Frequentemente me questionam o que eu acho sobre a educação domiciliar e por isso resolvi sintetizar alguns pontos polêmicos e a minha opinião sobre eles. Ressalto que até o momento (novembro de 2011!) tenho mais incertezas do que certezas so...
Frequentemente me questionam o que eu acho sobre a educação domiciliar e por isso resolvi sintetizar alguns pontos polêmicos e a minha opinião sobre eles. Ressalto que até o momento (novembro de 2011!) tenho mais incertezas do que certezas sobre o homeschooling, mas sobre esses pontos a seguir eu pude refletir por um tempo e decidi compartilhar algumas opiniões pessoais que expressam como eu enxergo essa questão. | ||
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A educação não acontece somente na escola. É comum imaginarmos que apenas a escola é capaz de educar pessoas formalmente, afinal, como diria John Holt, educador e pesquisador americano, referência na área de educação domiciliar: “passamos tanto tempo na escola que é difícil imaginar que de fato existam outras maneiras de viver e aprender na sociedade atual”. Por isso, é grande a chance de tentarmos reproduzir o que vivenciamos na escola; no ambiente domiciliar. Considerando isso é importante ter em mente que há muitas maneiras diferentes de ensinar e aprender, o ensino domiciliar não precisa ser escolarizado, adotando conteúdos programáticos que são obrigatoriamente aplicados na escola, regulados por diretrizes pedagógicas nacionais, como a Base Comum Nacional Curricular (BNCC). Susan Wise Bauer em “A mente bem treinada” citou que a liberdade de criar um programa acadêmico personalizado para os interesses, necessidades, forças e fraquezas específicos do seu filho é uma das maiores vantagens da educação domiciliar. | ||
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O STF em 2018 citou que a prática carece de regulamentação. Portanto, se de um lado tem a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) que aponta como obrigatória a matrícula de todas as crianças a partir de 4 anos de idade, por outro, não há previsão na constituição. Além disso, o Brasil é um país signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos que prevê que “os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero da educação que será ministrada aos seus filhos”. Diante disso o tema ainda aguarda regulamentação e a tramitação de diferentes projetos de lei. Entre as 7 propostas vigentes, uma delas é a PL3179/12. No Brasil, a regulamentação tem ocorrido a passos lentos, como o caso do Estado de Santa Catarina em novembro de 2021. | ||
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Essa prática já está regulamentada em mais de 60 países, tais como: Estados Unidos, Canadá, Austrália, França, Itália, Portugal, Suíça, Finlândia, Noruega, Áustria, Chile, Equador e Paraguai. | ||
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Posso dizer seguramente que nos anos iniciais da educação formal até a plena alfabetização, uma mãe bem formada, que sabe o que se deve ensinar e como desenvolver as habilidades preditoras de sucesso para a alfabetização e que seja capaz de conduzir esse processo adotando os pilares da boa alfabetização, será capaz de ensinar uma criança a ler com maior qualidade do que a maioria das escolas brasileiras. Assim como uma criança educada integralmente em casa que conte com a tutoria de uma professora bem formada. Isso porque o método de alfabetização mais utilizado nas escolas brasileiras parte do pressuposto de que aprender a ler é natural e por isso não há instrução fônica explícita e sistemática que é a base da aprendizagem da leitura. E nesse ponto a questão pode ser simples: se a escola não ensina corretamente, se a criança não é capaz de aprender o básico, que é ler e escrever, alguém precisa ensinar. Ainda que não integralmente, mas em parceria com a escola. | ||
Esses pontos já foram citados em artigos anteriores do meu clube de assinatura, por exemplo, “Mitos e verdade sobre o método fônico” e “Os 5 piores erros ao alfabetizar seu filho e como evitá-los”. | ||
No entanto, quanto aos anos seguintes, a boa formação dos pais educadores será crucial para a educação formal. E quanto a isso, não tenho todas as respostas prontas até o momento. Mas podemos observar que a qualidade da educação brasileira é lamentável e deixa a desejar, vide os índices educacionais brasileiros (citados no artigo “Alfabetização: existe o melhor método?”) agravados pelos últimos anos de aulas remotas, assunto abordado no artigo “2 anos após o início da pandemia no Brasil: como ficou a situação da educação no Brasil?". | ||
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Segundo Pe. Leonel França em seu livro “A formação da Personalidade”, “pela natureza da sua origem, a escola é uma instituição complementar da família, destinada a ajudar, mitigar e suprir a sua ação educativa. É só em nome dos pais e com a autoridade por eles delegada que qualquer educador pode, na ordem natural, exercer as funções do seu magistério. Forçar o limiar dos lares, arrancar dos braços de seus pais uma criança de 6 ou 8 anos para enclausurá-la numa escola onde se nega o que a educação doméstica afirmou, e lhe destrói o que ela construiu, é a mais intolerável opressão das consciências. Na alma infantil, o antagonismo das duas influências, ambas prolongadas e profundas, acabará por produzir o irreparável dano da ruptura psicológica do equilíbrio interior. E colhemos os frutos naturais da oposição desastrosa entre a escola e a família – consciência sem ideal, sem convicções, sem coesão”. | ||
No entanto, quantos exemplos têm disso: nos momentos em que a escola insiste em colocar os jovens como atores políticos e transformadores da sociedade por vieses, em muitas vezes contrários aos seus próprios pais? E os pais, diante disso são impedidos de reagir, considerando que há uma base comum nacional (BNCC) que obriga as escolas no ensino médio apresentarem ideologia de gênero a todos os alunos, por exemplo. Quando pais não encontram respaldo das suas convicções familiares nas escolas, o que lhes resta? Obviamente que nem todas as escolas são ruins, mas se algum pai tiver a má sorte e não conseguir encontrar uma escola em que confia, não haverá saída diante disso. Por isso, e outros motivos, a liberdade e o respeito ao direito-dever das famílias precisa ser respeitado. | ||
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Não se trata de segregar seus próprios filhos e isolar do restante da sociedade. Visto que criança educada no lar não é sinônimo de isolamento ou ausência de socialização. Aliás, a socialização que ocorre no ambiente escolar é, por vezes, restrita a um número limitado de pessoas, geralmente com as mesmas características sociais e econômicas. Mais uma vez citarei Susan Wise Bauer que defende que “a socialização que mais bem prepara a criança para o mundo real não pode ocorrer quando está trancada em uma sala de aula com um grupo de seus iguais. Ela só acontece quando a criança convive com pessoas que variam muito em termos de idade, personalidade, história e circunstâncias de vida”. Afinal, para um ser humano ser considerado socializado ele precisa se adequar à vida em grupo, com percepção de direitos, limites, solidariedade numa sociedade (conforme definição do dicionário). Os agentes que promovem essa socialização que fornecem a criança o senso de vida em sociedade não são encontrados apenas no ambiente escolar, ou no contato com outras crianças da mesma idade, mas sim a família, a vizinhança, os tutores e mentores que venham a orientar as famílias e crianças. | ||
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Não considero necessária a preocupação de professores quanto à formação das crianças. Aliás, por vezes, será necessária a contratação de tutores para as crianças ou mentores para a família, que formem essas crianças. Aqui está uma grande oportunidade de crescimento profissional de quem vê as novas situações como oportunidade, não como um empecilho. Novos mercados para profissionais da educação podem surgir diante da educação domiciliar. Por exemplo, uma professora pode oferecer mentoria para famílias, indicando planos de ensino adequados, materiais educativos e assim orientando os pais na educação dos seus filhos. Ou, ainda, atuando como tutora e educando diretamente as crianças e adolescentes no ambiente domiciliar. Dessa forma fica evidente que não se trata da desvalorização do papel do professor, pois, muitas famílias precisarão de auxílio para educar seus filhos e nem as crianças ou os professores ficam limitados aos muros de uma escola. O importante é a busca pelo saber e conhecimento. | ||
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Bem como os pais educadores podem buscar melhores formações e isso não precisa estar atrelado a aquisição de um diploma fornecido por uma faculdade regular. Até o século XII, quando surgiram as primeiras faculdades, as pessoas se formavam por livros, liam, estudavam e pesquisavam, assim aprendiam os seus ofícios. No entanto, quantos formados no dia de hoje sequer leram livros completos ou pesquisaram a fundo temas da sua área? A educação domiciliar pode nos mostrar um caminho que precisa ser retomado: a autonomia na aprendizagem. Não é preciso aprender o que se ensina exclusivamente em escolas ou faculdades. Sobre isso, John Holt, dizia que as escolas e as faculdades gostam de dizer que produzem e difundem o conhecimento. Seria mais correto dizer que elas coletam e acumulam o conhecimento, monopolizam o mercado, se puderem, para que possam vender esse conhecimento pelo maior preço. É por isso que nos fazem pensar que só o que se aprende na escola ou faculdade é válido. Mas essa ideia confina, quem não tem condições de pagar por isso, à pobreza. A segregação ocorre nessa questão: um aluno pobre, em geral, nunca terá grandes chances, em larga escala, de estudar em escolas que acumulam mais conhecimento e cobram mais por isso, e isso é um ciclo, porque a faculdade pública absorve as pessoas que estudaram nas escolas mais caras e, por sua vez, são essas pessoas que irão para os melhores empregos. Nesse contexto, a educação domiciliar concede a oportunidade de todos aprenderem, visto que o acesso ao conhecimento disponível em livros, por exemplo, pode ser alcançado por todos, seja através de bibliotecas públicas ou livros de domínio público distribuídos gratuitamente na internet. | ||
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A Organização Não Governamental “Todos pela Educação” que é declaradamente contrária a educação domiciliar citou recentemente, em maio de 2021, através de uma representante, após a divulgação da cartilha do MEC em defesa a educação domiciliar (MEC, 2021): “é uma afronta querer avançar nessa política que é a contramão de cidadãos tolerantes e respeitosos com a diversidade e com quem tem visão ou religião diferente”. No entanto, esquece-se de citar que a educação domiciliar não é uma pauta política recente, de um ou outro político, mas uma necessidade da sociedade e que o Brasil já se encontra atrasado quanto a sua aprovação. | ||
Perceba que a frase em questão enfatiza a diversidade, como se a escola fosse o local que ensinasse e respeitasse a diversidade, ideia semelhante era defendida por Emilia Ferreiro, quando citou em seu livro “Passado e presente dos verbos ler e escrever”, que uma missão da escola nos dias atuais é a de ajudar todas as crianças do planeta a compreender e apreciar o valor da diversidade. O grande problema desse tipo de frase é acreditar que a diversidade só ocorre na escola ou que só se aprende sobre isso lá. Quando o que observamos na realidade é justamente o contrário: a escola, muitas vezes, como propagadora de práticas exclusivas com quem é diferente ou com quem não se encaixa em padrões de grupos iguais. Costumo citar que não há nenhum estudo associado ao desrespeito de crianças ou adolescentes que estudam em casa com outras pessoas diferentes a elas, no entanto, há milhares de estudos associando desrespeitos na escola, que vitimizam milhares de crianças no próprio ambiente escolar, sobretudo através de práticas de “bullying”. Portanto, ainda que a missão da escola seja ensinar sobre diversidade e que isso seja possível apenas nesse ambiente, será que tem obtido sucesso nessa missão? É evidente que não! | ||
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Na minha visão, em longo prazo o homeschooling tende a significar maior demanda de recurso financeiro de uma família. Mas preciso ressaltar que esse ponto sobre a questão financeira por enquanto se trata apenas da minha visão pessoal e do tipo de educação que anseio aos meus filhos, realmente diferente da que a escola pode oferecer. Mas não significa que será o ideal de educação de todas as famílias, algumas certamente podem conseguir formar as crianças em sua plenitude com uma baixa demanda financeira, assim como outras famílias podem desejar dispor de um maior capital para isso. E nesse ponto que se encontra a beleza do ensino domiciliar que tem na sua essência a personalização. E principalmente a circunstância de vida de cada família. Imagino, por exemplo, uma família de 3 filhos em uma cidade de grande porte, como São Paulo, o custo mensal escolar dessas 3 crianças pode girar em torno de R$1.000 a R$1.500,00 por criança com a mensalidade de uma escola. No final do mês a família teria gasto em torno de R$3.000 a R$4.500,00 em mensalidades, mais o material escolar, lanche, gastos com deslocamentos, etc. Certamente em um ambiente domiciliar é possível investir na educação dos filhos um valor ainda inferior e garantir uma boa qualidade do que é ofertado. Mas isso faz sentido quando falamos de famílias de classe média a alta e que poderiam matricular os 3 filhos em uma escola particular. Há ainda casos de famílias que os pais precisam trabalhar para garantir uma renda mínima para a sua casa. E, portanto, a única alternativa viável parece ser a escola. Nesse caso, com um recurso financeiro limitado, cabe aos pais participarem ativamente desse processo educacional de seus filhos e com a certeza de que a escola precisa ser uma parceira da família, garantindo dentro do ambiente escolar a boa educação. O importante é destacar que cada família precisa ter a liberdade de escolher a melhor educação possível aos seus filhos. Não é ponderado pensar que uma família seja obrigada a entregar seus próprios filhos para ambientes hostis e que não valorizam os mesmos princípios morais dos seus pais. E se por um lado, a família encontrar uma escola compatível ao que deseja da boa educação, essa parceira deve ser valorizada e é importante lembrar que todos os ambientes são formados por seres humanos, que erros podem vir a ocorrer, mas que sendo luz e referência da boa educação, uma família pode contribuir com a mudança de uma escola e consequentemente contribuir com a melhoria da sociedade. Afinal, se a todo o momento os bons se calarem, qual será a opção daqueles que não têm noção da complexidade tratada nesse texto e da importância da boa educação? | ||
Para finalizar, é preciso ficar claro que a educação domiciliar significa mais trabalho para quem deseja aplicar e que por isso, e por tanto outros motivos, não é possível a todas as famílias. É preciso adequar um estilo de vida e contar com uma circunstância que permita a sua execução. E se isso não for possível para o seu caso específico, não há nenhum problema nisso. Nenhuma família se torna menos família ou omissa a educação dos seus filhos se não consegue praticar o homeschooling e nesses casos a escola é parceira e a atuação dos pais continuará fazendo a diferença na educação dos seus filhos. Pois é extremamente importante que os pais percebam as lacunas da escola e estejam prontos para intervir. Mas o direito e a liberdade podem ser garantidos as famílias que desejarem e puderem. Por outro lado, não há nada de definitivo na escolha de educar em casa, a escola não deixará de existir com o aumento da educação domiciliar, sempre será possível, ao encontrar uma escola coerente com os propósitos familiares, contar com essa parceria. | ||
Agora seria interessante ler a sua opinião sobre esse tema, escreva aqui um comentário sobre o que achou do texto e qual a sua opinião. O que você incluiria para reflexão sobre a educação domiciliar? | ||
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