Cabral confessou todos os seus crimes, e ainda se assumiu viciado em roubar dinheiro público.
Já sentenciado em 20 processos, as penas de Sérgio Cabral já somam 393 anos. Ninguém vive para cumprir nem um terço de uma pena dessas, mas no Brasil ninguém ficaria mais de 50 anos preso, não importa se suas penas somem 50, 500 ou 1000 anos. Esse tempo máximo foi revisto recentemente, até então eram 40 anos. Mas, um livro aqui, uma varrida de pátio, um trabalho na biblioteca da penitenciária, e outras vantagens semelhantes, ajudam a reduzir o tempo de cadeia, sem contar que cumprido 1/6 da sentença, independente da periculosidade e tipo de crime que cometeu, o bandido vai para a rua. | ||
Sérgio Cabral não é um réu qualquer. Foi governador do Rio de Janeiro por dois mandatos, e todos os crimes que cometeu envolvem propina proveniente de desvio de dinheiro dos pagadores de impostos. Roubou verbas federais e estaduais. Roubou pobres e ricos, brancos, pardos e negros, crianças e idosos, saúde, segurança pública, infraestrutura, educação, e todo tipo de fonte que conseguiu um esquema para roubar. | ||
Não sei se é lenda ou realidade, mas consta que ao chegar à cadeia ele teria dito a companheiros de sua quadrilha também presos em Bangu "acho que exagerei!", o que justifica já ter recebido 20 condenações por formação de quadrilha, corrupção passiva e ativa, lavagem de dinheiro, e outros delitos, além de ainda aguardar a sentença de outros processos. | ||
Bastaria o excesso de provas para tantas condenações, mas o caso de Cabral ainda conta com dois outros elementos poderosos: Cabral confessou todos os seus crimes, e ainda se assumiu viciado em roubar dinheiro público. Quem faz isso se não tiver cometido crimes que produzem sentenças centenárias? Qual o maluco que sabendo das penas as quais pode ser condenado confessa seus crimes, delata seus parceiros e produz provas contra si mesmo? | ||
Apenas para dar uma visão mais ilustrativa do que numérica, 393 anos são 4 séculos. E para dar uma ideia mais nítida do que significa esse tempo, o outro Cabral, o Pedro Álvares, aportou na costa brasileira a 5 séculos. Portanto, o tempo de condenação já sentenciada de Sérgio Cabral equivale a 75% da história do Brasil da descoberta até hoje. | ||
Em maio de 2021 o STF rejeitou a delação premiada que Sérgio Cabral fechou com a Polícia Federal. O documento de 900 páginas tinha como prato principal a delação de nomes do poder judiciário, da primeira à última instância. Acho que nem é preciso explicar o porquê dessa delação ter sido rejeitada. | ||
Agora, exatamente ontem, 8 de dezembro de 2021, dando sequência à saga de livramentos produzidos pelo STF, a Segunda Turma, encabeçada por Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, anulou decisões do juiz Marcelo Bretas contra Sérgio Cabral relacionadas à "Operação Fratura Exposta", derivada da Lava Jato que investigou, vejam só, desvios na Secretaria Estadual de Saúde. Segundo o site Congresso em Foco "Os ministros chegaram à conclusão que não existia conexão entre os desvios no setor da saúde com a corrupção apurada na Secretaria de Obras, alvo da Operação Calicute, primeira ação contra Cabral. A derrubada da condenação pode abrir precedentes para novas decisões do tipo." | ||
Vamos ao ponto do fato que é o que realmente interessa. Marcelo Bretas é desafeto de Gilmar Mendes. Bretas foi o juiz que prendeu 3 vezes Jacob Barata Filho, conhecido como "Rei do ônibus", de cuja filha Gilmar Mendes foi padrinho de casamento. Gilmar Mendes soltou Barata Filho as 3 vezes, em decisões que não levaram 24 horas para serem proferidas. Além disso, Barata Filho foi apontado pelo Ministério Público Federal como sócio de Francisco Feitosa de Albuquerque Lima, quem em uma dessas coincidências da vida vem a ser irmão de Guiomar Mendes, esposa de Gilmar Mendes, e, portanto, seu cunhado. | ||
Vários foram os embates entre Bretas e Mendes, prevalecendo sempre a caneta do STF sobre a caneta da primeira instância, por mais absurdas, imorais e até ilegais que tenham sido tais canetadas. Antipatia que não é meramente jurídica, mas que se tornou pessoal à medida que Bretas foi avançando sobre os protegidos do poder, em especial sobre os protegidos de Gilmar Mendes. Foram várias as vezes que Mendes se referiu jocosamente à Marcelo Bretas, da mesma maneira que várias vezes ele deixou claro que, depois de manchar o nome de Sérgio Moro, Bretas seria a bola da vez. | ||
A Lava Jato do Rio de Janeiro é o que sobrou do árduo e esperançoso trabalho que reuniu os melhores esforços do Ministério Público Federal, da Polícia Federal, da Receita Federal e da Justiça Federal. E se não for o único condenado ainda preso em função da maior operação de combate à corrupção da história do Brasil, Sérgio Cabral é um dos raros troféus que ainda podem"ser exibidos" como exemplo de sucesso no enfrentamento aos mais feitos de políticos com o dinheiro do contribuinte. | ||
Diferente de Lula, talvez seja muito difícil descondenar um condenado a mais de 390 anos de prisão, ainda mais esse alguém tendo confessado todos os crimes, incluindo aí crimes pelos quais nem era investigado e que resolveu se autodelatar, talvez na esperança de receber um perdão extremamente generoso. Mas, usando o que aconteceu com Sérgio Moro como exemplo, não parece tão difícil o STF vir a condenar o juiz que proferiu os mais de 390 anos de sentença de Cabral e, assim, colocá-lo na rua, quem sabe até para passar o natal em casa. | ||
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