...se em 2018 apenas 27 deputados entre 513 foram eleitos com seus próprios votos, corremos o risco de não ver nem esse número nas eleições de outubro.
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Parece absurdo, mas o grosso da população brasileira não sabe que dos 513 deputados federais eleitos em 2018, apenas 27 foram eleitos com seus próprios votos. Traduzindo mais claramente: se todo deputado federal dependesse apenas dos seus votos para se eleger, 486 dos atuais deputados federais não teriam sido eleitos. Mais claro ainda: por causa do quociente eleitoral, uma picaretagem pra eleger vagabundos, deixaram de se eleger 486 pessoas que foram mais bem votadas do que os 486 deputados que se elegeram na rabeira dos 27 deputados que chegaram lá por seus próprios votos, mais a proporcionalidade dos votos válidos dados às legendas. | ||
Mesmo sendo claro, parece difícil de entender. O quociente eleitoral mistura a quantidade de votos do candidato com a quantidade de votos recebidas pela legenda, e aí fazem um divisão sem vergonha pelo número de vagas que o estado tem direito e dessa sopa saem os eleitos. Por isso a importância dos "puxadores de votos". Vou tentar explicar exemplificando. | ||
Digamos que para se eleger deputado federal no estado A sejam necessários 300 mil votos. Aí um puxador de votos se candidata pelo partido X e recebe 900 mil votos, ou seja, três vezes mais que o necessário. Em função disso, ele se elege e elege ainda mais dois deputados do seu partido, o segundo e terceiro colocados, não importa a quantidade de votos que tenham recebido. Digamos, então, que esse segundo colocado tenha recebido 80 mil votos e o terceiro 50 mil votos. Enquanto isso, no partido Y, um candidato recebeu 295 mil votos. Ele não será eleito, mesmo tendo mais do que o dobro de votos da soma do segundo e terceiro colocados do partido X. Deu pra entender? | ||
Esse é o que ficou conhecido como efeito Tiririca. Mas já era assim antes. O próprio Enéas Carneiro quando se elegeu deputado federal levou consigo mais 2 ou 3, sendo que um deles não tinha recebido nem 1000 votos. E isso se repetiu na última eleição com Marcelo Freixo, que com seus votos rebocou mais 3 psolistas para a Câmara dos Deputados, entre eles Talíria Petrone e Glauber Braga, que não teriam votos pra se eleger se não fosse essa trambicagem (um aparte aqui, no meio do mandato Freixo saiu do PSOL e foi para o PSB, mas a tralha do PSOL que ele levou ficou por lá). | ||
Muitos são os personagens que vêm das artes e do esporte única e exclusivamente com essa função, puxar votos e levar a reboque os candidatos que precisam ser eleitos, mas não conseguiriam se eleger sozinhos. E aí entra Joel Santana. | ||
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Joel Santana tem 73 anos e nunca participou da política. De repente, do nada, decide que é hora de "contribuir com o Brasil" e disputar uma vaga de deputado federal pelo Rio de Janeiro, e promete trabalhar pelas crianças e pelos idosos. Não vou aqui tirar o direito de qualquer cidadão contribuir com seu país, mas, fala sério, quem acredita nisso? O mais comum é que puxadores de votos sejam contratados para essa função. Isso mesmo, que recebam grana para exercer o papel de puxadores de votos e elejam consigo as tralhas que entulham os legislativos. Esse esquema funciona também para a eleição de deputados estaduais e vereadores. É o chamado voto proporcional. | ||
É por isso que a gente quase nunca vê nossos candidatos sendo eleitos, porque com esse sistema as pessoas não têm chance se não se associarem a um partido grande e que tenha um puxador de votos capaz de levá-las junto independendo dos seus próprios votos para isso. É uma vergonha que se repete eleição após eleição e cuja metodologia nem precisa ser colocada sob suspeita, porque acontece na cara de todo mundo. | ||
Imagine então que os partidos têm em mãos 5 bilhões de reais de fundo eleitoral mais 1 bilhão de reais de fundo partidário para investir nas campanhas dos puxadores de votos. Não é preciso investir dinheiro nas campanhas de todos os candidatos a deputado federal, basta concentrar uma boa fatia em um puxador de votos que ele garante que outros do seu partido sejam eleitos independente da quantidade de votos que receberem. Esse é o esquema. | ||
Para senador não há quociente eleitoral, se elege quem tiver mais votos. Mas a trambicagem do puxador de votos também funciona, e de duas maneiras. Ou ele é eleito e, estando lá, segue as diretrizes de quem investiu na sua eleição, ou escolhe um suplente e se licencia para que o suplente assuma em discussões de temas que interessam ao grupo investidor. Outra maneira é que no meio do caminho ele possa se candidatar a uma prefeitura, por exemplo, e, se eleito, ceder o lugar em definitivo para o suplente. E cabe ressaltar que suplentes não são eleitos pelo voto e sim escolhidos, assim como são escolhidos os vices nos cargos executivos. | ||
Portanto, se você achava que o maior risco eram as urnas eletrônicas, enganou-se. O risco é o próprio sistema eleitoral, e as últimas reformas eleitorais produzidas pelo Congresso Nacional só o tornaram ainda mais podre e tiraram ainda mais o poder dos eleitores na escolha de candidatos a cargos que são disputados por eleições proporcionais. E se em 2018 apenas 27 deputados entre 513 foram eleitos com seus próprios votos, corremos o risco de não ver nem esse número nas eleições de outubro. | ||
O remédio para isso é o estabelecimento de votos distritais ou distritais mistos, que elegem os candidatos mais bem votados, além de regionalizar a escolha e aproximar o eleito do eleitor, podendo ser fiscalizado de uma maneira que é impossível de acontecer hoje em dia. Mas em um congresso cheio de vagabundos e gente eleita desrespeitando a escolha da maioria, falseando a democracia, qual partido político vai abraçar essa bandeira? | ||
Se Joel Santana realmente quiser ajudar o país, que ele agradeça, recuse o convite e curta em casa seus 73 anos e os milhões de reais que ganhou como jogador e treinador de futebol. Quem sabe até não pegue uma parte do seu dinheiro e desenvolva por conta própria uma maneira de ajudar as crianças e os idosos? Ou sua preocupação só funciona se for com dinheiro público? Mas, se, porém, insistir em levar a cabo sua candidatura, que tenha consciência do papel medíocre que vai desempenhar colaborando para que o sistema continue ludibriando e explorando a boa fé dos eleitores que, ingenuamente, se enchem de esperança quando vêem seus ídolos disputando um cargo eleitoral e fazendo promessas impossíveis de cumprir. Não precisamos de mais embromeition, Joel. | ||
Para quem desejar saber mais sobre o quociente eleitoral clique aqui! | ||
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