Não dá pra você defender o Talibã e combater o machismo
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Não dá pra você defender o Talibã e combater o machismo

Como se não bastasse o isolamento social, em razão da atual pandemia do coronavírus, o número de mortes registradas, novas cepas que surgem a cada dia, o mundo se vê diante de um retrocesso cultural, no que se refere aos direitos da mulher. E...

Paulo Mathias
4 min
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Como se não bastasse o isolamento social, em razão da atual pandemia do coronavírus, o número de mortes registradas, novas cepas que surgem a cada dia, o mundo se vê diante de um retrocesso cultural, no que se refere aos direitos da mulher. Esta semana, foi anunciada no Afeganistão a volta do regime Talibã, que ocupou o palácio, provocando a fuga do presidente Ghani para o Tajiquistão, segundo fontes da CNN. Com isso, as conquistas adquiridas pelas mulheres afegãs em vinte anos caem por água abaixo. De acordo com Rada Akbar, em um post no Twitter, “Com cada cidade que cai sob o controle do Talibã, corpos humanos colapsam, história e futuro colapsam, arte e cultura colapsam, vida e beleza colapsam, nosso mundo colapsa. Alguém pare com isso”. No entanto, parece que, para alguns, esse cenário passa batido e esses grupos “do contra”, como é o caso de parte da esquerda brasileira, representada pelo PCO (Partido da Causa Operária), apoiam a volta do regime opressivo no Afeganistão e consideram o Talibã como “uma enorme vitória sobre os piores inimigos dos oprimidos de todo o planeta”, ao se referirem às ocupações americanas. Difícil de acreditar. Coisas de Brasil.

Afegãos fugindo do Talibã
Afegãos fugindo do Talibã

No domingo (15), com a retomada de poder no Afeganistão, a bandeira dos Estados Unidos foi retirada do palácio e os funcionários da embaixada dos EUA foram transferidos para o aeroporto de Cabul, de onde embarcaram em voos para fora do país. O que abre portas para a reconstituição dos grupos terroristas, desfeitos na década de 90. Com a aproximação do 20º aniversário do atentado do 11 de setembro, pode haver uma crescente ameaça de terrorismo, por parte de grupos como o Al-Qaeda. Além dessa reviravolta no âmbito político, um fato que tem sido alvo de preocupação no mundo democrático é a questão do cerceamento da liberdade civil de meninas e mulheres afegãs, que tanto haviam conquistado anteriormente. Em razão de uma interpretação radical e estrita da lei islâmica, que restringe severamente os direitos das mulheres, o cenário do país é de pânico e provoca mudanças drásticas em vários setores da sociedade. No caso dos meios de comunicação locais, os principais canais de TV do país continuaram suas transmissões depois que o Talibã assumiu o poder, mas não há mais apresentadoras mulheres, de acordo com a BBC Monitoring. Isto é só o começo. Após o avanço desse regime no país, muitos dos direitos sociais e econômicos das mulheres foram sendo cortados, como, por exemplo, a obrigatoriedade do uso de “burca” (traje que cobre completamente o corpo da mulher, com uma treliça estrita à altura dos olhos), a retirada de imagens de mulheres sem véu das redes sociais, tornando a cidade “silenciosa”, como descreveu uma jovem afegã, que preferiu não se identificar. As mulheres, com o retorno do Talibã, perdem o direito de estudar e trabalhar livremente. Segundo Aisha Ahmad, estudante de ciência da computação na Universidade de Cabul, agredida durante sua tentativa de fuga recente, fez um apelo na mídia: “Sinto como se estivesse num túnel [...] não consigo ver nenhuma luz brilhante e não sei qual é o comprimento do túnel”. A fala da jovem afegã deve revoltar a quem acredita em evolução.

Ao assumir o poder no Afeganistão, um porta-voz do governo, Zabihullah Mujahid, se pronunciou, de forma menos agressiva, usando um tom moderado em temas como mulheres e anistia, porém, o histórico do regime levanta o temor de se repetirem ações com as rígidas regras religiosas e violentos castigos físicos adotados quando o grupo assumiu o poder no país pela primeira vez, há 20 anos. O discurso foi recebido pelo povo com bastante ceticismo, tanto pelos afegãos quanto pela comunidade internacional. De 1996 a 2001, quando o Talibã comandou o país, havia muitas restrições às mulheres, impedidas de trabalhar e estudar. Em seu discurso, o porta-voz disse que as mulheres poderão trabalhar, mas o que se está vendo atualmente são os cortes de inúmeros postos de trabalho ocupados por mulheres, desde a posse do novo líder. “As escolas estão sendo fechadas para as mulheres, elas não estão podendo trabalhar e as mais jovens devem ser forçadas a casar”. É a história que anuncia sua repetição. Triste de se ver.

Penso que, na maioria das vezes, tragédias não servem de reflexão para muitos que, ao invés de se valerem dos fatos para elaborar estratégias que favoreçam as conquistas de liberdade democrática no mundo, ao contrário, se utilizam desses fatos para buscar um “culpado” e o crucificam, entrando em conflito com suas próprias ideias Sim, estou novamente me referindo a parte da esquerda, no Brasil, que, ao mesmo tempo em que apoia à retomada do Talibã, faz acusações ao Bolsonaro, tratando-o de genocida, machista, dentre outros adjetivos que estamos acostumados a ver. Não faz sentido. O que me intriga é onde está o bom senso desses cidadãos – se assim puderem ser chamados -, quais os pesos e medidas de que se servem esses indivíduos para apresentar declarações tão contraditórias. Pura conveniência, em que o que importa não são os fatos, mas a quem se quer atingir, o que torna o debate político inconsistente, pobre, e faz com que, cada vez mais, desacreditemos da realidade que nos tem sido imposta. Por mais que sejamos otimistas – e eu procuro ser – os fatos se colocam na contramão e passamos a duvidar, assim como a jovem afegã, de uma “luz no fim do túnel”. Uma pena. O mundo diante do inconcebível. Meu repúdio.