos fonemas para falar é algo natural, inconsciente, já nascemos preparados para isso. No entanto a aprendizagem consciente de que as letras que vemos representam sons que falamos e ouvimos não é natural. Essa associação precisa ser feita explicitamente e conhecer isso faz parte do princípio alfabético: saber que a letra representa um som, um nome e uma forma gráfica. | ||
A relação grafema-fonema deve ser dada pelo conhecimento explícito de que um fonema (a menor unidade sonora da palavra, popularmente conhecido como fones ou sons que ouvimos e falamos), cujos sons podem ser representados por um grafema (uma letra ou grupo de letras). | ||
Em um contexto de ensino explícito, sistemático e bem instruído parte-se do princípio que a aprendizagem da leitura não é natural e para ler primeiro é preciso aprender a ler. | ||
Os pais precisam receber a informação clara e que não tenham dúvidas de que para aprender a ler é preciso instrução explícita. | ||
Embora o fonema para a fala seja natural, no caso da leitura é preciso uma representação consciente e isso faz uma diferença enorme: aprendemos a falar naturalmente, mas, não aprendemos a ler naturalmente, a leitura exige uma instrução específica. Para descobrir a maneira como as palavras escritas alfabeticamente correspondem a palavras faladas, a criança deve descobrir os fonemas. Ora, como sabemos, sem receber uma instrução sobre o código alfabético, a criança não descobre os fonemas. Aí está um círculo vicioso que é apenas aparente, mas que permite ilustrar a dificuldade da aprendizagem da leitura e da escrita. Alvin e Isabelle Liberman afirmaram que a fala é fácil de ser adquirida e a leitura é difícil porque é preciso passar do fonema inconsciente à consciência do fonema. Para a criança utilizar o sistema alfabético na leitura ela precisará descobrir os fonemas, compreender que o que ela fala e ouve tem relação com o que ela vê através da letra, automatizar esse reconhecimento e ser capaz de analisar e sintetizar os fonemas constituintes da palavra é o que fará diferença na aprendizagem da leitura. | ||
E a forma mais eficiente para garantir que todas as crianças aprenderão a ler é: o ensino explícito das menores unidades constituintes da palavra, os sons que as letras representam, para a posterior formação das sílabas e palavras, através de uma instrução fônica explícita. | ||
Sem a instrução direta a percepção dos sons da fala escapa completamente a 25% dos estudantes do primeiro ano, ou sejam, a cada 100 alunos, 25 deles não terão nenhum consciência quanto a isso (Adams, 2006). Na educação a incapacidade ou a dificuldade em perceber e manipular esses sons da fala implicará em dificuldades para a aprendizagem da leitura e escrita. Pois, sabe-se que conhecer e identificar os sons das letras significa aumentar a capacidade e a habilidade de promover a leitura bem sucedida na alfabetização. | ||
David Kilpratick, professor da Universidade Nova York, citou em uma entrevista que ensinamos a ler de maneiras diferentes, mas as crianças aprendem a ler com proficiência apenas de uma maneira. As evidências científicas reforçam a necessidade da instrução fônica sistemática (RENABE, 2021) e não há evidências de que isso desanime as crianças ou torne a leitura mais difícil. Na verdade, é o oposto. Quando você NÃO fornece às crianças uma visão do código e NÃO as arma com uma visão da linguagem, tanto falada quanto escrita, o que acontece é um mistério, não há certeza no sucesso da aprendizagem em leitura, visto os atuais índices de proficiência em leitura dos alunos brasileiros no final do terceiro ano, quando aproximadamente 50% das crianças não conseguem ler fluentemente e consequentemente compreender textos (PISA, 2018). | ||
Depois dessa aprendizagem, utiliza-se a leitura para aprender e compreender textos. | ||
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Todas as crianças precisam aprender as mesmas coisas para se tornarem leitores hábeis (Seidenberg, 2017). Um leitor hábil é um bom leitor que identifica palavras com precisão, fluência e velocidade, dentro e fora de textos (EHRI, 2014). | ||
Para ler corretamente um bom leitor precisa: | ||
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Para desenvolver o conhecimento da linguagem a criança precisa ser exposta a interações verbais de qualidade, fatos, acontecimentos, histórias reais que dão a ela a oportunidade de ter contato com a estrutura da língua. Por exemplo, nesses diálogos cotidianos a criança percebe que a fala tem uma estrutura que comunica significado, uma organização, que exige um raciocínio verbal para compreender o que se fala e o que está implícito nos diálogos e principalmente o desenvolvimento de vocabulário acidental. Aquele que a criança é exposta pelos diálogos. Para isso basta a criança estar imersa em um ambiente que ocorram diálogos ricos e variados. Além de diálogos frequentes, crianças imersas em ambientes de leitura em voz alta são beneficiadas. Entre os benefícios da leitura em voz alta está a estimulação da escuta ativa da criança e isso pode ser capaz de contribuir com o aumento da atenção e memória, além da promoção da compreensão oral, que é a capacidade da criança compreender o que ouve. Não é possível compreender o que se lê, sem antes ser capaz de compreender o que se escuta. Depois de consolidadas, as habilidades de compreensão oral também são usadas na leitura (Brasil, 2019). | ||
Um dos indicadores mais importantes de quão bem uma criança aprenderá a ler é a diversidade e a qualidade de sua linguagem falada e vocabulário, e a exposição a novas palavras e seus significados pode ocorrer fortemente através da leitura em voz alta. Purcell-Gates (2017) descobriu que, após controlar a renda e o nível de educação dos pais das crianças de 5 anos que ainda não tinham aprendido a ler, as crianças que foram expostas a leitura em voz alta, nos últimos dois anos, usou uma linguagem mais literária, frases mais longas e estruturas de frases mais sofisticadas. Além disso, um adulto lendo com uma criança tem mais probabilidade de explicar ou expandir os significados de palavras e conceitos que a criança ainda não conhece, aumentando seu conhecimento prévio. | ||
Para ser capaz de reconhecer as palavras e decodificar o código escrito, ou seja, para ler, a criança precisa de um ENSINO EXPLÍCITO, SISTEMÁTICO E BEM INSTRUÍDO que a permita compreender como o que está escrito se relaciona com o que ela ouve e fala. Para ler a criança precisa compreender que a escrita mapeia a fala. Para isso ela precisa estar atenta aos sons da fala. Em um primeiro momento, durante o ensino explícito a atenção dela estará voltada para as maiores estruturas da linguagem, que são as frases, que por sua vez, as frases são compostas por palavras e estas por sílabas, por fim, cada sílaba é formada por fonemas que são os sons das letras. | ||
Além das unidades constituintes da linguagem, a criança também deverá ser conduzida a percepção de que a língua tem uma forma. Que há palavras que rimam (têm o final igual) e palavras que têm o mesmo som inicial. Essa primeira percepção é chamada de consciência de rimas e aliterações. | ||
FRASES – PALAVRAS – SÍLABAS – SONS DAS LETRAS | ||
Ao conhecer a estrutura destacada acima a criança desenvolverá a consciência de frases e palavras; consciência de sílabas e consciência fonêmica. Nesta última, ao aprender que cada letra tem um som e memorizar cada um desses sons, a criança é ensinada a perceber esses sons nas palavras. Essa é uma das habilidades preditoras mais importantes que a criança precisa desenvolver para aprender a ler. Ao aprender os sons constituintes da palavra MOLA ela estará atenta às menores unidades da palavra e perceberá que se trocar algum som e consequentemente, alguma letra da palavra, o significado também mudará. Por exemplo, na palavra MOLA se substituir a vogal O pela vogal A formará a palavra MALA. Em um primeiro momento as atividades de consciência fonêmica são desenvolvidas oralmente, isso porque a criança deve estar atenta aos sons constituintes da palavra. Assim como as demais habilidades citadas acima, no início não significa que a criança aprenderá a escrever palavras que rimam ou aprender a escrita de todas as famílias silábica e ser capaz de separar as sílabas em um papel, mas sim, prestar atenção nesses segmentos da fala oralmente e ser capaz de identifica-los de forma oral. | ||
Quando o conhecimento dos sons das letras, incluindo a memorização desses sons e identificação desses sons nas palavras, estiver consolidado, chegou o momento de associar e automatizar o reconhecimento do som de cada letra com a sua forma gráfica. Esse reconhecimento é chamado de desenvolvimento do PRINCÍPIO ALFABÉTICO. Nesse momento a criança será ensinada que ao ver a forma gráfica de uma letra deverá associar ao seu valor sonoro. Para que, ao juntar os sons das letras ela consiga decodificar uma palavra. Assim ela aprenderá a ler identificando letra por letra, não dependerá de pistas visuais para a leitura ou memorizar a forma global das palavras. Crianças que aprendem a ler dessa forma são capazes de ler quaisquer palavras que lhe são apresentadas, dentro e fora de contextos. | ||
Nesse ensino explícito, sistemático e bem instruído na aprendizagem da leitura, a escrita pode ser desenvolvida paralelamente, através do treino motor da escrita das letras isoladamente. Mais importante do que escrever através da memorização das formas das palavras é a criança aprender a ler. Aprendendo a ler da forma citada acima a escrita será uma consequência e após a decodificação das palavras (leitura), ela será capaz de codificar as palavras que escuta (escrita). Assim, primeiro se aprender a ler, depois a escrever. | ||
Em um ensino sistemático, a aprendizagem da leitura concentra-se inicialmente na leitura de palavras e posteriormente frases e textos. Para ler bem é preciso treino constante de ficha de leitura de palavras, por exemplo. Ao consolidar a leitura de palavras, deve-se avançar para leitura de uma pequena frase e posteriormente de textos. Esse avanço permitirá que a criança passe a ler cada vez mais rapidamente, com maior precisão, velocidade e entonação correta em cada palavra. Com a automatização das habilidades de reconhecimento de palavras é liberado espaço na memória para os processos de compreensão. Um leitor hábil tem uma execução fluente da leitura e coordenação de reconhecimento de palavras e compreensão de textos (PNA, 2019). | ||
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Em sala de aula ou no atendimento de crianças as profissionais da área da alfabetização devem adotar um ensino explícito, sistemático e bem instruído da relação letra-som. Para isso preparam a criança para perceber e memorizar os sons das letras. Por isso atividades de desenvolvimento da memória e desenvolvimento da escuta atenta ativa podem ser desenvolvidas em paralelo às atividades formais de alfabetização. | ||
Ao invés de reforçar a cópia e escrita de palavras e atividades em folha, as profissionais evidenciam atividades orais que desenvolvam a capacidade de percepção auditiva e oral da linguagem, afinal a alfabetização começa pela percepção auditiva. Embora usemos nossos olhos para ler, o mapeamento da leitura passa pelos nossos ouvidos. Pois as letras escritas em um papel têm uma relação sonora com o que ouvimos e falamos. A escrita (codificação) é uma consequência da aprendizagem da leitura (decodificação). | ||
As letras são apresentadas pela sua forma gráfica, mas, sobretudo pelos seus sons, para isso a profissional utiliza de dramatizações dos sons das letras para auxiliar a memorização das crianças. Por exemplo, ao apresentar a letra V, sua forma gráfica e seu som, a profissional apresentará o som do avião para representar a letra V. Dessa forma, no início do processo o nome da letra não será algo prioritariamente trabalhado, bem como a ordem alfabética. Mais importante do que isso é a criança saber os sons de cada uma das letras e reconhecer as letras pelos sons. Pois essa informação é crucial para a aprendizagem da leitura e decodificação das primeiras palavras. | ||
Na fase da leitura, primeiramente são apresentadas palavras para a criança ler e conforme as estruturas silábicas forem apresentadas palavras mais difíceis são apresentadas para as crianças. Nesse ensino sistemático parte-se do mais simples ao mais difícil. Primeiro se aprende a ler com as palavras, depois avança para frases e textos. A compreensão leitora é o objetivo final da alfabetização, lemos para compreender, mas no início do processo da aprendizagem da leitura não significa que a criança conseguirá compreender tudo que lê. Sobretudo no início, já que as estratégias de decodificação demandam muita atenção da criança. Para desenvolvimento da compreensão leitora é preciso exposição e treino de leitura. | ||
Neste caminho e a devida apresentação do que as crianças serão ensinadas, não há família que não confie na sua formação pedagógica, por este motivo invista na sua formação para passar a segurança que precisa aos pais e ser reconhecida profissional por isso. | ||
Bom trabalho à você que optou pelo ensino explícito, sistemático e bem instruído e que diante disso ensinará claramente as habilidades preditoras que antecedem a leitura e consequentemente, o método fônico de alfabetização. | ||
Abraços, | ||
Mariane | ||
Referências | ||
Adams, M. 2006. Consciência fonológica em crianças pequenas. Artmed. | ||
PNA, 2019. Política Nacional de Alfabetização. Brasília: MEC, SEALF. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/images/banners/caderno_pna_final.pdf | ||
Purcell-Gates, 2017. In: “Parents as Literacy Brokers” in “The Routledge International Handbook of Early Literacy Education”. Ed.: Natalia Kucirkova, Catherine E. Snow, Vibeke Grøver, Catherine McBride. Routledge. | ||
M. Seidenberg, 2017. Language at the Speed of Sight: How We Read, Why So Many Can't, and What Can Be Done About It. Basic Books; Reprint edição (6 março 2018) |