O cancelamento não considera o passado das pessoas
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O cancelamento não considera o passado das pessoas

No último final de semana, vazou um áudio do artista Sérgio Reis, que se espalhou pelas redes sociais, criando a maior confusão. Em sua fala, Sérgio convoca caminhoneiros e produtores de soja a fazerem um ato em Brasília, com a sua participaç...

Paulo Mathias
5 min
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No último final de semana, vazou um áudio do artista Sérgio Reis, que se espalhou pelas redes sociais, criando a maior confusão. Em sua fala, Sérgio convoca caminhoneiros e produtores de soja a fazerem um ato em Brasília, com a sua participação, para pressionar o Senado a afastar os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). A convocação para a paralização dos caminhoneiros estava prevista para 8 de setembro. Não bastando isso, no áudio, Reis disse ter se reunido recentemente com o presidente Bolsonaro e com militares das Forças Armadas para apressar a aprovação do voto impresso e o pedido de impeachment dos ministros do STF. Essa fala caiu como uma bomba na mídia e o cantor foi crucificado por seu posicionamento, repercutindo de forma negativa e definitiva em sua imagem pessoal, profissional e pública. Penso que, nesse momento de fala, Sérgio Reis não teve sequer a mínima noção do que isso poderia acarretar para sua trajetória artística, negando a ele qualquer direito de resposta. Não estou aqui para fazer julgamentos, mas é claro, seu posicionamento, no mínimo infeliz, perante milhares de fãs, artistas e demais classes, já trouxe consequências  negativas para o sertanejo. Mas o ponto central disso tudo é como um fato isolado, uma fala imprópria ou um ato impensado podem destruir a vida e a carreira de alguém. Naquele momento, passa a não ter mais valor o que se construiu lá atrás. O que vale é o ato presente, nada mais. Os próprios admiradores do cantor, sejam da classe artística ou amigos mais chegados, fazem discursos de ódio, que anulam totalmente quaisquer qualidades que Reis possa ter e riscam um passado que fez história. Um peso, uma medida.

O cantor Sérgio Reis
O cantor Sérgio Reis

Vamos lembrar quem foi e quem é Sérgio Reis. Clássico cantor sertanejo de 82 anos, com sucessos como “Menino da porteira” e “Pinga Ni Mim”, ator de novelas como “Pantanal”, em 2014 ingressou na política como deputado federal pelo Republicanos, mesmo partido que elegeu o filho do presidente, Flávio Bolsonaro. O cantor se lançou na Jovem Guarda, tornou-se astro sertanejo vencedor de Grammys, e hoje é alvo de investigações por diversos possíveis crimes, após se declarar defensor ferrenho do presidente Jair Bolsonaro. Segundo a Polícia Federal, Reis é acusado de atos violentos e ameaçadores contra a democracia. De acordo com a BBC News Brasil, o astro da música, amado por milhares de brasileiros, botou sua reputação a perder, ao se colocar à frente de ameaças golpistas, posteriormente desautorizadas pelas próprias categorias que Sérgio dizia representar. Em razão de todas as denúncias contra ele, Sérgio Reis compareceu, na última terça-feira, 24, à Polícia Federal de Sinop (MT), sem ser intimado, para dizer que se apresentaria para depor em Brasília. Um esforço, por parte do cantor, para desfazer “mal-entendidos” sobre sua recente fala. Infelizmente, tarde demais. Sua cabeça está a prêmio, segundo a lógica do cancelamento.

Diante de todas essas manifestações – a meu ver, impensadas, resultado de falas pontuais – a classe artística se manifestou de diferentes maneiras. Muitas das parcerias que haveria para o lançamento de seu novo disco foram canceladas, como no caso de Zé Ramalho, Maria Rita, Guilherme Arantes, Guarabyra, Anastácia e outros, em reação a falas de Sérgio. Segundo Bavini, produtor e filho do cantor, o álbum, com cinco anos de projeto, não será mais lançado. A única cantora que disse permanecer no álbum foi Paula Fernandes. Por outro lado, o cantor Zezé Di Camargo se ofereceu para participar do álbum, após a desistência desses artistas. Zezé usou as redes sociais para manifestar apoio a Sérgio. Em uma mensagem para Reis, Zezé declarou: “Sergião, você não está sozinho. O Brasil está com você. O que estão fazendo com você é crueldade sem tamanho. Acho que as pessoas não entenderam ainda que a vontade do povo prevalece. Você é um homem do bem. Você é um homem que conheço há muitos anos, só fez o bem. Bem pra música sertaneja, pras pessoas que mais necessitam”, disse Zezé em uma série de vídeos publicados no Instagram. Continuou: “E deixo um recado também para meus amigos sertanejos. É hora de a gente pegar o Sergião e colocar no colo, que nem ele colocou muita gente”. Após essas declarações algumas duplas sertanejas se manifestaram em apoio a Sérgio Reis, como foi o caso da dupla João Bosco e Vinícius. Ainda existem pessoas de bom senso.

Hora de respirar e tentar entender como situações dessa natureza, que fazem parte do nosso dia a dia, colocam pessoas na berlinda, julgam, massacram, anulam, sem se preocupar com o ser humano como um todo. Como uma fala mal colocada pode anular uma vida inteira. Aonde está a compaixão nisso tudo? O que se tem visto é que parece tratar-se de algo ultrapassado, pois as respostas, hoje em dia, têm que vir na velocidade da luz, sem reflexão, sem pesos e medidas. O mundo do imediatismo encobre o real sentido das coisas. Paremos pra pensar, antes de emitirmos julgamentos apressados que podem acabar com a carreira e a vida de muitos.