Incendiar estátua é um ato de terrorismo e não uma manifestação
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Incendiar estátua é um ato de terrorismo e não uma manifestação

No sábado passado, 24 de julho, assistimos a uma manifestação contra o presidente Jair Bolsonaro, em que os integrantes incendiaram uma estátua do bandeirante “Borba Gato”, na Avenida Santo Amaro, em São Paulo. O ato, assumido pelo grupo Revo...

Paulo Mathias
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No sábado passado, 24 de julho, assistimos a uma manifestação contra o presidente Jair Bolsonaro, em que os integrantes incendiaram uma estátua do bandeirante “Borba Gato”, na Avenida Santo Amaro, em São Paulo. O ato, assumido pelo grupo Revolução Periférica, foi disponibilizado nas redes sociais e está sendo investigado pela Secretaria da Segurança Pública do estado de São Paulo. Pra mim, a manifestação só tem um nome: terrorismo. Embora haja controvérsia na mídia, fica clara a intenção do grupo envolvido. Não é de hoje que se pede a retirada do monumento, na internet, com acusações ao bandeirante, considerado por muitos um escravocrata, além de ser responsabilizado pela morte de povos indígenas, durante a colonização brasileira. Com isso, o ato acirrou a disputa política, em que representantes da esquerda declararam seu apoio a tal ação de vandalismo.

Incêndio feito na estátua do Borba Gato
Incêndio feito na estátua do Borba Gato

Durante o ocorrido, mais de 20 pessoas atearam fogo à estátua do bandeirante e apenas um suspeito foi preso, até o momento. Não houve registros de feridos e o fogo foi extinto por uma equipe do Corpo de Bombeiros enviada ao local. Em imagens publicadas na internet, em meio a pneus incendiados, havia uma faixa com o nome do grupo envolvido, com os dizeres: “A favela vai descer e não será carnaval”. Entre apoios da esquerda e indignação da direita, acusando os manifestantes de terroristas – e eu assino embaixo – declarações conflitantes salpicaram as redes sociais. Para o deputado federal Ivan Valente (PSOL – SP), o ato representou uma “ação simbólica importante”. Já, para o advogado Arthur Weintraub, ex-assessor da Presidência da República, trata-se de uma ação “terrorista”, a fim de apagar nossa história, e criar o caos”. Só não enxerga quem não quer. Atos como esse não podem ser justificados por razões históricas ou outras mais, utilizadas como “desculpa” para manifestar divergências políticas, quebrando agências bancárias, ateando fogo em estátuas, incitando o ódio, sem pensar nas consequências. Não consigo me calar e deixar de me colocar contra esses “terroristas” de má fé, que não conhecem outra forma de expor seu ponto de vista, que não seja através da violência. Meu repúdio a todos que seguem esse raciocínio.

Para que se entenda melhor quem foi Borba Gato, vamos voltar no tempo. O bandeirante paulista, que viveu no século XVIII, ficou conhecido, historicamente, por caçar índios e negros, no processo de interiorização do país. Porém, o ato de incendiar a estátua em sua homenagem, como desbravador dos sertões brasileiros, estimula a desordem e a violência social. Nada justifica tais ações extremistas. Borba Gato, além de descobrir ouro em terras nossas, exerceu o cargo de juiz ordinário de Sabará. Nasceu em São Paulo, no ano de 1649. Era casado com Maria Leite, filha do “Caçador de Esmeraldas” e índios, Fernão Dias Pais. Participou da Guerra dos Emboabas, disputa entre os anos de 1707 a 1709, pelo direito de exploração das minas de ouro, recém descobertas pelos bandeirantes paulistas, na região de Minas Gerais. Mais tarde, como Tenente-general do Mato, foi responsável pela organização da justiça, divisão das lavras de ouro e envio dos impostos que correspondiam à Coroa de Portugal. Morreu em 1718 e seus restos mortais se encontram em um local desconhecido. Figura polêmica que marcou a história com atos de violência. O que nada justifica as manifestações contra uma estátua em sua homenagem, que, na verdade, vão de encontro a essa violência, desaprovada por pessoas de bom senso. Se formos comparar atos similares que ocorrem ao longo da História da Humanidade, podemos voltar ao “Holocausto”, provocado sob o comando de Hitler, durante a Segunda Guerra Mundial, em que, entre os anos de 1933 e 1945, assassinou milhares de judeus, de forma cruel e sistemática. Para trazer à tona a memória das vítimas dessa tragédia, a fim de nos tornamos mais civilizados e empáticos, foi inaugurado em 2017, na cidade de São Paulo, o “Memorial do Holocausto”, que faz parte do “Memorial da Imigração Judaica”, para relembrar os fatos que marcaram esse período de horrores, com a intenção de que algo semelhante possa se repetir”. Ação de respeito, de “tirar o chapéu”.

Contudo, reações adversas ocorrem com certa frequência, como foi o caso do incêndio da estátua do Borga Gato, que traz o questionamento do que fazer com um passado que já foi tido como heroico. Sabe-se que a contestação de homenagens a figuras com biografia racista, misógina e assassina não é um fenômeno recente. Era comum na chegada de um novo momento histórico que pedisse a destruição do regime anterior, como o que ocorreu durante a Revolução Francesa de 1789, em que os protestantes derrubaram símbolos da realeza. Com o passar dos séculos, ativistas, em diferentes partes do mundo, repetem atos de violência contra monumentos e estátuas que representem algo contrário a suas convicções políticas e sociais. Não sou contra manifestações. Elas devem existir, de forma pacífica, como retrato de convicções, muitas vezes opostas. O que é inadmissível é “usar” tais atos como porta para um “terrorismo” descabido, que tem como resultado o acirramento das posições políticas contrárias, sem benefício algum para ambos os lados. Com isso, resta dizer que abomino qualquer ato “terrorista”, como o do recente incêndio da estátua do bandeirante paulista, em que posicionamentos contrários poderiam ter sido colocados de forma pacífica e democrática. Minha revolta contra extremismos, sempre.