Entrevista com o Coronavírus - reforma do Estado e offshores
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Entrevista com o Coronavírus - reforma do Estado e offshores

Tão logo foi publicada, a entrevista do Jota com o Coron foi vista por um grupo de servidores públicos numa rede social, que solicitou à mídia digital um novo contato para obter informes sobre o que o Corona acharia sobre a reforma administra...

Salete Rossini
6 min
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Tão logo foi publicada, a entrevista do Jota com o Corona foi vista por um grupo de servidores públicos numa rede social, que solicitou à mídia digital um novo contato para obter informes sobre o que a Corona acharia sobre a reforma administrativa. Embora o chefe a princípio ficasse aturdido, Jota achou uma sugestão legal. Afinal, o vírus está em todo lugar e vê tudo. E um assunto puxa outro. No encontro on-line, Jota e Corona cordialmente se cumprimentaram e iniciaram a entrevista.

-Por terem gostado de nossa última entrevista, internautas servidores públicos sugeriram nova entrevista falando sobre a proposta de reforma que afeta os serviços públicos em geral. o senhor pode falar sobre?

-Posso falar sim. Afinal, é uma excelente sugestão e tem ligação com diversos interesses do governo em várias frentes, inclusive na saúde, que foi tema abordado na atual CPI.

- O que o senhor captou sobre a reforma administrativa?

- Ela teoricamente é considerada uma proposta de reforma do Estado, propagada como a modernização e desburocratização do mesmo... mas eu em particular vejo como algo bem mais profundo e grave, uma desestatização do Estado.

- Desestatização?

- Sim. Veja bem, funcionário público existe desde a Antiguidade, e o tratamento dispensado sempre foi destaque, pois eles trabalhavam para o governo. Coletores de impostos eram os mais privilegiados, correspondendo aos fiscais da Receita atual. Em qualquer país do mundo eles têm direitos e deveres à parte hoje. No Brasil, o governo propõe situação análoga à dos trabalhadores da rede privada, com vínculo trabalhista fragilizado. Por isso que vejo ser uma desestatização do estado.

- O senhor acha que seja ruim a proposta nesse sentido?

- Tenha certeza de que sim. A começar pelo proponente, o ministro da Economia Paulo Guedes, cujo currículo, como pessoa e como agente público, deixe claro que o propósito da reforma não tenha nada a ver com desburocratização e modernização. Ele tem acusações de fraude bilionária em fundos de pensão, que vem desde os tempos em que trabalhou para a ditadura Pinochet no Chile. 

- Sabemos dessa acusação, que aqui no Brasil foi arquivada. Mas, acusações à parte, quais são os aspectos que o senhor pode apontar sobre a face negativa dessa proposta de reforma?

-Um dos aspectos é a demissão sumária do servidor público por desempenho insuficiente ou ruim, após duas afirmativas, de chefia e de testemunho, sem direito a ampla defesa. Vale salientar que a afirmação de mau desempenho se tornará amplificador de assédio moral, que já é uma prática comum no serviço público devido a relações de poder. O documento também propõe demissão por obsolescência de cargo, por si um motivo torpe.

- Mas a extinção de cargos já ocorre há anos...

- Sim, e em todo o mundo, mas vale uma ressalva importante: o cargo pode ser extinto, mas o servidor ocupante não. A lei brasileira permite a readaptação a outras funções, e isso não prejudica o serviço público. Pelo contrário, isso significa a modernização do servidor, já que a versatilidade é uma exigência do mercado moderno. A demissão sumária impede essa versatilidade. É uma incoerência no discurso e revela uma canalhice patronal.

- A proposta propõe a terceirização ampla e irrestrita nos serviços públicos, inclusive nas funções-chave, maior número de indicações comissionadas e amplia os poderes da Presidência da República. O que o sr vê nesses pontos?

- A institucionalização da corrupção. Quem não sabe que os cargos comissionados são indicações políticas? Sem reforma administrativa,  já vemos empresários, assessores ou amigos íntimos de políticos, alguns de vida suspeita, em cargos de chefia para praticar tiranias locais. Hospitais federais são exemplos notórios disso. 

- O senhor falou no início da entrevista que tratar desse assunto é pertinente devido aos interesses públicos... o senhor acha que os dados coletados na CPI dão subsídios para que possamos ser contrários a essa proposta de reforma do estado?

- Sim! Veja bem, a advogada falou lá na CPI dos interesses de Guedes em toda a patifaria nazifascista em que se tornou a gestão da C19. Muito dinheiro se desenrolou nisso, e agora sabemos que os mesmos envolvidos, junto com Guedes, têm dinheiro guardado em paraísos fiscais através de offshores.

- Offshores?....

- Enfim, ligue os pontos: se provada a acusação, de onde Guedes conseguiu o R$ 1 bilhão, ou bem mais, da fraude nos fundos de pensão? Por que a promulgação da emenda que congela por 15 anos os salários dos servidores fora da elite? De onde estão saindo os recursos atuais que vão a esses paraísos fiscais? Ao mesmo tempo, por que tanta pressa de Guedes e do deputado Arthur Lira de aprovar a PEC da desestatização do Estado? E os aumentos semanais dos combustíveis, que ninguém consegue explicar? Se você pensar bem, as peças do quebra-cabeças vão se encaixando na medida que as coisas vêm à tona.

- O senhor acredita então que a PEC da desestatização do Estado, como diz, se empenhará na submissão completa do Estado aos desmandos do mercado financeiro?

- Exatamente, meu caro. A maior parte do PIB brasileiro virar títulos da dívida pública para salvar o mercado financeiro... você acha que bancos correm tanto perigo assim? Eles estão lucrando como nunca! Saiba que parte desses títulos, retirada dos impostos de vocês, está sendo destinada a paraísos fiscais em nome de offshores dessa gente. Se aprovada, a PEC da desestatização pode ser o fechamento de ouro nisso tudo. 

- Quer dizer que com isso a reforma administrativa servirá pra transformar o Estado numa espécie de zumbi para tornar legal a destinação de dinheiro público para esses destinos?

- Bingo! Pode parecer teoria da conspiração maluca, já que nunca foi tão fácil criar teorias conspiratórias. Mas, tudo tem muito a ver. A máquina financeira global é tão imunda quanto a política em seu país. E isso tudo foi garantido por anos e anos de grande mídia divulgando a favor desses grandes grupos por trás de lindas palavras, impedindo a politização correta do povo em busca um mínimo de justiça social. 

- Enfim, considerando essas relações, o senhor dá contra a reforma administrativa.

- Se eu fosse humano e político, com certeza meu voto é totalmente contrário. Não voto em patifaria e crueldade contra nações inteiras em nome de uns poucos que nada produzem. 

- Sr. Corona, muito obrigado por nos proporcionar mais informações para essa excelente entrevista.

- Por nada. Estou por aqui, qualquer novidade me chame.

- Muito obrigado. 

ROSSINI, S. Entrevista com o Coronavírus - reforma do Estado e offshores. In: ______. Cenas da vida urbana, crônicas do real. Outubro de 2021.