O sistema não nos quer honestos.

Há mais de duas décadas, eu estava com a carteira de motorista vencida e precisava fazer uma viagem para Uberlândia, época que não havia ofertas de vôos baratos. Era caro viajar de avião. Eu só poderia ir de carro. Tentei caronas e no fim só encontrei pedidos de carona.

A carteira vencida foi negligência. Venceu em fevereiro, já era julho. Eu tinha 5 dias para resolver, quando, comentando com um amigo ele sugeriu um amigo que me conseguiria a renovação da carteira no mesmo dia. Passou o dia pedindo favores e as 17 horas me ligou confirmando dados. As 17:30 estava com a carteira na mão. Paguei 100 reais por isso. O nome, claro, é corrupção.

Estou eu agora com um pepino. Minha filha mudou de país ano passado e deixou o documento do carro dela assinado, como compradora do veículo, mas sem reconhecimento de firma. Fizemos então uma procuração na qual ela me dá plenos poderes para responder por ela, inclusive especificando qualquer negociação envolvendo este carro.

No entanto, o cartório se recusa a reconhecer a firma dela no documento do carro porque esse ato é, por lei, presencial. De outro lado o Detran não aceita que eu assine ao lado da assinatura dela como procurador, mesmo sendo autorizado para isso, sem que a assinatura seja reconhecida. Mas tudo se resolveria se eu pedisse uma segunda via do documento. Acontece que  loja que vendeu o carro se recusou a pedir uma segunda via do documento para que eu pudesse assinar. E ninguém me dá um caminho para a solução desse problema. E além de passar o carro para o nome dela, ele precisa ser vendido, e uma coisa amarra a outra.

Tanto no caso da minha carteira de motorista quanto nesse caso, o próprio sistema nos empurra para caminhos alternativos, não necessariamente legais ou morais, e eu não tô a fim. Tenho uma ressaca moral do episódio da carteira. Fiz, tinha outras preocupações e noções de civilidade naquela época, só que  hoje eu sei e entendo que certo é certo mesmo que ninguém esteja fazendo, e errado é errado mesmo que todos estejam fazendo.

A burocracia de um país milionariamente cartorial apenas atrasa a vida das pessoas e o desenvolvimento dos acontecimentos importante para a coletividade. E é ela que nos empurra os caminhos alternativos onde rola muita grana para fazer o sistema funcionar para quem paga para isso.

Entendo perfeitamente, e apoio, que os mecanismos de segurança para evitar golpes e fraudes deve ser rígido, mas não pode ser ao mesmo tempo um facilitador para se praticar corrupção.

O raciocínio é muito simples. Se uma pessoa consegue emitir uma carteira de motorista entre as 10 e 17:30 do mesmo dia, o sistema também pode fazer isso e até cobrar muito mais pelo serviço. Quem na urgência para renovar sua carteira de motorista não pagaria uma valor mais alto para fazer isso no mesmo dia? Todos lucrariam, os cidadãos com uma prestação de serviço eficiente, e o estado na arrecadação dessas taxas.

Estes dois exemplos, que por vias tortas se resolvem com poucas notas de 100 reais, podem ser aplicados nas mais diversas áreas do serviço público e a níveis estratosféricos, na casa dos bilhões. E cada vez que um imbecil comete a mesma imbecilidade que eu cometi com minha carteira de motorista, alimenta o inimigo que se quer eliminar. Contudo, a própria burocracia empurra as pessoas para as vias indiretas.

Tudo que eu preciso é tão somente reconhecer uma firma, como legítimo procurador da outorgante, minha filha, com autorização específica para negociar qualquer coisa relativa ao veículo em questão. E honestamente.

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