Nem a TV Justiça fala tanto do STF quanto a imprensa
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Nem a TV Justiça fala tanto do STF quanto a imprensa

Por que um cidadão comum de qualquer país deveria saber o nome de todos os juízes de sua suprema corte?

HS Naddeo
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Ter morado 4 anos fora do Brasil, além da experiência de vida, me deu a oportunidade de conhecer muita gente de várias nacionalidades, muitas delas com quem consegui manter a amizade mesmo tendo voltado para o Brasil e algumas que também voltaram para seus países de origem. Aproveitando desse conhecimento, andei pesquisando entre amigos da Holanda, da França, da Itália, dos EUA, de Portugal, da Polônia, do Reino Unido, quem saberia dizer a quantidade de juízes que tem em suas supremas cortes, e se saberiam dizer seus nomes. Tirando gente que mora nos EUA, e dos 3 amigos a quem perguntei só um sabia 2 nomes, ninguém sabe responder. Não sabem quantos são, não sabem seus nomes, não sabem aonde fica a suprema corte e alguns não sabem nem mesmo o que eles fazem. E tem um motivo simples para isso: supremas cortes são e devem ser invisíveis aos olhos dos cidadãos. Diria até que não apenas as supremas cortes, mas quaisquer membros de quaisquer instâncias do judiciário.

A menos que você seja advogado, parente ou amigo de um juiz, porque deveria saber? Por que um cidadão comum de qualquer país deveria saber o nome de todos os juízes de sua suprema corte? Mais do que isso, porque deveria saber detalhes da vida privada de um juiz? Faz algum sentido para você que essas informações sejam de conhecimento geral como acontece no Brasil?

A edição de ontem do programa da Jovem Pan Os Pingos Nos Is teve sua pauta dominada pelo STF. Das 2 horas do programa, pelo menos 1:15' foi dedicada a temas relacionados ao STF, e todas questionando o comportamento e as decisões da corte. Todas. Os 45 minutos restantes foram gastos falando de pandemia, creio que pelo menos 20 minutos, e o restante com dois ou três temas, como a morte do rapaz congolês, enquete, bolsa de valores e mensagens de whatsapp dos expectadores. Mas não foi uma exceção. É assim quase todos os dias. O STF domina o noticiário nacional. Não há um programa que não cite o Supremo em sua pauta, independentemente do viés dado a notícia.

Augusto Nunes usou uma analogia com árbitros de futebol que já usei diversas vezes. Quando um árbitro aparece mais do que os jogadores tem alguma coisa errada. E também no futebol a atuação dos árbitros é questionada, a tal ponto que já faz tempo que as equipes que transmitem futebol têm comentarista de arbitragem, geralmente ex-árbitros que ficaram famosos, a maioria por terem se envolvido em polêmicas durante suas carreiras, como José Roberto Wright que protagonizou uma dos maiores escândalos do futebol quando apitou a final entre Flamengo e Atlético Mineiro em Goiânia no ano de 1981. E se você não conhece a história, segue abaixo o link do que ficou conhecido como o maior roubo da história do futebol mundial.

Flamengo x Atlético MG - 1981

Vou insistir na analogia porque ela ajuda a entender um pouco mais do que falarei a seguir. Vanderlei Luxemburgo certa vez falou sobre roubo em futebol. Na visão do treinador, "juiz ladrão" não é necessariamente aquele que marca um pênalti que não existiu, ou não marca pênalti que existiu, ou que anula gol legítimo, ou que legitima um gol irregular. O "roubo" no futebol se dá de maneiras mais discretas, como excesso de faltas, inversão de faltas, ameaças verbais que só os jogadores escutam, impedimentos inexistentes, cartões amarelos e vermelhos, atitudes que impedem que o jogo transcorra normalmente. Muito provavelmente, hoje em dia, coisas mais difíceis de fazer após a implantação do VAR, mas que até o próprio VAR, pode ajudar ou atrapalhar, afinal também é comandado por um juiz.

Pergunto: qual a semelhança da visão de Vanderlei Luxemburgo com relação à maneira de roubar no futebol com o que vemos acontecer com o judiciário brasileiro?

Desde a posse de Jair Bolsonaro o STF vem "parando o jogo". As ameaças veladas começaram já no dia da posse quando Rosa Weber entregou ao presidente um exemplar da Constituição Federal. Mas eles foram muito além. Deram pênaltis inexistentes, deixaram de dar pênaltis óbvios, marcaram impedimentos inexistentes, fingiram não ver jogadas em claro impedimento, deixaram de marcar faltas, inverteram faltas, deram cartões amarelos e vermelhos para gente que estava apenas jogando o jogo, impediram até substituições. Atuação digna de José Roberto Wright na final citada acima. E o CNM - Conselho Nacional da Magistratura, que seria uma espécie de VAR do judiciário, finge que não vê nada, afinal o presidente do STF é também presidente do CNM.

Nesse jogo, os bandeirinhas são representados pelo Ministério Público, que agem com autonomia, mas, como no futebol, a decisão final cabe ao juiz. Não adianta o bandeirinha dar um impedimento se o juiz entende que não foi impedimento. Além disso, há muito bandeirinha que joga no time do juiz.

Está tudo errado no judiciário brasileiro, e não dá para culpar apenas a Constituição Federal de 1988, com mais buracos que um queijo suíço, por tudo o que esses juízes fazem. A descondenação de Lula é um exemplo inequívoco. Fachin usou uma brecha que o próprio STF já havia desconsiderado em diversas decisões anteriores sobre o mesmo caso. E não fez para seguir a legislação, foi pura má fé avalizada pelos outros ministros da corte. Ali estavam mancomunados os juízes, os bandeirinhas, o VAR, a imprensa e os comentaristas de arbitragem. Um verdadeiro conluio para colocar Lula no páreo eleitoral. Só os torcedores adversários se manifestaram contra. Mas o jogo seguiu do mesmo jeito.

É inconcebível que o judiciário seja a principal pauta cotidiana do jornalismo de um país. Tudo bem se em um momento ou outro isso aconteça em função da importância do tema julgado. Mas a presença permanente da justiça na imprensa é uma anomalia que precisará ser corrigida antes que "bolivarianem" de vez o poder judiciário, que é o caminho no qual estamos nesse momento da nossa história.

Meus amigos estrangeiros estranharam minha pergunta sobre os nomes dos ocupantes das supremas cortes de seus países. Não entenderam o porquê do meu interesse e se espantaram quando eu disse que sei os nomes dos 11 titulares do STF, que sei muitas coisas de suas vidas privadas, e que eles são notícia todos os dias em todo tipo de mídia. Teve quem se sentiu chocado quando eu contei o que eles fazem e o que deixam de fazer. Para quem mora em uma democracia de verdade o Brasil é de surreal a inexplicável.

No fundo, porém, os inexplicáveis somos nós e não eles. Não há porque se assustar quando um cachorro sabidamente bravo está solto e morde alguém. Há que entender é porque ele não está preso. E se nosso judiciário faz o que faz, a culpa é mais nossa do que deles. Nós é que não prendemos o cachorro, então ele vai continuar mordendo.

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