Vivemos a banalização da liberdade de imprensa
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Vivemos a banalização da liberdade de imprensa

Quando penso que vivo em uma real democracia, em que valores que prezo, como a liberdade de expressão, são defendidos em diferentes níveis da comunicação, governo e figuras expressivas do Planalto, percebo que, em muitos momentos, isso é só u...

Paulo Mathias
4 min
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Quando penso que vivo em uma real democracia, em que valores que prezo, como a liberdade de expressão, são defendidos em diferentes níveis da comunicação, governo e figuras expressivas do Planalto, percebo que, em muitos momentos, isso é só uma utopia. Nesta semana, o relator da CPI da Covid, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) pediu a quebra de sigilo bancário da Jovem Pan, desde 2018. Esse pedido, também assinado por Humberto Costa (PT-PE), teve como foco a justificativa de que o veículo é "grande disseminador de fake News". Obviamente, a empresa se pronunciou e declarou ser “injustificável” tão ação, porém, decidiu publicar seu balanço financeiro no site da rádio, desde a data requerida. Quem não deve, não teme. Fatos como esse têm se repetido, com a intenção de cercear a liberdade de imprensa no país, ao que não podemos nos calar. A Constituição brasileira garante a liberdade de expressão, em seus incisos IV e IX do artigo 5º para as atividades artística, científica e de comunicação, embora alguns pareçam desconhecê-la. 

Jovem Pan
Jovem Pan

Com a liberdade de imprensa, dentro de um Estado Democrático, o povo exerce seu direito de ser informado, com participação de sua cidadania, de forma consciente, sobre a realidade pública. Por outro lado, a liberdade de expressão deve respeitar seus limites internos e externos, centrada nos direitos de igual hierarquia normativa. Além disso, segundo a Constituição de 1988, é vedada qualquer forma de censura de natureza política, ideológica ou artística, não cabendo nenhuma ação proibitiva que possa impedir a publicação de uma matéria, por razões extrajurídicas que se baseiem na qualidade moral do conteúdo apresentado. Lei que não tem sido levada em conta por aqueles que buscam impedir que se tenha voz própria, mesmo perante diferentes pontos de vista a respeito de um determinado tema. Haja vista minha posição como mediador do programa “Morning Show” da Jovem Pan, em que muitas vezes me vejo na condição de buscar consensos em discussões acaloradas entre os integrantes de opiniões contrárias, o que me parece saudável e enriquecedor em debates sobre vários assuntos em pauta. É preciso discordar, colocar “a cara a tapas”, ser corajoso o suficiente para expor seu pensamento e, acima de tudo, saber escutar o outro. O fato de ter uma visão contrária não significa ser o “dono da verdade”. Mas sim, exercer a liberdade de se colocar perante a um debate.

Voltando ao Renan, acusador das notícias mentirosas, durante a pandemia, por parte da jovem Pan, segundo o senador, considerado um dos integrantes do “gabinete do ódio”, decidiu, esta semana, voltar atrás e suspender as denúncias realizadas contra a empresa. Em defesa de sua idoneidade, a Jovem Pan afirmou que a história comprova que, durante os 77 anos de sua existência, jamais disseminou fake News e que pedidos como o de quebra de sigilo bancário são injustificáveis. Em nota da rádio, “Os profissionais da Jovem Pan divulgam fatos e os analisam segundo diferentes pontos de vista [...]. Fica claro, portanto, que se trata de uma acusação genérica que tem por única finalidade cercear a liberdade de imprensa”. Sabe-se que, embora a empresa possua seu próprio posicionamento perante fatos que se apresentam diariamente, sempre está aberta para escutar e veicular as diversas opiniões que possam surgir, dando voz a todos os seus jornalistas e repórteres que queiram se manifestar de forma contrária. Com isso, a empresa preserva, acima de tudo, a liberdade de expressão, assim como procuro fazer nos programas em que atuo. Ao retirar a quebra de sigilo bancário da Jovem Pan da pauta da CPI da Covid-19, o senador Renan Calheiros classificou como “equívoco” o requerimento em questão. Vergonhoso. 

Mas essa realidade no Brasil, de tentativas de corte da liberdade de se dizer o que pensa, aparece em outros veículos de comunicação, como no caso da produtora Brasil Paralelo, que foi alvo de quebra de sigilo bancário pela CPI do Covid e não teve a mesma sorte. A produtora de vídeos conservadores disse à imprensa que não tem nada a esconder. Sob a alegação de receber vantagens para se posicionar a favor do presidente da República e propagar “notícias falsas” no atual contexto de crise sanitária que enfrenta o país, o pedido, considerado inédito por se tratar de um órgão da imprensa, foi igualmente protocolado pelos senadores Renan Calheiros – alvo de acusações das mais variadas espécies – e por Humberto Costa. Muito me espanta, a “coragem” de certos políticos, com uma imagem nada positiva na sociedade, que se manifestam como “mentores da verdade”, esquecendo dos próprios feitos que ferem a dignidade de um representante do povo. O “macaco senta no próprio rabo, pra falar do rabo dos outros”, como diz o ditado popular. 

Com todas essas acusações sobre possíveis fake News, disseminadas em veículos de comunicação da atualidade, me surge mais um questionamento. O que na realidade são essas notícias ditas falsas? Qual o critério de avaliação para tal? A Jovem Pan, classificada por Renan como “militante digital” e “por sua intensa atuação na escalada da radicalização das redes sociais por meio de fake News”, ao se defender, buscou esclarecer a origem das supostas notícias falsas, acusando a “imprensa marrom” de disseminar notícias sensacionalistas, tentando denegrir a imagem de empresas sérias como a Jovem Pan. Lamentável que nos dias de hoje, em que se preza a voz divergente de polos opostos, em um regime democrático de direito, que ações como a de Renan obscureçam a imagem de organizações sérias que se comprometem com a verdade e sabem lidar com as diferenças. Meu sincero respeito a Jovem Pan e a todas as empresas que se posicionam e aceitam as divergências.