Mais amor, menos discurso de ódio. Mesmo objetivo, caminhos diferentes
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Mais amor, menos discurso de ódio. Mesmo objetivo, caminhos diferentes

A produção do pânico sempre foi estratégia política dos extremistas, em todo o mundo. Mas agora, amplificados pelo uso da tecnologia, algoritmos e redes sociais, vemos uma polarização cada vez mais perigosa e violenta, há uma radicalização id...

Julio Cordeiro
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A produção do pânico sempre foi estratégia política dos extremistas, em todo o mundo. Mas agora, amplificados pelo uso da tecnologia, algoritmos e redes sociais, vemos uma polarização cada vez mais perigosa e violenta, há uma radicalização ideológica tanto de um lado quanto do outro.

Analiso a história como ela é, não como julgo que deveria ser. Assim, apenas os fatos são evidenciados e minhas opiniões tornam-se secundárias. Particularmente, não gosto de rotular as pessoas, de colocá-las em caixinhas, mas, apenas para efeito didático, vou utilizar os termos esquerda e direita para facilitar a compreensão deste texto. A verdade é que atualmente ambos os lados, esquerda e direita, estão construindo narrativas amplas, buscando desqualificar pontos específicos da outra parte, uma técnica muito conhecida de argumentação, mas que leva a esse cenário devastador de presunções arbitrárias, infundadas e generalizações absurdas.

O resultado disso é:

- Se você é de direita, é taxado de terra-planista, um capitalista explorador, reacionário, apoiador de ditadura militar e da censura, a favor do desmatamento da Amazônia, nazista, fascista, machista, racista, homofóbico etc.

- Se você é de esquerda, quer transformar o Brasil na Venezuela, idólatra de corruptos e de todos os ditadores comunistas do mundo, a favor da luta armada, da ditadura do proletariado, é um socialista sonhador, ignorante etc.

Não caia nessa! Extremos sempre existem, infelizmente, mas não podemos acreditar que são a totalidade das pessoas. Não devemos interpretar que apenas por divergirem do nosso pensamento, do outro lado temos inimigos a serem abatidos.

É importante conhecer o passado para entender o presente, como também tentar entender exatamente os pontos de divergência e convergência com o outro. Precisamos ouvir mais, tentar compreender, analisar o pensamento do interlocutor e ter mais respeito e compaixão,

Só tenho um objetivo com este texto: mostrar como a polarização está distorcendo a nossa percepção da realidade e fomentando discussões agressivas até mesmo entre amigos e familiares. Resolvi escrever este texto pois um grande amigo de esquerda me disse:

Julio, você é de esquerda, só que ainda não sabe.

Achei interessante pois este meu amigo me conhece muito bem e sabe de todas as minhas preocupações com justiça social, desigualdade e pobreza, pautas que também estão sempre presentes no discurso dele. Ele sabe que sou de direita, que tenho pavor dessa velha política que se apresenta todos os anos, com os mesmos representantes se revezando no poder e que na verdade defendem apenas interesses próprios, e que precisamos de algo novo. Ele sabe também que creio na ciência, sei que a terra é redonda e gira em torno do sol, que condeno o racismo, machismo e fascismo, e sou admirador da democracia e do diálogo.

E foi aí que eu percebi que na verdade temos muito em comum sim, e isso faz toda a diferença. Iniciar uma conversa sabendo que o outro tem os mesmo valores e princípios que você, que se preocupa em criar soluções para os mesmos problemas, traz empatia, mais que isso, traz união e força.

Mas o estímulo constante dos algoritmos das redes sociais e dos meios de comunicação tradicionais tem fomentado a separação da população em dois extremos. Explico como: os algoritmos identificam preferências de cada usuário pelos conteúdos que curte e compartilha, perfis que segue, entre outras análises de big data, e com base nestas preferências, intensificam a aparição de conteúdos semelhantes no seu feed. Existem também os robôs e agencias especializadas em amplificar estes ruídos.

Os meios de comunicação tradicionais há tempos têm imprimido perfis editoriais em todas as notícias, tentando encaixar todos os acontecimentos da vida diária entre episódios de “direita” ou de “esquerda”, muitas vezes se precipitando em julgamentos levianos. Este estímulo constante que reforça apenas um ponto de vista está distanciando a todos, dando uma falsa impressão de que não possuímos absolutamente nada em comum, porém sem dar ao outro a oportunidade de falar por si.

Identificar-se de direita ou de esquerda não faz de ninguém santo ou demônio, nem traz consigo necessariamente todos os “predicados” enumerados no início do texto.

Identificar-se de direita ou de esquerda não significa, para além da política, possuir princípios e valores que não possam ser partilhados, mesmo que algumas opiniões e principalmente as propostas de soluções aos mesmos problemas, que como disse, são preocupações de ambos, sejam completamente divergentes.

A esquerda defende uma sociedade mais igualitária e apoia pautas da minoria, mas isso não significa que a direita apoie a desigualdade, a pobreza e seja contra as minorias.

Quanto ao como resolver, quais soluções são mais eficientes e qual a melhor estratégia econômica, social e política, aí sim as diferenças são enormes. Portanto, quero reforçar que ao contrário do que a maioria das pessoas pensa, podemos sim ter os mesmos objetivos, mesmo que os caminhos propostos para se chegar lá sejam de fato bem diferentes.

A Revolução Francesa inaugurou a Idade Contemporânea, e foi neste contexto que os termos direita e esquerda foram difundidos. Durante o processo revolucionário começado em 1789, na França, os girondinos, considerados mais moderados, ocupavam o lado direito da Assembleia Nacional Constituinte, enquanto os jacobinos, mais radicais, ocupavam o lado esquerdo. Com o advento das ideologias marxistas e socialistas, os seus partidários assumiram a designação de esquerda, enquanto os defensores do capitalismo ficaram designados como direita.

Hoje, de uma maneira geral, os dois grupos se separam entre diversas opiniões e variados temas sempre respeitando um fio condutor de pensamento: a direita que preza pelo valor da liberdade e a esquerda pelo valor da igualdade. Ou seja, para a direita deve-se garantir a liberdade para que as pessoas possam, de acordo com as suas capacidades, atingir os seus potenciais máximos (o que não exclui a defesa de que todos os indivíduos tenham oportunidades para isso). Já a esquerda, tende a sacrificar a liberdade dos indivíduos para garantir que o valor igualdade seja contemplado em sua plenitude.

Essas diferenças são naturais e sempre vão existir. E as diferenças são ricas, é no debate saudável de ideias divergentes que surgem ideias novas e ampliam-se os horizontes. Dentro da democracia, as políticas públicas são construídas com base no diálogo, na votação e na interação das ideias que permeiam a sociedade. É a partir disso que evitamos ter uma visão única e totalitária. A divergência de posicionamentos é uma condição essencial para a democracia existir, porque permite ponderarmos essas diferenças naturais e construirmos políticas públicas que levem em consideração ideias opostas. Se todos pensam da mesma maneira, não há criação, não há mudança, apenas repetição.

O assunto é complexo e diversas outras variações, definições e propostas surgiram como centro, ambientalista, liberal, conservador, socialista, republicano, democrata etc. E as discussões são infinitas vão do aborto ao porte de armas passando por diversos pontos de vista.

Tenho percebido divergências sem fim em torno de problemas que são importantes, mas não prioritários, tenho visto brigas nas redes sociais, no whatsapp, normalmente com muitas opiniões sobre os problemas, mas com poucas discussões sobre novas ideias e busca por soluções. As pessoas parecem estar mais preocupadas em ofender uns aos outros com base nos preconceitos que hoje permeiam as definições “esquerda” e “direita” do que a buscar soluções aos problemas.

Se você leu até aqui percebeu que o tom do texto é conciliador, buscando encontrar harmonia nos assuntos que esquerda e direita convergem, mas admitindo que existem enormes diferenças de como chegar lá. Espero que tenha notado também que o exagero das brigas é originado por ambas as partes, e que precisamos parar de falar sobre problemas e falar mais sobre propostas.

Bem, voltando ao meu amigo e nossa conversa, mesmo tentando com esforço mútuo manter uma discussão saudável, os ânimos sempre se alteram. Ainda bem que nos conhecemos há muitos anos e no final de cada discussão sempre terminamos em paz. Mas quero compartilhar o ponto que mais temos divergência e me concentrar agora naquilo que representa para mim a maior diferença de pensamentos entre esquerda e direita, e é ponto fundamental pois dá o tom para todos os outros temas importantes da sociedade: a presença e o tamanho do estado.

A esquerda acredita que a sociedade fica melhor quando um governo tem um maior papel, tomando para si a responsabilidade e atuação nas mais diversas áreas, inclusive dos meios de produção; por sua vez, as pessoas de direita acreditam que a sociedade progride quando o poder do governo é minimizado, ou seja, ao estado cabe atuar em áreas essenciais, como saúde, educação e segurança, e criar condições para que a sociedade possa gerar riqueza através dos meios de produção.

O impacto dessas diferenças de pensamento na prática está no aumento do gasto público, dos impostos e regulamentações para a esquerda, enquanto a direita advoga baixos impostos, menor regulamentação das empresas e redução do gasto público.

Ser de direita é defender a diminuição da participação do Estado na sociedade como forma de reduzir a corrupção, garantir a liberdade e promover o desenvolvimento econômico.

A concentração de poderes na mão do Estado aumenta ainda mais a pobreza e a injustiça. O livro a “Revolução dos Bichos”, atualmente traduzido como “Fazenda dos Animais”, retrata de forma alegórica que aqueles que antes lutavam contra a exploração, ao tomarem o poder, utilizaram a máquina ao seu favor e se distanciaram da classe trabalhadora, acentuando ainda mais a pobreza.

O livro “A Revolta de Atlas” mostra de forma muita clara como a destruição da meritocracia e redução das liberdades individuais produzem apenas injustiça e pobreza para toda a sociedade.

É evidente que a direita reconhece que o mundo não é perfeito, que ainda tem muita gente na miséria e que isso não é aceitável, mas entende que a melhor forma de tirar pessoas da pobreza é incentivando uma economia de mercado. Coincidentemente, a humanidade de maneira geral era muito pobre até a Revolução Industrial, mas a partir do modo de produção capitalista, milhares de pessoas têm saído da pobreza justamente naqueles países onde há mais capitalismo. O capitalismo não criou a pobreza, ele a herdou. Já os regimes socialistas, ao contrário, produziram ainda mais miséria ao longo do tempo e isso não é opinião, é fato.

Gosto muito de uma frase que diz “um líder não forma seguidores, forma outros líderes”. Seguindo essa linha, quero um país com mais empreendedores e não só mais empregados. A tecnologia proporcionou diversas oportunidades de novos negócios e nos próximos anos mais opções irão surgir com o avanço da ciência/tecnologia/internet. Precisamos fazer com que todos possam surfar nessa onda. A função do estado é não atrapalhar e sim dar condições de todos poderem aproveitar estas oportunidades. Quanto mais o estado se expande e assume o controle, mesmo que apenas regulatório, de vários setores da sociedade, mais a liberdade encolhe e mais o custo fixo do estado aumenta.

Aí você pode me questionar, mas Júlio, faz anos que estamos no capitalismo e em todos os governos das últimas décadas, de direita e de esquerda, vivemos no país situações de miséria, e problemas com segurança, educação e saúde. Pois é, essa é a grande prova que o estado grande só nos atrapalha.

O Brasil vive um capitalismo de Estado, que é bem diferente do capitalismo de livre mercado. Nosso país ocupa a posição 144 de 190 no ranking de liberdade econômica. O capitalismo de Estado é aquele onde há muita dependência do governo, lobby, corrupção, leis criadas para favorecer pequenos grupos (não as minorias) e as grandes empresas utilizam-se de crédito subsidiado, retroalimentando esquemas de lobby, corrupção e tomada de mais crédito, num círculo vicioso que favorece a concentração de renda nas mãos de poucos. Então, já sabemos que a presença forte do estado não funcionou em lugar algum do mundo, quando assumidamente um modelo socialista foi implantando, e nas últimas décadas também não funcionou no Brasil com a presença forte do estado em uma tentativa de capitalismo que está longe de ser a ideal.

Vamos analisar de uma forma prática que envolve o seu dia a dia. Você já percebeu que ao comprar qualquer produto normalmente ele é importado? Isso é normal e natural em uma economia de livre mercado, mas não acha que está exagerado demais? Você não acredita que poderíamos ter milhares de pequenos e médios empresários produzindo no Brasil e gerando milhões de empregos, exportando, criando renda, tirando verdadeiramente as pessoas da miséria? Mas como fazer isso em um cenário em que o Estado destrói os empresários e a sociedade ensina que todo empresário busca explorar o sistema e os empregados? Repito, extremos sempre existem, mas não podemos acreditar que são a totalidade das pessoas.

Precisamos de mais liberdade no comércio, menos intervenção, mais direito de propriedade, menor carga tributária, mais saúde fiscal, mais emprego, mais produção e muitos mais empreendedores gerando concorrência, opções de escolha e diversidade. Você não acha que esse é o melhor caminho para termos mais igualdade, liberdade e menos pobreza? Você realmente acredita que deixar na mão do governo e inflar o estado é a melhor solução? Você verdadeiramente acredita que centralizar poder nas mãos de poucas pessoas no governo é uma saída inteligente?

Nós brasileiros somos conhecidos por nossa empatia, por sermos um povo alegre, festivo e pacífico, é nosso dever manter essas características que representam nossa cultura e não nos distanciarmos dos pilares que moldaram os nossos bons costumes. Vamos respeitar as diferenças de pensamento e buscar realmente compreender o que nos distancia e o que nos aproxima. Não caiam nas armadilhas dos extremistas, o caos, a revolta, a mentira, interessam apenas a quem está no poder e pretende se perpetuar.