Foi com horror que recebi a notícia da morte de um jovem do Congo, refugiado com sua família no Brasil. A notícia de um assassinato de um jovem negro e africano, portador de duas insígnias que o marcam como ‘outro’: negro e estrangeiro. Não s...
Foi com horror que recebi a notícia da morte de um jovem do Congo, refugiado com sua família no Brasil. A notícia de um assassinato de um jovem negro e africano, portador de duas insígnias que o marcam como ‘outro’: negro e estrangeiro. Não senti horror porque o conhecia, talvez aí, o horror pudesse ocupar um outro lugar. Senti o horror de ver desvelada a violência em sua forma mais crua, bruta e desumanizante. Desumanizante... |
Quando perdemos um outro amado, a perda ressoa em cada um de maneira singular. E trata-se, assim, de um atravessamento feito ‘a cada vez’, ‘a cada um’, no sentido de poder reconstruir, a partir da perda e da falta, novas formas de seguir e apostar na vida. Nesse caso, contudo, abre-se uma outra dimensão da perda, do luto e da própria vida. Para que exista um luto possível, é necessário, antes, reconhecer o outro, não em sua dimensão de vivo, mas de sujeito...penso na Butler, quando ela situa: está vivo, mas não é uma vida. Para os assassinos, Moïse estava vivo, mas não era uma vida. É esse o terror que me causou, como, possivelmente, a tantos outros. O terror diante da possibilidade de testemunhar isso que já foi nomeado de tantas formas ao longo da história: a vida nua, o corpo matável, esse que é lançado ao lugar de um outro cuja vida respira, mas não tem estatuto, não tem valor. O grito de sua mãe e de seu amigo no vídeo da reportagem rompem esse enquadramento tão espúrio da vida: o grito, o choro, seu nome, sua história, são estes os testemunhos de que Moïse não só vivia, mas tinha uma vida. |